Vivemos navegando em vieses, heurísticas e falácias
Livros de Economia Comportamental, como o clássico Rápido e Devagar, mostram como nosso comportamento e nossas ações são desprovidos de racionalidade - ou mesmo como utilizamos atalhos e narrativas para tomar decisões: pensamos que estamos sendo lógicos e frios, mas podemos estar facilmente sendo reféns de vieses cognitivos. Essa é a proposta de Você não é tão Esperto Quanto Pensa, mostrar como abandonamos a racionalidade e deixamos nos levar por fatores, às vezes totalmente irrelevantes, para conduzir nossas vidas.
O livro constrói 3 conclusões muito úteis para nossas vidas, e talvez para termos mais humildade conosco. A primeira é a de que o mundo que nos cerca é construído por meio de variados vieses. Considere pessoas próximas de você, acumule informações sobre algo a respeito de suas vidas e analise como as decisões foram tomadas. Dificilmente indivíduos seguem à risca a racionalidade financeira/emocional/dos dados. Quem considera todos os fatores possíveis para tomar decisões? Análise de prós e contras, até exaurir todos os fatores e hipóteses possíveis? Poucos, talvez ninguém. Generalize a existência de vieses e nossa cumplicidade com eles, e assim temos a sociedade atual.
A segunda conclusão é que há 3 conceitos que nos cercam: vieses cognitivos, heurística e falácias lógicas. Vieses cognitivos são padrões de pensamento e comportamento que nos levam a ter conclusões equivocadas. A Heurística são atalhos mentais para resolvermos problemas - o famoso pensar rápido e devagar. Falácias lógicas são como problemas de matemática que devemos resolver, mas que na prática pulamos algumas etapas e consideramos que fomos "justos" e "corretos" na tomada de decisão.
A terceira conclusão, talvez a mais pertinente e de maior contribuição da obra, é que dadas essas "armadilhas" que convivemos, nós utilizamos de narrativas para justificar nossas vidas. Em toda contenda, quem descreve os eventos sempre se coloca como a vítima! E se conversamos com o outro lado, o que perceberemos? Outra vítima! Na verdade, ambas as partes estão utilizando de narrativas tanto para justificar atos incorretos, ou para amaciar suas consciências. Já dizia Albert Camus, "a verdade é muito dura", é necessário um tempero para suavizá-la e torná-la palpável. Eis uma das funções das narrativas. Nietzsche debochava do adulto que nos tornávamos, pois dizia que nós escolhemos uma fantasia, um personagem, e nos adaptamos a ele, moldando nosso comportamento, fala e ações. Em outras palavras, criamos uma narrativa e nos atemos a ela, fielmente.
Dada a enorme quantidade de capítulos no livro (se minha memória não falha, são 50, mas curtos), cada um apresentando um viés, discutirei apenas alguns. O priming é caracterizado pela mudança que um estímulo no passado realiza em nosso presente - somos influenciados pelo nosso ambiente. Tendemos a pensar que temos noção quando estamos sendo influenciados, mas o livro mostra que isso é um erro: não temos a menor ideia de quando estamos sob alguma influência. Em parte porque somos influenciados por tudo e por todo o tempo. Somos 24 horas fuzilados por influências. Como distinguir o efeito de cada uma? Ou melhor, como saber que algo está nos influenciando?
Um dos vieses mais famosos é o viés de confirmação. Utilizamos um filtro no nosso dia a dia, e só vemos o que nós queremos ver. Ignoramos todo o resto. Se acreditamos na teoria A, então tenderemos a filtrar informações que suportam essa teoria, fortalecendo-a. O problema é que iremos ignorar todo o resto, e esse resto é relevante. Aqui evidencia um dos problemas das redes sociais, pois os seus algoritmos filtram o que gostamos e adaptam o conteúdo para ele. As redes sociais nos encharcam com o que já acreditamos e gostamos. Elas aumentam o viés de confirmação. O clássico de Machado de Assis, Dom Casmurro, retrata bem o viés de confirmação. O protagonista Bentinho, extremamente ciumento e inseguro com sua amada, a famosa Capitu ("olhos de cigana e dissimulados"), via potenciais atos de traição em várias situações (eu sou do time que considero que ele foi traído, apesar do viés de confirmação).
Muitos acreditam na falácia do mundo justo. O vilão se dará mal no final, ao passo que o bom moço conseguirá se sair bem. Embora o livro não tenha usado o termo que escrevei, essa dicotomia do bom com o mal é decidida pela probabilidade. A probabilidade elimina o romance e o lado místico do mundo - torna tudo muito frio, dependente de números. Muitas vezes o que consideramos "ruim" ou "mau" sairá muito melhor; enquanto o que admiramos, o "bom" moço sofrerá até o final dos seus dias. É uma crença talvez construída pelas estórias milenares, de religiões e de filmes, mas tudo não passa de uma ficção que alimentamos, talvez para nos sentirmos melhor e pensar que existe uma lógica mundana/espiritual nos eventos cotidianos.
A heurística do afeto nos diz que utilizamos emoções para decidir entre risco e ganhos: tendemos a sobrevalorizar o ganho, concedendo maior peso a ele. Pouca racionalidade aqui, mas muita emoção - e assim está pavimentada a estrada para o erro. Quem nunca, ao comprar um bilhete de loteria, se imaginou um milionário? Parece que as chances de vencer uma Mega Sena eram prováveis! Mas não, elas continuam sendo uma em 51 milhões - altamente improváveis para quaisquer pessoas. Mas a heurística do afeto nos faz crer que estamos perto do prêmio.
O viés da imagem própria é bom de ter em mente: tendemos a pensar que somos mais inteligentes, mais bem sucedidos e mais habilidosos do que de fato somos - na maior parte das vezes não somos. Somos indulgentes com nossos erros, mas não perdoamos os outros com suas falhas.
Há outros vieses que valem a leitura. O livro é interessante ao apresentar tamanha gama de vieses, heurísticas e falácias. Mas aqui também repousa uma limitação: ao apresentar vários conceitos, perde-se a profundidade na discussão. Em muitos capítulos, quando a discussão esquentava, o capítulo logo terminava. Não é um livro que irá aprofundar nos conceitos, como é o caso de Rápido e Devagar, mas fornecerá uma noção dos vieses que estamos sujeitos.
Melhor livro que ja li, e o fiz bem na epoca da pandemia, que estava ficando louco, sem entender pq o povo tava tão maluco e só fazendo coisa sem sentido. Aprendi muito, observei que eu tambem faço coisas que critico e passei a observar melhor isso. TOP! Ele lançou outro livro la, How Minds Change.. mas acho que ouvi TANTO podcast com ele de convidado que quando peguei o livro, ja conhecia todos os capitulos kkkk
ResponderExcluirDe fato, seguimos muitos vieses, heurísticas e falácias - e pouco sabemos disso. Obrigado pela dica de livro.
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