Herança biológica limita nossa liberdade de consumo
O instinto de consumo: O que hambúrgueres suculentos, Ferraris, pornografia e troca de presentes revelam sobre a natureza humana é a segunda obra de Gad Saad que tenho a oportunidade de ler. Na primeira que li, A Triste Verdade sobre a Felicidade: 8 Segredos para Levar uma Vida Boa, tive ótima impressão do autor; ele mistura uma prosa leve, cômica, com respaldo científico para avançar suas ideias e argumentos. Felizmente, os mesmos ingredientes foram seguidos no livro O Instinto de Consumo. Portanto, os leitores terão um livro escrito por um pesquisador eclético, que mistura economia com psicologia e biologia evolucionária para mostrar como nos comportamos no mundo. O resultado é muito bom.
A proposta da obra é explicar por que consumimos o que consumimos, quais forças nos empurram para decisões de consumo. O homo consumericus é um resultado de influências evolucionárias, sociais e ambientais (contexto). Principalmente evolucionária. O livro mostra que milhões e milhões de anos de evolução moldaram grande parte do nosso comportamento. Essa herança genética/biológica nos guia quando o assunto é o consumo.
Gostamos de alimentos muito calóricos, gordurosos e açucarados porque, na maior parte da vida humana, lutamos contra a fome, contra a falta de calorias mínimas necessárias para vivermos. O homem do passado, ao encontrar alimentos gordurosos, ganhava dias extras de suficiência alimentar. Ele almejava em encontrar esse tipo de comida. Assim, é normal, com essa imagem no nosso retrovisor, o nosso desejo e queda por fast food. Em outras palavras, hambúrgueres e pizzas continuarão fazendo parte de nosso cardápio.
Na arena dos encontros amorosos, tanto homens quanto mulheres tentam impressionar o sexo oposto (ou o mesmo sexo). Novamente, temos a herança biológica. Homens do passado buscavam as mulheres com maior potencial reprodutor, o que era visto pelas curvas no corpo. Mulheres, por outro lado, buscavam proteção e provedores. Nos dias atuais, a proteção e o lado provedor podem ser vistos pelo status social e renda. Por isso homens torram dinheiro em carros luxuosos, criando dívidas (livro cita um estudo que confirma esse "investimento": mulheres consideram homens em carros luxuosos mais bonitos do que os mesmos homens em carros velhos e baratos; e esse efeito não ocorre no caso das mulheres: tanto faz mulheres dirigindo carros caros ou carros pobres, a avaliação de sua beleza não é sensível ao carro). Mulheres investem em ter um corpo mais atrativo, pelo consumo de cosméticos, maquiagem e cirurgias plásticas (90% das cirurgias plásticas ocorrem em mulheres). Seguimos os mesmos incentivos, trocando apenas os objetos usados para retratar nossa imagem. Lembre-se do pavão e sua calda que impõe um custo a ele próprio, mas o auxilia a obter fêmeas (eu sempre tive dúvidas se o gasto com carro realmente ajudava o homem em encontros amorosos; parece que ajuda de fato, pelo menos segundo este livro e os estudos citados).
Homens são menos propícios a perdoar infidelidade do que mulheres devido ao investimento na propagação dos genes. Não existe incerteza materna - todo filho de uma mulher será dela. Mas e o homem? Romances e livros brotam sobre dramas e tramas envolvendo dúvidas relativas à paternidade. Assim, herdamos (nós, homens) esse sentimento de maior intolerância à possíveis traições. Incerteza paterna é o nome.
O altruísmo recíproco era uma forma do homem da caverna elevar suas chances de sobreviver. Ao auxiliar um estranho, ele colocava esse estranho em "dívida". No futuro, caso a sorte mudasse, esse estranho poderia auxiliá-lo. Visto assim, o altruísmo era outro tipo de "investimento" em nossas vidas. Era uma forma de recrutar apoio quando necessário. Atualmente, damos presentes, lembranças e fazemos gestos altruístas. Somos, de fato, animais sociais. Mas há o componente evolucionário nos levando a esse tipo de criação de vínculos.
Esses exemplos servem para mostra que o argumento construtivista, de que somos influenciados principalmente pela mídia e contexto em que vivemos, é falho e apresenta lacunas. Ele não considera nossa herança biológica construída por milhares de anos de evolução. Gad nos diz que não fará muita diferença se reduzirmos a exposição de consumidores a imagens. Continuaremos consumindo seja o que for, desde que tal coisa esteja atrelada ao nosso passado. Homens consomem proporcionalmente muito mais pornografia do que mulheres, e estas preferem romances eróticos do que pornografia. Não há marketing que consiga mudar esse padrão.
Esses e outros exemplos ajudam a avançar a ideia central da obra e deixam a leitura muito agradável e interessante. Além disso, ao mostrar a força evolucionária por trás de nossas decisões de consumo, Gad enriquece nosso conhecimento.
Para quem se interessar, aqui está a resenha do livro A Triste Verdade sobre a Felicidade: 8 Segredos para Levar uma Vida Boa, também de Gad Saad. Spoiler: os principais fatores para nossa felicidade são a escolha do cônjuge e a carreira que seguimos.
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