Consumo apresenta armadilhas que podem minar nosso esforço de poupar
Após a leitura de dois livros sobre investimento, O Choque de Culturas: Investimento vs Especulação, de John Bogle, e Investindo em meio a Baixos Retornos Esperados, de Antti Ilmanen, ficou mais claro para mim (já era bem claro) a necessidade de pouparmos para o nosso futuro. Em geral, a poupança de hoje será usada em nossa aposentadoria, para realizar sonhos (comprar a casa própria ou fazer uma viagem marcante), para atingirmos a liberdade financeira, ou reduzir a ansiedade com o futuro e possuir proteção adicional para momentos ruins em nossas vidas.
Uma das maiores dificuldades de poupar é segurar o nosso consumo, a nossa despesa. É realmente difícil não comprar um produto ou pagar por um serviço quando temos renda disponível. Praticamente em todo lugar somos bombardeados com anúncios, fotos e propagandas incentivando a compra de algo, portanto, a realização de um gasto. Momentos de lazer também não conseguem escapar desse bombardeio. Gosta de passar um tempo no instagram? Anúncios irão aparecer por lá. Assistir jogos de futebol? Mais anúncios durante a transmissão. E por aí vai. Portanto, recomendo atenção a essa chuva de anúncios que nos tentam seduzir, comprar bens que, talvez, não necessitamos.
A segunda razão para poupar segue diretamente da primeira: todos esses anúncios (incluindo pessoas de nosso círculo social) relacionam a compra de bens e serviços com felicidade e/ou satisfação/realização pessoal. O (a)s atores (atrizes) de comerciais estão sempre sorrindo - implicitamente a mensagem é de que sentiremos algo do tipo se aceitarmos seguir o exemplo do anúncio. A fórmula é simples: consumo geraria felicidade. De fato, no momento da compra, sentimos um prazer em adquirir o produto. Nesse ponto os anúncios não mentem ou nos enganam. A questão é que essa sensação prazerosa é fugaz, rapidamente nos abandonará - o mecanismo aqui é o mesmo descrito na obra Nação Dopamina. O consumo funcionaria como uma droga estimulante, gerando sensações agradáveis em nosso corpo. Todavia, esse efeito é passageiro. Queremos mais dele. Como o obtemos? Comprando mais produtos. A armadilha é que o produto adicional irá gerar quantidades cada vez menores de prazer - e a nossa renda não cresce nessa velocidade.
O desdobramento dessa armadilha é a terceira razão para poupar. Mostre auto controle. Seja senhor de si. Antes, porém, é recomendável que tenhamos certo nível de conhecimento próprio, sobre o que precisamos, desejamos e almejamos em nossas vidas. Essa avaliação, se honesta, mostrará como já atingimos vários degraus que, no passado, foram cobiçados. Também poderá revelar o que realmente importa para nossas vidas. Círculo muito próximo de pessoas, trabalho ou estudo gratificante, atividades que aliviam o dia a dia, entre outras coisas. Como cada um de nós possui um mundo próprio, particular, a escala de coisas que geram uma vida adequada será diferente. Mas note que provavelmente a compra sucessiva de mercadorias supérfluas não aparecerá nessa lista.
A quarta razão para poupar é questionar por que temos tanta dificuldade em apresentar nível de consumo em patamar inferior à nossa renda. Obviamente que, para os brasileiros que recebem salários muito baixos, esse ponto pode ser abandonado. Como país de renda média, estagnado, com vários problemas econômicos, é esperado que grande parte da população tenha pequeno poder de compra. De toda forma, vale o questionamento de algo que ocorre muitas vezes de forma mecânica: tão logo recebemos uma renda, nosso primeiro intuito e impulso é gastá-la. Por que gastar e não poupar? Quais forças nos empurram naquela direção e não nesta? Caso o desejo de consumo seja crescente, pode ser que tenhamos de nos endividar. Neste caso, estamos despoupando, vivendo fora dos nossos recursos. Outra grande armadilha.
Há 200 mil anos, mesmo o homo sapiens poupava para melhorar o seu futuro. Não havia moeda naquele período, mas o ato de poupar parte do material obtido, e depois usá-lo para melhorar armas, casas e o conforto existia. A introdução da moeda não altera essa dinâmica. O dinheiro apenas agiliza esse processo. Caso o homo sapiens não poupasse, como ele teria melhorado o seu equipamento? Uma madeira mais resistente poderia trocar/substituir/complementar uma lança mais frágil, permitindo que o homo sapiens melhorasse sua caçada.
O quinto incentivo para poupar é adicionar mais uma meta em nossas vidas. Nossa vida é cercada por vários objetivos. Ainda que não tenhamos controle sobre eventos, temos como nos posicionar em meio a eles para enfrentá-los. As principais metas costumam girar em relação ao nosso emprego, parceiros amorosos, amizades, e lazeres. Meta de poupança ajudaria a diversificar êxitos e frustrações (estas últimas sempre ocorrerão). Eu vejo a meta de poupança como uma diversificação do risco de viver. Caso o seu atual emprego não esteja o agradando, você pode estar conseguindo êxito em poupar ou nas suas amizades, o que ajuda a equilibrar nosso bem estar. Nossa trajetória é marcada por vitórias e derrotas. Poupar pode entrar para o time das vitórias.
A última razão é extraída das duas obras de investimento que mencionei anteriormente. Ainda que existam várias estratégias para investir e diferentes ativos financeiros para aplicarmos nosso dinheiro, poupanças crescentes (ou aportes crescentes de capital nos investimentos que você possui) gerarão maiores retornos no longo prazo, superando ótimas estratégias, mas que não conseguem manter o nível de poupança ao longo dos anos. Em outras palavras, mesmo que você decida investir em ativos simplificados e de baixo risco, como o Tesouro Direto, no longo prazo você terá uma quantidade de capital maior se o seu esforço em poupar se mantiver, e até mesmo se elevar, ao longo do tempo.
Eu sei que não é fácil poupar, pois poupar significa abrir mão de um sentimento agradável de adquirir um produto, ao passo que a recompensa por poupar irá demorar para chegar. Há um descasamento temporal entre abdicação e prazer. Poupar significa seguir direção contrária ao mundo no qual há pressa pela gratificação rápida, de curto prazo; poupar se relaciona com a paciência, e a resiliência - é um trabalho de formiguinha.
Poupar pode não permitir que compremos um carro novo e com valor de status. Outra dificuldade ao poupar e não consumir. Todavia, releia a razão dois: a miopia de que consumir irá gerar satisfação e felicidade. Se o consumo é motivado pela busca de status, inserção social e aprovação da sociedade, as probabilidades de que o consumo as fornecerão são baixas! Porque a razão de você precisar do consumo para atingir esses objetivos revela (eu dando um pitaco no mundo da psicologia; em minha defesa, passo horas discutindo psicologia com minha irmã psicóloga, leio livros de psicologia - resenhas estão neste blog - e ouço podcasts sobre temas relacionados - Jordan Peterson está em alta comigo atualmente. Farei resenhas de seus 3 livros neste blog; além do mais, é apenas um pitaco, o (a) leitor (a) irá me dar essa licença) uma pessoa insegura e ávida por atenção. A raiz e solução desse problema não seria interna ("enfrentar os seus demônios"), ao invés de externa (comprar o carro, bens de luxo)?
Finalmente, nós temos de consumir para vivermos. Não estou argumentando que deveríamos eliminar totalmente o consumo. Apenas recomendo atenção para a forma como gastamos e consumimos. Reflexão e avaliação de como vivemos pode ajudar a guiar a forma como consumimos. Não há fórmula mágica na organização de nossas finanças pessoais. Há, entretanto, um resultado satisfatório: ao entendermos nossas necessidades de consumo, podemos organizar nossos gastos para que tenhamos poupança, podendo investi-la, e de bônus iremos compreender mais sobre o que realmente importa para termos uma vida adequada.
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