sábado, 5 de agosto de 2023

Resenha: Poder e Progresso (Daron Acemoglu e Simon Johnson)

Sociedade civil pode alterar evolução tecnológica e reduzir possíveis efeitos colaterais da inteligência artificial

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Daron Acemoglu é um dos principais economistas da atualidade, com vasta produção acadêmica. Este blog tem a resenha de 3 obras: Origens Econômicas da Ditadura e da Democracia (resenha aquiPor que as Nações Fracassam (link aqui) e O Corredor Estreito (aqui). O mais famoso é Por que as nações fracassam, campeão de vendas (mas o meu preferido é O Corredor Estreito, com a apresentação da teoria do corredor). Todos esses 3 livros foram escritos com o seu colaborador James Robinson. Em Poder e Progresso, Acemoglu quebrou essa tradição e escreveu com Simon Johnson. 

Em Poder e Progresso, há uma nítida continuação das discussões dos livros anteriores. Portanto, relações entre democracia, instituições, movimentos sociais e economia estarão presentes. Como acréscimo, o atual livro incorpora o progresso tecnológico, focando na ascensão da inteligência artificial (AI). 

A tese defendida é que o avanço tecnológico, por si só, não gera automaticamente benefícios para toda a população. É preciso que a sociedade pressione para que os desdobramentos da tecnologia incorpore a massa populacional. Caso contrário, as elites irão abocanhar os ganhos econômicos em detrimento do bem estar do restante da sociedade. 

A obra percorre a história para reforçar o seu argumento. A revolução industrial, com início na Inglaterra, no século XVIII, mostrou que sem legislação protegendo direitos trabalhistas e humanos, na ausência de sindicatos e sem competição eleitoral, portanto, sem pressão social para reduzir a desproporção do poder entre proprietários e donos das fábricas e os trabalhadores, o resultado tenderia a prejudicar os últimos.

Como tem sido um dos grandes méritos da trilogia (agora 4 livros) de Acemoglu e coautores, há o esforço em mostrar que o sistema econômico somente funciona dentro de um arcabouço político e institucional. Dependendo da forma como as instituições são construídas e pavimentadas, o sistema econômico não irá entregar o que as teorias padrões preveem. Consequentemente, e esse ponto foi desenvolvido no livro O Corredor Estreito, a sociedade deve se mobilizar para pressionar por mudanças para que tornem as condições da elite, trabalhadores, investidores e proprietários mais equânimes. Sem esse contrapeso, a sociedade se torna desigual e desbalanceada, podendo degenerar em ditaduras. 

Aqui temos pelo menos duas grandes contribuições do livro para a Ciência Econômica. A primeira é a de que o progresso tecnológico e as inovações podem ser modeladas e direcionadas para diferentes fins pela pressão social. Normalmente assume-se que a tecnologia surgiu como de fato deveria ter surgido. Os autores desafiam essa sentença mostrando que a sociedade pode alterar o destino das inovações, tornando-as mais inclusivas e com ganhos difundidos. Exemplos dessa guinada são as tecnologias para gerar energia limpa e o avanço no estudo de medicamentos para o vírus HIV. No passado, praticamente não havia avanço nessas áreas, mas conforme a sociedade se mobilizou, com ampla pressão popular, empresas e governos passaram a direcionar fundos e esforços nesses campos. Desta forma, usando a linguagem técnica, a tecnologia seria endógena, sendo explicada pela pressão social e institucional. Na Ciência Econômica, os fatores que explicam o avanço tecnológico são cientistas, pessoas engajadas em descobertas e investimento em pesquisa e desenvolvimento. Acemoglu e Johnson argumentam que a pressão social pode entrar nessa discussão.

A segunda contribuição é mostrar que o aumento da produtividade não necessariamente se converte em salários crescentes. A teoria padrão diz que a produtividade, ao gerar aumento da produção e da demanda por mais trabalhadores, faria com que as firmas pagassem maiores salários para atrair trabalhadores. Todavia, isso depende de pelo menos 3 condições. A primeira é a ausência de coerção das empresas sobre as pessoas, a segunda é a  competição entre firmas, e a última é que a definição dos salários ocorre muito mais pelas negociações entre empregador e empregado ao invés de serem estabelecidos pelas forças do mercado. Em outras palavras, o ambiente institucional é fundamental para que ganhos de produtividade (advindos de inovações) se traduzam em salários crescentes para trabalhadores. 

Desta forma, para que a inteligência artificial não gere problemas similares aos vistos na Revolução Industrial, a influência das elites deve ser contrabalanceada pelo poder social. A democracia seria o instrumento para avançar nesse equilíbrio. Não por coincidência, atualmente democracias têm perdido força frente aos desafios contemporâneos - simultaneamente com a quebra do link entre produtividade e salários. Os Estados Unidos é um exemplo de país no qual a economia não tem distribuído os ganhos de produtividade para os trabalhadores, especialmente para os de mão de obra de baixa qualificação. Por conseguinte, a desigualdade de renda piorou nas últimas décadas. 

Tecnologia é poder. O avanço tecnológico não visa somente a controlar a natureza, mas também os próprios seres humanos (pense na Revolução Industrial para reforçar esse ponto). O livro chama atenção para as narrativas que suportam de forma irrestrita as quebras de paradigmas geradas pelas tecnologias digitais. Tais narrativas negligenciam, por exemplo, efeitos colaterais, como a crescente polarização política impulsionada pelo Facebook (Meta).

Acemoglu e Johnson afirmam que as tecnologias digitais, colhendo maciça quantidade de dados, utilizando-os sem transparência, e avançando no reconhecimento facial são potenciais riscos para o futuro dos regimes políticos. A China, por exemplo, as utilizam para exacerbar o controle sobre a população. Novamente, o avanço tecnológico nessa direção poderia ter sido alterado. Todavia, na ausência das forças que contrabalançariam esse desdobramento, tecnologias podem evoluir para aumentar o poder de poucos.

No final da obra, há recomendações de reformas e políticas para reequilibrar o jogo. Destacarei algumas: i) reorganização dos trabalhadores, ii) avanço de pautas da sociedade civil, iii) desmembramento das gigantes de tecnologia, iv) subsídios públicos, v) requalificação dos trabalhadores, e vi) fortalecimento da rede de segurança social. Essas reformas culminariam em maior força civil para se opor à forma como as tecnologias estão se desenvolvendo; a pressão seria para distribuir os ganhos econômicos e para reduzir potenciais danos aos trabalhadores. Adicionalmente, governos poderiam auxiliar as pessoas na transição para uma economia mais automatizada, com programas públicos e transferência de renda.

O desmembramento das gigantes de tecnologia envolve os riscos de monopólio e excessiva concentração. O Facebook, por exemplo, eliminou potenciais concorrentes ao comprar o WhatsApp e o Instagram, prometendo que isso não afetaria o mercado - sempre a mesma promessa quando há fusões e aquisições controversas. Concentração excessiva geralmente prejudica os indivíduos. Os atuais problemas rondando o Facebook parecem confirmar esse prognóstico. 

Em resumo, quem leu alguns dos livros anteriores de Acemoglu e companhia já conhece o material: leitura que flui facilmente, argumentos claros, desenvolvimento coerente do tema e conclusões perspicazes. É um dos melhores livros de economia de 2023. 






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