terça-feira, 21 de junho de 2022

Existe meritocracia?

Desigualdade social e econômica derruba o conceito de meritocracia incondicional

renda educação


Nesta semana eu estava sem ideia do que escrever até que um leitor me criticou, dizendo que eu defendia políticas públicas que elevam a dependência do indivíduo com o Estado. Eu critiquei neste texto aqui a ideia do subsídio para os combustíveis em um ambiente no qual milhões de brasileiros estão vulneráveis à fome. Afirmei que faria mais sentido transferir renda para essa parte da população, auxiliando-a a lidar com o cenário de preços crescentes. Uma vez que os preços se estabilizassem e a renda da economia voltasse a subir, essa transferência deixaria de ser necessária, podendo ser eliminada. Não vejo como subsídios à gasolina, ao álcool e ao diesel poderiam gerar melhor retorno social. 

Pois bem! Falemos de meritocracia, portanto. Se a política que recomendei causa dependência, compreendi que a fome seria um incentivo para esses indivíduos produzirem. E que além disso, estes mesmos indivíduos seriam os principais responsáveis pela situação na qual se encontram. 

É um grande erro considerar que existe meritocracia incondicional. Uma pessoa que nasceu em uma favela, desprovida de educação formal de qualidade, com pais ausentes, sem uma teia de amigos e parentes que possa ajudá-la nos estudos e em dificuldades, por exemplo dificuldades financeiras, teria a mesma chance que outra pessoa nascida em um bairro rico, com lar estável e cercada por exemplos de pessoas em condições materiais similares? Por isso usei o termo incondicional. Não há esse tipo de meritocracia.

Por outro lado, considero aceitável a meritocracia condicional a alguns fatores chave. Vou trabalhar com 5 deles nesse artigo. O primeiro, já citado anteriormente, é a educação formal. Crianças que frequentaram bons colégios têm melhores probabilidades de encontrar emprego com alta remuneração. Novamente pense na jovem que nasceu em uma vizinhança muito pobre, com escolas subfinanciadas, com profissionais desmotivados. Use uma expressão que economistas adoram citar: ceteris paribus, significando que tudo o mais está constante, ou seja, duas crianças que têm as mesmas condições em todas as esferas na vida, exceto quanto à educação. Uma frequentou apenas as melhores escolas, a outra apenas escolas de baixíssimo nível. Há meritocracia quanto ao emprego futuro?

O segundo fator é o lar no qual somos criados. Estudos indicam que nem mesmo políticas públicas conseguem compensar jovens que nasceram em um lar conturbado, com conflitos entre os pais,  ou mesmo com a ausência das figuras paterna e materna. 

O terceiro é o ambiente que nos cerca. Eu citei favelas, mas poderia ser qualquer região pobre e abandonada. Um jovem criado em meio ao tráfico de drogas, trocas de tiros, utilização disseminada de entorpecentes, e roubos, terá a mesma mentalidade de outro jovem nascido em uma região razoavelmente tranquila, composta por trabalhadores formais, investidores, estudantes e professores? Não me venha citar exemplos pontuais que fogem dessa regra. Isso apenas mostra que, na média, o lugar no qual nascemos e crescemos tem um papel em explicar nossa renda futura. 

A herança/patrimônio é o quarto fator. Converse com pessoas desprovidas de capital que desejam abrir o próprio negócio, e compare a situação delas com outros nascidos em famílias abastadas. O ponto de partida é o mesmo? Ainda que o indivíduo desprovido de capital consiga abrir a sua empresa, o seu risco ainda é muito maior. Em caso de falência, quem o socorrerá? A pessoa de família rica conta com uma teia de amigos/parentes que o ajudará em caso de insucesso. 

Deixei em último lugar a sorte, argumento defendido por Hayek. Ele dizia que em uma economia de mercado a sorte entrava na equação da meritocracia. Algumas pessoas apostavam em uma ideia e fracassavam, enquanto outras, muito menos instruídas e inteligentes, conseguiam formar fortunas por pura casualidade. Observe os novos milionários que apostaram em algumas criptomoedas desconhecidas, e do dia para a noite se tornaram ricos. Eles realmente sabiam o que estavam fazendo? Ou foi somente uma jogada de sorte? Se pudéssemos "resetar" a vida que vivemos e que nos cerca, você acha que as mesmas pessoas e empresas existiriam nas condições que apresentam atualmente?

Tome o exemplo da empresa bilionária/trilionária Google. No livro Sapiens: Uma Breve História da Humanidade, Harari nos conta que os fundadores da Google tentaram vender a empresa quanto esta tinha apenas dois anos por 500 mil dólares. Apenas um comprador apareceu, e ele recusou a oferta, alegando que o preço estava muito elevado. No início deste ano a Google estava avaliada em 3 trilhões de dólares. Nem mesmo os seus fundadores tinham ideia do potencial da empresa. Difícil desqualificar o fator sorte na meritocracia.  

Feitas essas considerações, agora podemos falar de meritocracia (sempre condicional). Para pessoas nascidas em ambientes razoavelmente seguros e desenvolvidos, com boa educação formal, lar estável e com apoio financeiro vindo da família, quando competindo entre elas, há de fato meritocracia no resultado - sem deixar de lembrar do fator sorte, o qual pode dificultar um pouco mais a análise de mérito.

Agora volto ao porquê dessa coluna. Pode-se atribuir meritocracia aos 33 milhões de brasileiros em situação vulnerável de fome? Basta verificar o site do IBGE para termos uma noção do quadro dessas pessoas. São indivíduos desprovidos ou com baixa educação formal (possivelmente deficiente, evidenciado o problema da educação brasileira), nascidos e moradores de localidades de baixo desenvolvimento econômico. Como citei durante o texto, nem mesmo um dos maiores defensores da liberdade econômica conseguia ver meritocracia incondicional. Hayek reconhecia limitações nessa visão. Daí porque temos sempre que bater na tecla de que a educação básica do Brasil deve ser melhorada. É uma forma de amenizar a disparidade ao nascer.







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