Índice Gini mostra outra Coreia
Recentemente comecei a estudar um pouco mais o tópico desigualdade de renda. Os passos iniciais para a elaboração de um artigo científico costumam ser a leitura de trabalhos acadêmicos relacionados ao tema de pesquisa. Fiz essa parte. A seguinte, uma das que mais gosto, é coletar dados e contrastá-los com hipóteses e resultados da literatura. O gráfico abaixo é uma amostra dessa parte, com dados do índice de Gini.
Esse índice varia de zero a 1. Valores próximos de zero denotam uma economia com baixa desigualdade de renda, ao passo que valores próximos de 1 apontam para países muito desiguais. No gráfico, apresento dados de 5 países (Brasil, Chile, Coreia do Sul, Estados Unidos e Suécia).
Brasil (linha azul escura) e Chile (linha laranja) se destacam com elevados níveis de desigualdade. No caso brasileiro, isso não é novidade, dado que temos fama (corretamente atribuída) de sermos um dos países mais desiguais do mundo. Minha amostra total tem 33 países, e o país só perde para a África do Sul.
O Chile me surpreendeu negativamente, pois esperava menor nível de desigualdade. Pensei que o desempenho chileno fosse melhor por causa das reformas econômicas das décadas de 1980 e 1990, as quais permitiram que a sua economia aumentasse a renda por habitante ao longo do tempo e ingressasse na OCDE. Não é o caso quando o assunto é disparidade de renda.
Com essa informação em mãos, as recentes revoltas visadas a melhorar programas sociais e aprofundar a inclusão da população na Constituição me pareceram mais coerentes. De fato, o Chile parece ter problemas na distribuição de sua renda, embora tenha se destacado em outros segmentos.
Veja que a desigualdade dos EUA (linha azul) se elevou ao longo do tempo. Neste país, discussões sobre desigualdade têm se tornado cada vez mais comum, com controvérsias difíceis de serem contornadas.
A Coreia do Sul é a linha cinza, com desigualdade inferior à dos EUA. Em alguns anos a desigualdade coreana atingiu o valor de 0.3, considerado nível baixo de disparidade de renda. Recentemente, porém, a desigualdade parece ter se elevado levemente.
Na minha amostra, a Coreia consta no grupo de países de baixa desigualdade. Por isso, quando assisti pela primeira vez o filme Parasita, fiquei surpreso com a forma em que a desigualdade de renda foi tratada. Parecia um retrato do Brasil ou da África do Sul.
Ajudou no susto que tive a minha experiência estudando esse país. Em 2012, quando iniciei meu trabalho de TCC, como aluno de graduação da Universidade Federal de Viçosa (UFV), o tema do meu trabalho era comparar o Brasil com a Coreia e identificar os principais fatores que explicavam a crescente disparidade de renda entre as duas populações. A conclusão (sem grandes surpresas) foi de que os coreanos investem mais em educação, capital físico e tecnologia, enquanto nós ficamos estagnados nesses quesitos.
Durante esse período, vários trabalhos retratavam políticas governamentais coreanas tanto para estimular esses fatores de produção, quanto para mitigar a desigualdade de renda. Mesmo que algumas dessas políticas tenham sido erigidas por governos militares, estes, ao contrário dos militares que assumiram o poder aqui no Brasil, consideravam relevante controlar crescentes níveis de desigualdade. E funcionou, como pode ser visto pelo gráfico acima. A Coreia tem um baixo nível de desigualdade, embora este esteja crescendo atualmente.
Nas cenas de Parasita, parecia um país assolado por enorme desigualdade, com barreiras intransponíveis para que ocorresse mobilidade social. Novamente achei estranho, pois economias que investem maciçamente em educação, com desempenho satisfatório em testes internacionais de conhecimento, apresentam, na média, maior mobilidade social do que grupos que seguem caminhos alternativos. Em outras palavras, a Coreia do Parasita parecia o Brasil ou a África do Sul.
Há quem contra argumente dizendo que o filme é uma arte, e como tal, não precisa seguir à risca o mundo real. Nesse caso, a arte deveria primordialmente estimular nosso pensamento. Não concordo. Sendo arte ou não, retratar a Coreia como sendo o Brasil ou a África do Sul, na minha opinião, é um erro. Que essa arte, então, estimule o pensamento sem deturpar a realidade. Digo o mesmo para outros tantos filmes que apedrejam elementos capitalistas, sugerindo que o caminho socialista é o que nos libertaria de uma suposta prisão. É arte, mas que retrata o mundo de forma romântica, equivocada e errada. Vejo pouco mérito nesse tipo de arte (que fique claro: gostei do filme Parasita, com a única objeção sendo a forma retratada da desigualdade coreana).
O último país do gráfico é a Suécia, sempre citada como exemplo a ser seguido quando o assunto é desigualdade. O índice Gini é baixíssimo (é o mais baixo da amostra de 33 países), o que mostra o acerto dos suecos em minimizar a desigualdade.
Há outras medidas de desigualdade, portanto, o Gini não é o fim da história. Minha intenção foi apenas dar um pouco mais de informações nesse tópico constantemente debatido em redes sociais, jornais e outras formas de comunicação. Veja que ao me aprofundar nesse estudo também fui surpreendido com algo que eu julgava saber (Chile com baixa desigualdade), todavia, percebi o desacerto de minha percepção, e me corrigi. Conhecimento deve ser sempre contrastado com dados.
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