Autores explicam a ascensão, a consolidação e o declínio de democracias
Da famosa trilogia de Daron Acemoglu e James Robinson, o livro Origens Econômicas da Ditadura e da Democracia, publicado em 2005, é o menos conhecido. Os autores ficariam mundialmente conhecidos pelo sucesso de vendas Por Que as Nações Fracassam, de 2012. O último da trilogia, O Corredor Estreito (meu preferido), de 2019, ainda não causou alvoroço - talvez por conta do sucesso de seu antecessor, terminando por ofuscar obras posteriores.
Origens Econômicas da Ditadura e da Democracia, como o próprio título elucida, tem o objetivo de explicar o surgimento, a consolidação e o enfraquecimento de democracias - ou o extremo oposto de regimes democráticos, ditaduras. Para isso, os autores constroem um modelo que se inicia simplista, mas que vai agregando novos conceitos conforme aumenta sua complexidade.
O modelo usado parte de 3 premissas. A primeira é a de que os incentivos econômicos individuais importam. Diferentes grupos em uma sociedade, ao tomarem decisões, se pautarão primordialmente por argumentos voltados à economia. Esses grupos analisarão como alterações no regime político impactarão em suas rendas e patrimônio. Portanto, há uma análise de custo-benefício envolvida nos conflitos sociais.
A segunda premissa é a de que conflitos são essenciais para compreender desdobramentos na sociedade. Muitas vezes diferentes grupos terão desejos pouco coadunáveis. Tome por exemplo uma sociedade extremamente desigual (o livro toma a África do Sul como exemplo). Por conta de sua elevada desigualdade de renda, a maior parte da população deseja forte redistribuição de renda. Por outro lado, a minoria rica, a elite, se colocará contra essa redistribuição, dado que para financiá-la o governo teria de impor elevados impostos sobre essa elite. Está aberto um cenário para conflitos, como de fato ocorreu na história deste país.
A última premissa é a importância de instituições políticas. Aqui os autores dão os primeiros passos de um tópico que seria o objeto principal do livro subsequente, Por Que as Nações Fracassam. Instituições políticas, por definição, são entidades que demandam longo período para serem modificadas. Mas, uma vez alteradas, têm o potencial de gerar novos resultados nessa sociedade, ou como diria Douglass North, essas instituições mudam as regras do jogo.
Com essas premissas, o livro mostra como dois grupos, a elite, e o restante da população, os "cidadãos", interagem e produzem resultados políticos. Como já antecipei anteriormente, a elite irá verificar o custo tributário que uma democracia significará ao seu patrimônio, e nesse momento ela decidirá se faz sentido reprimir protestos e apoiar golpes de Estado. Caso o golpe de Estado seja financeiramente atrativo, isto é, ele não colocará os ativos e renda dessa elite em perigo, ela pode se aliar com outros grupos, como o exército, para barrar o avanço democrático.
Os cidadãos também enfrentam dilemas econômicos, e daí a importância do grau de desigualdade de renda. Se a sociedade é caracterizada por elevadíssima desigualdade, uma democracia pode ser atrativa para esse grupo pois implicaria no aumento de sua renda, seja pela redistribuição de renda, seja pelo fornecimento de bens públicos pelo Estado (saúde, educação). Em sociedades pouco desiguais (livro cita Cingapura), os cidadãos não têm esse incentivo de redistribuição, pois muitos deles sofreriam com a elevação dos impostos. E também não há o coro de reduzir a desigualdade, visto que o mercado conseguiria gerar indivíduos em condições financeiras razoavelmente próximas.
Além desses dois grupos, o modelo acrescenta a classe média. Ela pode se pactuar tanto com a elite quanto com o restante dos cidadãos. Tudo dependerá do seu nível de renda. Caso essa classe média seja pobre (ou abaixo da renda média da sociedade), com padrão de vida próximo do restante da população, ela ficará inclinada a se juntar ao grupo que deseja democracia, pois isso implicaria em maior redistribuição de renda. Todavia, pode ser que essa mesma classe média tenha bom padrão de vida, e interprete que a ascensão de uma democracia reduziria o seu poder de compra. Nessa situação, ela apoiaria a elite.
A maior ameaça que os cidadãos podem causar é por meio de revoluções. Nessa conjuntura extrema, faz sentido para a elite permitir que determinadas pautas do grupo cidadãos sejam atendidas, para reduzir o ímpeto revolucionário. Entretanto, há o problema do quão crível é a promessa, ou seja, sua credibilidade. E se a elite prometer uma mudança futura, mas, percebendo que o movimento revolucionário se desfez, voltar em sua palavra e não cumprir? (Há diversos exemplos históricos desse tipo de ocorrência documentados no livro). Para evitar essa questão, os cidadãos podem exigir a construção de novas instituições políticas, com destaque para a democracia e uma constituição que conceda direitos aos indivíduos. Lembre que instituições políticas demandam tempo e energia para serem modificadas, portanto, são uma forma de dar credibilidade à promessas.
Outro acréscimo interessante no modelo é o impacto da globalização comercial e financeira sobre o regime político. O aumento do comércio de bens (globalização comercial) poderia fortalecer a democracia com o aumento de renda dos trabalhadores, tornando a sociedade menos desigual (velha relação entre o aumento do comércio e a elevação da prosperidade geral, com algumas exceções). Esses trabalhadores passariam a defender uma redistribuição de renda mais contida, portanto, a elite não colocaria obstáculos à democracia.
Na globalização financeira (aumento dos fluxos de capitais), o mecanismo é muito parecido, com o financiamento de empresas e investimentos ocorrendo pelo capital estrangeiro, novamente elevando as rendas e patrimônio da população. Adicionalmente, em uma economia com abertura financeira, seria fácil proteger o patrimônio de tributações onerosas, pois como sempre afirmo nesse blog, basta um clique no celular para tirarmos o capital aplicado no país e colocá-lo em outra localidade. O incentivo de forte tributação se reduziria com a globalização financeira, logo, a elite não veria grandes problemas no fortalecimento da democracia.
A diferenciação da forma de riqueza da elite também merece destaque. A elite pode pautar sua renda pela posse de terras, de capital físico ou pelo nível educacional (capital humano). No caso da elite latifundiária, essa sempre se colocaria contra a ascensão de democracias com viés redistributivo, pois tributar a terra é muito mais fácil se comparado com as outras formas de tributação (não há como deslocar a terra para outro país com um clique, ou escondê-la). Mesmo no caso de capital físico (máquinas, equipamentos, softwares) a mobilidade do capital é superior à das terras. Essa informação ajudaria a compreender o porquê da dificuldade de construir democracias em sociedades latifundiárias.
Comparado com outros livros sobre democracias, por exemplo Como as Democracias Morrem, a obra de Acemoglu e Robinson é muito mais fundamentada e técnica em seus resultados. Há enorme cuidado em não confundir correlação com causalidade - um dos obstáculos da literatura sobre democracias é justamente essa confusão entre causa e efeito. No início do livro, são retratados algumas confusões relacionadas a esse ponto, por exemplo: países ricos tendem a ser mais democráticos? Mas não seria o inverso? A democracia é que faria os países se tornarem mais ricos? Felizmente a Ciência Econômica, com a utilização da Econometria, consegue dar algumas respostas a esse dilema.
A virtude de uma análise técnica traz desvantagens. A principal, e imagino que explique o porquê dessa obra não ter tradução em português (eu procurei e não achei), é a de tornar o texto pouco atraente para o público leigo. O livro é recheado de equações e contas, parecendo mais um artigo científico gigante do que um livro para apresentar um conceito para o público. Mesmo as ressalvas que os autores fazem não resolvem. A forma do livro não ajuda. Imagino que esse ponto tenha sido debatido entre eles, pois os 2 livros que foram lançados posteriormente não possuíam uma equação sequer.
Dessa forma, o livro é recomendado para um público menor, aquele envolvido com esse tipo de tópico e com razoável domínio de matemática e estatística. Entretanto, caso o leitor deseje ler a obra mesmo assim, pode facilmente pular as contas.
Ao colocar incentivos econômicos como um dos principais motores da luta de classes/grupos, os autores enriqueceram a discussão da ascensão e consolidação de democracias. E as leituras de Por Que as Nações Fracassam e O Corredor Estreito farão mais sentido, com lacunas preenchidas pelo primeiro livro da trilogia.
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