Inflação, ômicron, falta de ajuste fiscal... Desafios são inúmeros
Os últimos dias forneceram fortes evidências de que os próximos meses continuarão desafiadores para todos. A principal notícia foi a nova variante do vírus da Covid-19. Ainda pouco se sabe sobre os riscos impostos por essa variação, mas apenas essa dúvida é suficiente para postergar ajustes e recuperações na economia mundial.
Isso ocorre porque grande parte do funcionamento dos mercados se baseia em expectativas. A ômicron tem alta taxa de infecção? E de letalidade? Se a letalidade é elevada, novos lockdowns (confinamento) serão necessários? E as vacinas? Quão eficiente são contra essa variante? Essas são apenas algumas das dúvidas.
No campo econômico, temos crescente inflação mundial, não somente no Brasil. A escassez de chips, desequilíbrio entre uma demanda que esteve reprimida por muitos meses com uma limitada oferta e fatores domésticos parecem ser as principais explicações. No caso deste último, tomando o Brasil como exemplo, é responsabilidade unicamente nossa a de que a taxa de câmbio esteja desvalorizada a níveis próximos de 6 reais por dólar.
Todo economista (ou analista de mercado) deveria evitar de encontrar o valor futuro do câmbio. É tarefa demasiadamente condenada ao fracasso, dada a altíssima volatilidade e imprevisibilidade do câmbio. Este depende de muitos fatores. Mais simples - caminho que sigo - é o de apontar a trajetória dessa variável, com ressalvas. Eu apontaria que o câmbio sofrerá enorme pressão quando o Banco Central dos Estados Unidos (Fed) iniciar a elevação de sua taxa de juros. Como o dólar é a moeda universal, refúgio para investidores cautelosos, e dada a condição do Brasil como economia emergente, significativa parte do capital aplicado aqui se deslocará para lá. Esse movimento pressionaria a taxa de câmbio para subir de valor. O quanto subiria é um percentual que não tenho a mínima ideia.
Tome como exemplo o índice de ações brasileira, o Ibovespa. A corretora XP apontou que este fechará 2021 em 140 mil pontos. Enquanto escrevo esse texto, o índice está em 103 mil pontos. Ele teria que crescer incríveis 36% em 29 dias. É possível?
Para minimizar o palpite da XP, veja que como corretora, ela tem suas receitas elevadas quanto investidores estão mais otimistas, pois estes irão comprar mais ativos sob sua custódia. Compras e vendas de ações ocorrerão em maior intensidade, gerando mais taxas para a XP. Em outras palavras, a corretora sofre conflito de interesse ao criar projeções do futuro do Ibovespa. A XP irá se beneficiar de um Ibovespa maior, os seus clientes acompanham as suas projeções, portanto, perde-se parte da imparcialidade ao realizar a projeção. Clientes otimistas com o futuro investem e gastam mais. Pense na projeção da XP como uma âncora auxiliando na tomada de decisões de seus clientes. E perceba que previsões pessimistas atrapalhariam a corretora.
Assim como o vendedor de camisas não irá dizer para nós que não precisamos de uma nova camisa, a corretora tenderá a projetar cenários otimistas. A Ciência Econômica estuda muito sobre conflitos de interesse, e este é somente mais um. No geral, quando há conflito de interesse, a decisão tende a ser viesada para beneficiar o envolvido. Novamente, você já foi em uma loja na qual o vendedor disse que você não precisaria comprar sua mercadoria?
Um parêntese nessa discussão. Quando ataques sobre universidades ocorrem, lembre-se de que a pesquisa realizada por essas entidades sofre em menor (ou talvez não sofra de modo algum) grau de conflitos de interesse. Me coloco como exemplo. Assim como a XP, também realizo previsões de cenários. Todavia, o que tenho a ganhar ou a perder? Como pesquisador, tenho de mostrar o máximo de imparcialidade, rigor técnico e justificar cada passo dado. Caso contrário, meu trabalho perde credibilidade e eu não conseguiria publicá-lo em uma revista conceituada. Não tenho comissão ou taxas para receber, logo, não há conflito de interesse. Em geral, pesquisas em universidades públicas possuem essa vantagem, há uma blindagem em relação a conflitos de interesse. Pense nesse argumento quando assistir pessoas atacando a pesquisa pública.
Voltando a comentar sobre a caracterização do Brasil como economia emergente. Em termos globais, isso significa que nós, o Brasil, não conseguimos alterar todo o cenário mundial de forma unilateral (somente em raras exceções). Portanto, economias emergentes se ajustam ao cenário. Se o Fed subir as taxas de juros, nosso Banco Central perderá liberdade para perseguir sua política monetária. Não é uma questão de soberania. É uma questão de desenvolvimento econômico e de exposição do país a eventos externos.
Outro risco que ainda existe é uma possível crise imobiliária na China. Inicialmente o receio foi em uma falência da Evergrande. Agora há indícios de que outras empresas desse setor estejam também em situação parecida. O que o governo chinês fará? Alguns analistas apontam que o governo poderia socorrer algumas dessas empresas para evitar o risco da crise imobiliária se espalhar para outras áreas. O problema dessa solução é que ela daria uma péssima mensagem para os outros participantes: "não importa se vocês foram pouco cautelosos, nós cobriremos os seus prejuízos". Na economia, é uma situação de risco moral.
Tenho poucas dúvidas de que a eclosão de uma crise na China teria efeitos negativos sobre o Brasil. Novamente, somos uma economia emergente. É esperado que choques externos, como crises, resvalem sobre o nosso país. Esses choques podem causar grande ou pequeno estrago. Nesse ponto, é o nosso comportamento que exercerá o papel principal. A julgar pela teimosia da taxa de câmbio em retornar para valores mais baixos, minha expectativa com uma crise, e a forma como o governo a trataria, não é muito boa. Sim, responsabilizo a equipe econômica por termos um câmbio tão elevado ainda. O fator fiscal, pela ausência de reformas para minimizar esse problema, e a insistência em aumentar gastos com poucos recursos, pressiona o câmbio para cima.
Em resumo, continuaremos convivendo com preços crescentes nas próximas semanas. O câmbio irá demorar em cair de valor (o mais provável é que suba). E a nova variante da Covid-19 derramou mais dúvidas em um mundo que ainda luta para entender tudo o que está acontecendo. Embora eu nem tenha mencionado, o crescimento do PIB para 2022, 2023, 2024 segue com expectativas pessimistas (como sempre digo, no máximo teremos voos de galinha, nada de duradouro, e continuo com a mesma justificativa: ausência de reformas).
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