quinta-feira, 18 de agosto de 2022

E se o Banco Central ignorasse o aumento dos preços?

Nos aproximaríamos da Argentina e de nosso passado inflacionário

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Quando os preços começam a subir, como tem sido o caso nos últimos meses, tanto no Brasil quanto no mundo, os bancos centrais reagem subindo as taxas de juros. No nosso país, essa taxa de juros é chamada de Selic. Quando a Selic sobe, ela gera aumentos no custo do crédito por toda a economia. Ao longo dos meses, a aquisição de bens de consumo duráveis, como moradias e carros, se tornam mais onerosos. Consumidores tendem a postergar essas compras. Como o consumo faz parte da demanda, e uma fraca demanda deixa de pressionar os preços, temos uma queda da inflação.

Também podemos olhar para o caso dos empresários. O aumento do custo do crédito afeta suas decisões de ampliar a produção, de elevar o número de trabalhadores. Neste último caso, o desemprego pode se elevar, juntamente com a queda dos salários. A queda do poder de compra se relaciona com a queda dos preços. Veja que o aumento da Selic pode provocar uma recessão

Portanto, ao atingir tanto o consumo quanto o investimento, o aumento da taxa de juros do banco central enfraquece a demanda e, por conseguinte, produz desaceleração dos preços. Essa dinâmica, normalmente, costuma ser dolorosa para a população. A recessão que pode ocorrer, mesmo que transitória, costuma dificultar o ingresso de desempregados no mercado de trabalho. Isso explica, em parte, a baixa popularidade de elevações da taxa de juros.

Claro que há indivíduos que gostam de aumentos da taxa de juros. Como escrevi a um tempo aqui, na economia geralmente temos vencedores e perdedores. Até aqui no texto eu mostrei alguns perdedores com a política do banco central (consumidores, investidores e trabalhadores). Mas há os vencedores. Por exemplo, pessoas que aplicam parte do dinheiro poupado em renda fixa estão auferindo elevados ganhos (por volta de 14%, 15%, 16% ao ano). E parte dos perdedores que eu destaquei pode se misturar com os vencedores.

Um questionamento razoável é o seguinte: se elevar a taxa de juros causa tanto dano e produz muitos perdedores, por que o banco central aplica esse amargo remédio? A resposta é que, no curto prazo, ainda não se descobriu melhor receita para reduzir os preços. Caso o banco central se omitisse de sua tarefa, os preços continuariam a subir, em uma espiral que poderia desencadear em uma hiperinflação - ninguém deseja esse resultado.

Momento abstração! Suponha que o banco central seja leniente com o atual aumento dos preços. Digo mais, imagine que ele escute alguns políticos (do PSOL, por exemplo) e reduza a taxa de juros Selic. Teríamos maior crescimento? Dificilmente. O efeito mais provável seria maciças saídas de capitais aplicados no país, gerando maior desvalorização da taxa de câmbio. Esta desvalorização encareceria ainda mais o preços de importados, como eletrônicos e alimentos. Dada a elevação do risco macroeconômico, o governo enfrentaria maior dificuldade para financiar os seus gastos, tendo de emitir dívida pública com alta taxa de juros - como pagar uma dívida cara se torna cada vez mais difícil, a opção do calote iria cedo ou tarde aparecer. Consequentemente, a crise fiscal se aguçaria. E os preços? Iriam disparar. Esta política nos aproximaria um pouco da nossa sofrida vizinha, a Argentina, vítima de experimentos mal formulados/pensados como o que eu descrevi aqui.

Como o banco central tem elevado a taxa de juros Selic de forma contundente, nos próximos meses observaremos o enfraquecimento dos preços, ainda que este processo seja moroso. Todavia, o custo de não seguir esta receita é altíssimo. As alternativas disponíveis são escassas (jamais considere o congelamento de preços, o qual é outra medida muito ruim, com o carimbo do governo argentino e, para lembrar do nosso triste passado econômico, tem a marca de planos de estabilização fracassados, como o Plano Cruzado de 1986 e o Plano Collor de 1990, os quais congelaram os preços). 

Repare que eu afirmei no quinto parágrafo que a política monetária do banco central de elevar a taxa de juros é a melhor resposta que sabemos para o curto prazo. No longo prazo, é a melhora da infraestrutura, a ampliação da produção, o aprimoramento institucional (reduções da burocracia, de conflitos jurídicos e de impostos distorcivos, otimização da regulação e abertura comercial), a adoção de melhor tecnologia na produção, ou seja, a expansão da oferta é a melhor medida para conviver em um país com preços civilizados. Mas conseguir esse resultado exige coordenação dos partidos políticos e visão de longo prazo, atributos ausentes do cenário político atual. 









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