Sociedades abertas permitiram o progresso humano nos últimos dois séculos. Mas sofrem ameaças atualmente
Como o próprio título da obra sugere (Open: The Story of Human Progress, no original), John Norberg argumentará a favor de sociedades abertas ao comércio, ao fluxo de pessoas e de ideias. Para isso, o autor recorre a uma abordagem parecida com a usada por Harari, na trilogia Sapiens, isto é, recorre a diferentes campos do conhecimento para embasar sua tese, entre eles, psicologia, sociologia e biologia, enriquecendo de forma considerável o livro e tornando a sua leitura muito mais agradável.
Há quem afirme que o futuro no campo científico é o crescente diálogo entre ciências tratadas até hoje como objetos separados. Tome por exemplo a pobreza. Se olharmos para todas as suas dimensões, pode-se depreender que apenas a abordagem econômica pode ser insuficiente, uma vez que além da renda há o comportamento do indivíduo situado nessa esfera: o ambiente no qual cresceu (sociologia), e a forma como foi criado pelos pais (psicologia). Freud deixou bem claro que a nossa infância é fundamental para explicar nosso comportamento adulto, nossas frustrações e ambições. Portanto, a questão seria estudar a pobreza, e não unicamente uma ciência em particular. Norberg adota esse estilo e estratégia.
Confesso que quando iniciei a leitura, pensei que não acharia nada de muito novo, pois já li vários livros sobre o tema, e também quase toda semana leio algum artigo científico abordando um ramo desse tópico. Qual não foi minha surpresa quando percebi a forma pela qual o tema foi abordado!
O livro é dividido em duas partes. A primeira argumenta a favor da abertura, enquanto a segunda apresenta os principais riscos a essa abertura. Por abertura, o conceito usado é amplo, pegado emprestado de Karl Popper, sociedade aberta. Uma sociedade aberta é aquela que adota a democracia como regime político, permite ampla liberdade dos cidadãos expressarem suas ideias, pensamentos e trocarem bens e serviços. Portanto, tem como alicerces as liberdades econômica e política. Além disso, permite movimentos migratórios.
Norberg recorrerá diversas vezes a exemplos históricos, citando impérios e reinos, a forma como funcionavam, e utilizará essas configurações como suporte ao seu argumento. Estudos de psicologia são descritos para apoiar sua narrativa - muitos deles no campo da economia comportamental. A parte da biologia entra quando o autor aponta traços dos tempos de coletores e caçadores ainda presentes entre nós, como o medo do escuro. Será comum conexões desses traços com comportamentos contemporâneos, como o receio da imigração.
Nos últimos anos, o fluxo de pessoas de países pobres para as nações europeias e para os Estados Unidos tem se agravado, com discussões sobre o peso que essa massa populacional representaria para o Estado, o risco da mistura cultural e a subsequente perda de identidade nacional, e a perda de emprego para os imigrantes em um tempo no qual os avanços tecnológicos ameaçam algumas profissões. É sem dúvidas um grande tópico, atual e quente.
E o livro se detém longamente nele. Na verdade, a segunda parte da obra oferece explicações para o porquê de sociedades se fecharem para os 3 tipos de liberdades apresentadas: livre comércio, livre pensamento e livre migração. Mas o foco ocorre nessa última, pelo motivo apontado no parágrafo anterior.
Norberg nos diz que ainda temos a tendência evolutiva de separar nós e eles. Nós é o nosso grupo, pessoas próximas, pessoas que pensam como a gente, compartilham traços comuns. Portanto, tenderíamos a privilegiá-los, ao passo que os outros, o eles, seriam vistos como diferentes, talvez inferiores, incapazes de realizarem determinadas atividades. Para sociedades globalizadas, integradas ao comércio internacional, com fluxos de pessoas, esse traço é pernicioso porque ele fecha as fronteiras nacionais, limita as trocas entre países e pessoas.
A separação de nós e eles é chamada de comportamento tribalista, reforçada com o entendimento de que vivemos em um jogo de soma zero: o ganho de um grupo é visto como a perda do outro. Esse tipo de raciocínio é péssimo principalmente no campo econômico, quando o que ocorre é justamente o contrário: ganhos para todos os envolvidos. Assim é o comércio internacional, todavia, sempre há perdedores. O "ganho para todos" é um resultado agregado, o que não exclui pequenos perdedores - e estes perdedores podem gritar muito, se movimentar, se agitar. Por conseguinte, há a ameaça de fechar a economia, realizar "guerras comerciais", da forma vista em Donald Trump, Brexit, olhando para a Inglaterra, ou (agora em relação ao Brasil) pensar que somos a periferia do capitalismo em um arranjo orquestrado pelas potências, com o único objetivo de explorar os demais países. Essas narrativas supõem que a economia funcione como um jogo de soma zero, separa nós e eles. Nós devemos ter vantagens, enquanto o eles deve perder. O resultado final é perda para todos, como é mostrado por Norberg ao descrever rapidamente a história da humanidade desde a Babilônia até alguns poucos anos antes da Revolução Industrial. País fechado é sinônimo de empobrecimento. O progresso humano só existiu e foi ativado quando os países se abriram às trocas de ideias e conhecimento, de bens e serviços, em uma palavra, quando as sociedades abertas surgiram.
Esse progresso decorreu da cooperação e competição dos indivíduos, pois perceberam os ganhos que adviriam das trocas. Aqui citarei Milton Friedman, para o qual toda troca voluntária era benéfica, pois as duas partes faziam o que desejavam, caso contrário, essa troca voluntária não ocorreria.
O mecanismo da experimentação e da tentativa e erro, tão bem trabalhado por Hayek, é colocado por Norberg como um dos principais pontos desse progresso. Entretanto, é necessário que as pessoas tenham liberdade para agirem, buscarem alternativas. Em regimes centralizados, planificados, nos quais as decisões ocorrem de cima para baixo, isto é, do governo onipresente para a população, o campo de estratégia é reduzido, minando o mecanismo hayekiano.
Outro destaque da obra é a ideia de que não é o incentivo que fez com que a humanidade progredisse desde a revolução industrial. Segundo Norberg, em todo lugar há incentivos. Em alguns países, como a Coreia do Norte, o incentivo pode ser o maior possível, quando o indivíduo é executado quando não entrega o que foi pedido. Há incentivo maior? Por outro lado, argumenta o autor, o diferencial das sociedades abertas é a descentralização ao se deparar com esses incentivos. Não é apenas uma pessoa que tenta resolver algum problema detectado, são várias, cooperando, trocando informações e ideias.
No final, algumas recomendações de políticas econômicas são sugeridas. Gostei do i) imposto do carbono horizontal; ii) "job buddy" (companheiro de trabalho); iii) "safety of wings" (segurança para voar); iv) renda básica universal. Falando rapidamente sobre elas: o imposto sobre o carbono teria igual alíquota sobre todas as fontes poluentes, sem distinguir empresas ou setores. Todos se deparariam com o mesmo imposto. Os pontos ii) e iii) são relacionados, eles concernem a um governo que incentiva a recolocação de desempregados no mercado de trabalho, trocando os incentivos. Por exemplo: ao invés de pagar seguro-desemprego de forma incondicional, o governo forneceria treinamento técnico e somente transferiria renda se o indivíduo se mudasse para a área na qual há emprego disponível para o treinamento que recebeu. A última política seria a substituição dos vários programas sociais existentes por apenas um, a renda básica universal, independentemente da pessoa estar empregada. Desta forma, em caso de desemprego, seria reduzida a ansiedade em relação à renda.
O único ponto que senti falta foi a ausência da liberdade financeira, os fluxos de ações, títulos e demais ativos financeiros, juntamente com a entrada de novas instituições financeiras ofertando serviços de forma mais acessível para a população. Rajan e Zingales assinalam que liberdade comercial sem liberdade financeira é manca, pois grandes empresários podem conseguir minar a abertura com lobbies e propinas, dobrando leis para os seus interesses (estratégia seguida à risca pela Odebrecth, no excelente livro A Organização, de Malu Gaspar). Portanto, fiquei surpreso com essa omissão na obra. Veja a revolução que tem causado a entrada das fintechs como o Nubank no Brasil, o mecanismo do Pix, o desenvolvimento das corretoras, e observe como os grandes bancos que já operavam no país tiveram de baratear taxas e melhorar serviços para competirem. Liberdade financeira tem enorme potencial para melhorar a vida das pessoas.
O livro é uma defesa pela sociedade aberta, recorrendo a fontes histórias, psicologia, antropologia, biologia e economia. Tenta derrubar preconceitos e traços comportamentais herdados de um passado tribal. Em especial, há um ótimo capítulo mostrando como o medo que sentimos interfere em nossas decisões. Como disse, é um livro rico em ideias e conhecimento. Muito bem desenvolvido e embasado. Portanto, recomendo a sua leitura.
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