Como Salvar a Argentina?

Políticas econômicas adequadas conseguiriam estancar a sangria argentina

Nessa semana, a Argentina negocia melhores condições com o FMI para receber 7,5 bilhões de dólares de empréstimo. O mesmo FMI prevê que a inflação na Argentina fechará o ano por volta de 120%. Se essa tendência continuar nos próximos meses e anos, o país caminhará para o abismo inflacionário, quando os preços disparam, subindo rapidamente a cada dia - e a moeda passa a valer praticamente nada. Este caminho é o que a Venezuela entrou, e o qual o Brasil conseguiu fugir em 1994, com o Plano Real.

Neste texto discutirei 4 políticas necessárias para que a Argentina volte a se comportar como uma economia normal, isto é, com preços estáveis, baixo risco de não honrar suas dívidas e ambiente macroeconômico controlado. 

Talvez a principal medida seja realizar um ajuste estrutural nas contas públicas. Isso significa que o total arrecadado de receitas tributárias do governo deveria se aproximar do nível total de suas despesas. Quando governos gastam mais do que os seus recursos, estes devem i) emitir dívida para financiar o gasto adicional, ii) criar ou aumentar impostos, ou iii) emitir moeda através do banco central. Uma das razões dos preços crescentes na Argentina é a de que o governo gasta mais do que arrecada, e financia esse gasto adicional com a expansão da quantidade de moeda. O ajuste fiscal deveria reduzir o gasto total, criar regras para o seu crescimento, realizar análises de custo-benefício quanto aos programas públicos, e revisar subsídios. O êxito desse ajuste poderia propiciar confiança para a economia, além de estancar o que é talvez a principal explicação da crescente inflação Argentina.

Para a moeda expandir, o banco central deve aceitar criar nova moeda e colocá-la em circulação na economia. Chegamos, portanto, na segunda recomendação de política econômica: conceder autonomia para o banco central para que ele implemente uma política monetária contracionista, ou seja, subir as taxas de juros. Como o governo argentino tem gasto contínuo, isso representa força adicional sobre a economia, aumentando tanto a demanda quanto os preços. O banco central deve contrabalancear esse efeito, subindo a taxa de juros e encarecendo o crédito. Subsequentes efeitos são a redução da produção, do emprego, e do consumo, em uma palavra, a queda da demanda agregada. É uma medida que causará perda de bem estar na população. Mas um dos problemas básicos da Argentina é que os seus sucessivos governos sempre tentaram (e prometeram) administrar a economia sem causar quaisquer incômodos à população. O resultado é a desorganização de sua macroeconomia. Na economia, sempre paga-se o preço para obter algo. A estabilidade da economia Argentina, se algum dia vier, virá acompanhada de períodos duros. 

O governo pode aliviar essa transição com programas de transferência de renda para a população mais vulnerável, nos moldes do Bolsa Família no Brasil. Neste caso, a forma como o gasto público é distribuído e realizado precisa de revisão: voltamos à primeira política, a de ajustar as contas públicas.

Com essas duas políticas, a inflação da Argentina pararia de se elevar, podendo se estabilizar ao longo do tempo. A terceira recomendação de política é a liberalização comercial e financeira e a liberalização do câmbio. A taxa de câmbio poderia flutuar livremente, sujeita às forças do mercado. Provavelmente, de início o câmbio sofreria forte desvalorização, encarecendo os importados e impondo fardo adicional sobre a população (novamente cito programas de renda para famílias vulneráveis como forma de transição deste cenário). A liberalização financeira se concentraria na permissão de que argentinos possam ter contas e utilizar dólares livremente, sem quaisquer intromissões e constrangimentos do governo. Essa medida poderia elevar o capital disponível para indivíduos e empresas financiarem suas atividades, com taxas de juros mais favoráveis. A liberalização comercial seria para impulsionar a produtividade da economia, com a entrada de multinacionais. A entrada de empresas ajudaria a aumentar a produção e a contratação de desempregados, reduzindo os problemas do ajuste para os argentinos. Mais empresas atuando no mercado ajudam a reduzir os preços, pelo aumento da concorrência. 

A última medida seria a criação de uma nova moeda, assim como o Brasil procedeu durante o Plano Real, com a criação do real. A atual moeda argentina não tem credibilidade, está muito desvalorizada e com memória (inércia) inflacionária altíssima. Caso as medidas anteriores sejam bem sucedidas, nesta fase a Argentina estaria com câmbio razoavelmente estabilizado, contas públicas equilibradas e, portanto, com reservas internacionais suficientes para adotar uma paridade transitória entre a nova moeda e o dólar. Esse último ponto é importantíssimo. Durante o Plano Real, o governo brasileiro impôs a paridade de 1:1 entre o real e o dólar como forma de pressionar a inflação para baixo e elevar a confiança na nova moeda. A Argentina poderia fazer o mesmo, mas de forma transitória, pois tal paridade é inviável em longos períodos, dada a produtividade muito superior de vários países em relação à Argentina (Argentina viveria com seguidos déficits comerciais, importando mais do que exportando, perdendo reserva internacional e podendo sofrer uma crise da moeda). 

Esse conjunto de medidas é o kit básico para economias que funcionam de forma adequada. O Brasil segue em graus variados esse receituário. Uma vez atingido este objetivo, o próximo passo é a realização de várias reformas para modernizar a economia, como as reformas tributária, previdenciária, do funcionalismo público, do gasto público, administrativa, da abertura comercial e financeira, institucional e legislativa. Nós brasileiros estamos nesta fase. A economia brasileira está com ambiente macroeconômico razoavelmente estável, mas não consegue crescer de forma acelerada. Isso se deve à ausência de reformas para tornar o país mais produtivo. A Argentina, uma vez obtido o êxito de estabilizar sua economia, teria de correr nesta direção. O caminho é longo e árduo, mas o resultado valerá a pena. Cabe aos argentinos decidirem fazê-lo.