sexta-feira, 17 de junho de 2022

Mar agitado faz bons marinheiros?

Governos populistas tendem a se comportar pessimamente em ambientes caóticos

américa latina


A principal reportagem da revista The Economist desta semana analisou o estado da política na América Latina. As previsões não são boas tanto para aqueles favoráveis a regimes democráticos quanto para os que desejam que essa região consiga desenvolver em maior grau sua economia. A reportagem percebe riscos sistêmicos de que democracias podem se transformar em ditaduras, por meio de golpes de Estado, ou mesmo por modificações realizadas pelo presidente eleito - também há a estratégia de constranger órgãos e agentes responsáveis por executar algumas funções. Aqui no Brasil, a troca de comando da Polícia Federal tem sido a prática empregada por Bolsonaro (ele é citado na reportagem, mas não exatamente a respeito deste ponto). 

Três fatores ajudariam a compreender essa guinada favorável à centralização de poder: estagnação econômica, frustração popular e polarização política. Embora o escopo do texto seja toda a América Latina, esses fatores estão em funcionamento no Brasil. A parte econômica vem nos assombrando desde pelo menos o ano de 2015, quando a crise fiscal emergiu, derrubando o PIB e criando a trajetória de baixíssimo crescimento que temos presenciado - sem muita esperança de superá-la de forma estrutural, e não somente conjuntural, por poucos anos (o famoso voo de galinha).

Sobre nossa crise fiscal - eu acrescentaria que temos simultaneamente uma crise econômica, estrutural, no sentido de que o modelo de crescimento aplicado está obsoleto, inoperante para gerar produção e emprego com inflação e dívida estáveis -, ela é fruto do desequilíbrio da arrecadação de impostos com o gasto público. Desde o segundo mandato de Lula (2007-2010), passando pelos anos com Dilma Rousseff (2011-2015), com um breve respiro com Temer (2016-2017), e agora com Bolsonaro (2018-2022), a tendência da economia foi gastar mais do que arrecadar, gerando novas dívidas. O risco desse cenário é que caso choques ocorram - como a subida da taxa de juros dos EUA, ou uma guerra, como a envolvendo a Rússia e a Ucrânia -, eles podem fragilizar a economia, derrubando-a e tornando até mesmo o financiamento da dívida insustentável. Além do mais, dívida crescente representa alocação de dinheiro público para o pagamento de juros - é financiar o consumo de hoje impondo o fardo de pagá-lo sobre a geração futura, a qual arcará com maior dose de imposto para pagar essa dívida levantada por seus pais. 

Fruto da estagnação econômica é uma crescente insatisfação popular, especialmente com os preços que não param de subir (novamente, os choques que mencionei anteriormente, com a inclusão da Covid-19). Atualmente a Petrobras está sendo escrachada por conta do reajuste promovido nos últimos dias. O coro é de que ela deveria subsidiar o combustível, amenizando o repasse aos consumidores. Eu compreendo a irritação geral, mas também não vejo muito espaço para a empresa alterar esse repasse, visto que os preços internacionais de petróleo estão subindo rapidamente. 

O (A) leitor (a) podem me questionar com a informação de que a empresa teve um lucro bilionário no último trimestre, o que é verdade. E acrescentar que é uma injustiça com os brasileiros a distribuição desses bilhões aos acionistas. Eu responderia que é assim que empresas de capital aberto (que emitem ações) se comportam: elas vendem ações para captar financiamento. Quem compra essas ações (acionistas) espera retorno e lucratividade, caso contrário não compraria esse ativo. A distribuição de parte do lucro para acionistas é uma prática legítima e disseminada em economias de mercado.

Quanto ao subsídio para os brasileiros, a empresa pode realizar essa política, sabendo que terá queda do lucro no curto prazo, com possíveis prejuízos no longo prazo. Foi assim que ocorreu durante a gestão de Dilma. Se essa opção for seguida, eu prefiro que a Petrobras crie um fundo de estabilização do preço da gasolina. Esse fundo poderia ser aplicado em ativos de alta liquidez, como dívida pública, e ser usado para reduzir o preço da gasolina, quando o cenário é de inflação alta, como o atual. Sendo um fundo, ele valorizaria ao longo do tempo, aumentando o tamanho do bolo. Outra vantagem é que ele seria uma fonte de recurso à parte, paralela ao lucro da empresa. Como não criamos esse mecanismo previamente, eis o problema que temos agora - regra na economia: o preço da omissão ou de políticas ruins sempre chega. Pode demorar, mas chegará.

A ideia de reduzir impostos para baixar o preço da gasolina é péssima, por vários ângulos. Vou abordar dois deles. O primeiro é que isso representaria um novo furo no teto do gasto (a velha história do governo gastar mais do que arrecadar). Essa é uma prática que nos colocou na crise fiscal de 2015, e mostra o equívoco de atribuir a irresponsabilidade fiscal apenas aos governos petistas. Também mostra que não é somente o PT que contorce conceitos para fechar as contas, como com as pedaladas fiscais que causaram o impeachment de Dilma (equipe econômica de Bolsonaro inventou PIB privado e PIB público). 

O segundo argumento que coloco é o de que temos 33 milhões de brasileiros na iminência de insuficiência alimentar. Ao invés de auxiliá-los, vamos baratear a gasolina. Not bad at all. Fui questionado por um leitor de que essa crítica que faço é errada, porque ao transferir dinheiro para alguns desses 33 milhões eu estaria fomentando a dependência do indivíduo com o Estado, o que minaria o dinamismo da economia! Então a fome se tornou ferramenta para promover o crescimento da produção. Novamente, not bad at all! (esse parágrafo me deu a ideia de escrever um texto sobre os limites da meritocracia). 

O último fator que a The Economist disse que está se espalhando na América Latina é a polarização política. Esse é muito claro aqui no Brasil. Eu nem o colocaria como elemento explicativo para o enfraquecimento de democracias. Basta que a economia esteja capenga, com desemprego e preços crescentes, que a insatisfação popular irá surgir. Caso ela não seja revertida em período adequado, pode iniciar a degeneração do sistema político. Um grande exemplo disso foi a Alemanha que colocou Hitler no poder. Difícil entender a sua ascensão sem se deter ao contexto econômico caótico do país. 

Aqui é outro ponto que normalmente as pessoas me questionam, afirmando que a economia não é tudo. Concordo com a sentença, mas acho difícil qualquer regime político ter vida prolongada quando a economia patina, com amplo desemprego e queda de renda, e a população não consegue vislumbrar um futuro de melhoras. Olhando para o inverso, quando a economia entrega oportunidades de trabalho e renda crescente, a população tende a aceitar, a fazer vistas grossas para o que ocorre na política. Utilizando outro exemplo para fortalecer meu ponto, lembre que Lula saiu da presidência em 2010 com quase 90% de aprovação. A velha história de entregar emprego e renda.

Por coincidência, estou lendo o livro Origens Econômicas da Ditadura e da Democracia, escrito por Acemoglu e Robinson, os mesmos autores de Por que as Nações Fracassam e O Corredor Estreito. Nele, a explicação do porquê há tantos golpes de Estado e transições de democracias para ditaduras na América Latina se dá, em parte, pela elevada desigualdade de renda. Países muito desiguais fomentam insatisfações populares. Às vezes, as elites desses países conseguem se aliar à classe média e formar apoio para um golpe (terminando de ler o livro irei escrever sua resenha neste espaço). 

Finalmente, como macroeconomista que realiza várias previsões com base em modelos e dados, vejo o cenário internacional como transitório: o aumento dos preços vindo da guerra entre a Ucrânia e a Rússia, a subida da taxa de juros dos EUA e a desorganização nas cadeias de valor tenderão a nos afetar cada vez menos. Esses choques tendem a se dissipar ao longo do tempo. Portanto, as economias latinas poderão se beneficiar com um ambiente externo menos danoso. A questão é se a população irá ter paciência com esse ajuste automático. Outro ponto sensível é se os governos domésticos irão fazer medidas que causarão maiores problemas ainda, anulando o alívio que viria da estabilização dos choques externos.













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