segunda-feira, 29 de agosto de 2022

O Custo da Desinflação não é Irrelevante

Mas se torna necessário quando os preços ameaçam se descontrolar

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O discurso do presidente do banco central dos EUA, Jerome Powell, assustou os mercados financeiros ao mostrar maior firmeza no comprometimento da instituição em reduzir a taxa de inflação. Talvez o gatilho foi o momento quando afirmou que tanto o mercado de trabalho quanto a economia sofrerão efeitos negativos com a política monetária de subida da taxa de juros. As expectativas são de que menos empregos sejam criados e de que o crescimento da produção (PIB) se desacelere. Com o enfraquecimento da economia, temos a queda na compra de produtos, investimentos sendo postergados e lento aumento da renda da população. Todas essas forças contribuem para que os preços parem de avançar. Nenhuma novidade, como até escrevi recentemente, dizendo que a subida da taxa de juros, no curto prazo, é o melhor que temos para combater alta taxa de inflação. 

Talvez o mercado financeiro ainda nutria a esperança de que os movimentos ascendentes das taxas de juros nos EUA, na Europa, e em outras partes do mundo, como aqui no Brasil, não afetassem o mercado de trabalho e a economia. Quem não se prende a possibilidades praticamente improváveis de se realizarem? Se este foi o caso, a clareza de Powell desmoronou essa ilusão. Dificilmente processos de desinflação canalizados por bancos centrais não respingam sobre a população.

Teoricamente, é possível que o banco central consiga reduzir a taxa de inflação sem prejudicar a economia. Mas cuidado, é apenas teoricamente. Para que isso ocorra, precisamos de uma hipótese fortíssima (beirando o irrealismo) de que todos os agentes que precificam tenham conhecimento do comprometimento do banco central em reduzir os preços, e que confiem no banco (há credibilidade perfeita entre o banco e a população). Desta forma, quando o banco central de fato implementar o aumento da taxa de juros, como empresários, consumidores e investidores entenderam o objetivo do banco, e sabem das consequências desta política sobre os preços, estes se ajustam ao aumento da taxa de juros reduzindo ou não reajustando para cima os preços. Além da informação completa, esses agentes também têm conhecimento de relações macroeconômicas entre juros e preços. Viu? Como eu disse, teoricamente é possível, mas na prática é algo raríssimo de ocorrer. 

Viveremos o mesmo aqui no Brasil. Os seguidos aumentos da taxa de juros Selic pelo banco central irão (ou já estão) afetando a economia e o mercado de trabalho. O aumento da Selic encarece o crédito em toda a economia, tornando oneroso o financiamento de bens e produtos. É um remédio amargo para eliminar o aumento dos preços. A boa notícia é que esta política tem surtido efeito, com a taxa de inflação brasileira se reduzindo (é verdade que parte de sua queda se deve a efeitos estranhos ao banco central, como a desaceleração de preços internacionais, como o do trigo, e à PEC "kamikaze", a que subsidiou combustíveis). 

Esse remédio amargo aplicado pelo banco central, por sua vez, é pouco bem vindo e visto em vários segmentos do país. Eleições se aproximando, e ao invés de apoiar o partido no poder, o banco central sobe a taxa de juros e enfraquece a economia. Uma economia manca não puxa votos (eis uma das explicações do surgimento da PEC "kamikaze"). Portanto, políticos têm enorme interesse em influenciar o comportamento do banco central. Em particular, em meses próximos aos da eleição, eles pressionam para que o banco reduza a taxa de juros, mesmo que isto implique em forte desequilíbrio macroeconômico. O arranjo institucional que concede independência ou autonomia operacional para o banco central não foi uma ideia surgida no vácuo. Foi devidamente por conta dessa pressão dos políticos. 

É claro que os presidentes dos bancos centrais não gritam aos quatro cantos o fato de que estão freando a economia, ou que podem até causar uma recessão. Há o cuidado de não jogar para baixo a confiança das pessoas. Toda economia precisa de confiança. O otimismo se relaciona com mais compras e investimento, gerando caixa para empresas e maior necessidade de contratações. O banco central deseja apenas atingi-la de forma moderada. Powell deixou este cuidado de lado. Aqui no Brasil, o presidente do banco central, Roberto Campos, ainda não apresentou transparência deste tamanho. Talvez não precise. Vamos aguardar.






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