Populismo fiscal à vista
Novamente o atual governo toma uma posição populista visando as eleições. O pacote lançado para subsidiar os preços de combustíveis carrega traços de irresponsabilidade fiscal, muito evidente ao prever outro furo no teto do gasto - o primeiro furo ocorreu com a PEC dos precatórios, no final do ano passado. Desta vez a intenção é criar espaço para subsidiar os crescentes preços dos combustíveis. Essa medida soa pior quando temos a informação de que 33 milhões de brasileiros passam pelo risco de iminente insuficiência alimentar.
Considero esse pacote como populismo porque ele ignora restrições fiscais, é voltado apenas para o curto prazo, sem resolver a situação de forma permanente, e é pensado como estratégia para as eleições de outubro. Por minha leitura desse pacote, ele reduziria o preço do litro da gasolina em aproximadamente 1 real.
Essa proposta se torna ainda pior quando se considera outros problemas cercando o país, como os brasileiros em estado de fragilidade alimentar por conta da inflação. Não seria mais benéfico transferir renda para eles, de modo a protegê-los da alta inflação? Como um subsídio na gasolina protege esses 33 milhões?
E o que dizer de Paulo Guedes, que nas eleições passadas prometeu ajuste das contas fiscais, mas que tem pactuado com o desrespeito das finanças do governo e com o populismo fiscal? A imagem de economista liberal e favorável às reformas econômicas tem cada vez mais desvanecido. Quando meus amigos tentam defendê-lo (eu tenho dito que estou decepcionado com a sua atuação), dizem que a culpa é do legislativo, que não permite que ele trabalhe. O problema é que essa medida veio do poder Executivo, onde o próprio Guedes atua.
Eu concordo que o poder Legislativo do Brasil, por muitas vezes, tem postura lamentável, especialmente na área econômica. Muitos dos males que testemunhamos na economia pode ser atribuído a esse poder - pense no nosso sistema tributário e nas regulações confusas. Mas discordo totalmente quando toda a responsabilidade é imputada a ele. O governo Bolsonaro seguiu a tradição de presidentes com comportamento confuso a respeito da economia, com jogadas populistas para angariar apoio da população (verdade que esse traço pode ser visto em toda a América Latina. Por que?).
Todavia, Bolsonaro usou a bandeira das reformas econômicas defendidas por Guedes para se tornar presidente. Eu muito ingênuo pensei que Guedes teria liberdade para avançá-las (em minha defesa: alguém realmente tinha ideia de como seria Bolsonaro presidente? Eu não tinha). Como externalizei nesse texto aqui, nossos problemas estruturais (estatais ineficientes, regulação confusa, impostos inadequados, baixa abertura comercial, ajuste das contas públicas e reformas para melhorar o gerenciamento do dinheiro público) ficarão para o próximo presidente. Se Bolsonaro não os enfrentou nesse governo, por que o faria em um possível segundo mandato?
Guedes seria culpado? Reconheço que ele foi minado diversas vezes tanto por Bolsonaro quanto por políticos do legislativo (atualmente estes estão pressionando para subsídios na conta de energia, outra medida ruim, para não dizer péssima). Entretanto, Guedes tem parcela de culpa por ter mostrado baixa habilidade de dialogar e negociar com os partidos - um dos pontos centrais em democracias. Às vezes tenho a impressão que Guedes ainda se vê no regime chileno de Pinochet, quando praticamente não existia oposição para políticas econômicas, uma vez que o país passava por uma ditadura militar. Bastava elaborar a medida e implementá-la. E também sua imagem não se beneficia com previsões irrealistas, como por exemplo quando promete que a economia vai "decolar", quando claramente não vai.
Vou terminar esse texto com uma pitada de otimismo. A tendência dos próximos meses é de que a inflação se desacelere, principalmente por conta da ação do banco central, com as elevações da taxa de juros Selic. Essa é uma vantagem de possuir um banco central independente: o presidente tem baixa probabilidade de interferir no seu funcionamento (esse problema era recorrente no nosso passado, como evidenciado durante o governo de Dilma Rousseff). Dessa forma, pelo menos o sufoco com preços crescentes poderá dar uma trégua. Já o mercado de trabalho terá vida mais difícil, em parte por conta do cenário externo desfavorável, em parte porque os problemas estruturais do país continuam a existir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário