Crédito pode não responder aos movimentos da taxa de juros
Quando o banco central reduz a taxa de juros, espera-se que o crédito da economia se torne mais barato, atraindo investidores e consumidores. Estes, por sua vez, produziriam e comprariam mais, fomentando a atividade econômica. No final, o resultado seria mais emprego, renda e produção. O impacto da política monetária, no caso, reduzir a taxa de juros, o seu efeito sobre o crédito e por fim na economia, é conhecido como transmissão da política monetária.
Há uma hipótese subjacente na transmissão da política monetária de que tanto o crédito quanto os indivíduos irão responder aos movimentos das taxas de juros. Nem sempre é assim que ocorre. Neste caso, a política monetária não afeta o emprego e a produção porque os canais de transmissão não funcionaram.
Vamos considerar o crédito no Brasil. O crédito total de um país se divide entre crédito privado e crédito público. O crédito privado é fornecido pelo setor privado, com a intermediação de instituições financeiras, como os bancos, para empresas e indivíduos. É a alocação de capital de poupadores para investidores. É uma das válvulas que dinamizam o sistema econômico porque, caso contrário, a economia iria operar com capital ocioso, sem aplicação produtiva.
O crédito público é fornecido pelo governo. No Brasil, bancos públicos, como o Banco do Brasil, a Caixa, e o BNDES realizam esse objetivo. Esse crédito não necessariamente precisa seguir as condições de mercado. Em outras palavras, o governo pode subsidiar a taxa de juros para facilitar o crédito. Também a correspondência entre alocação e eficiência pode não ser muito exata. Pense no caso do crédito privado. Bancos querem aplicar o capital nos melhores projetos, pois tanto o rendimento quanto a possibilidade de fracasso são menores. Na cenário de projeto fracassado, pode ocorrer falência do tomador de empréstimo, prejudicando a solvência do banco, que ficaria sem o seu capital. Desta forma, bancos têm o incentivo de alocar empréstimos para os melhores projetos, observando eficiência e produtividade. O crédito público, por outro lado, não precisa atender a esse requisito.
No Brasil, o mercado de capitais (instituições financeiras emprestando capital) não funciona adequadamente. Consequentemente, bancos públicos foram criados para suprir esse problema. Entretanto, surgiu-se a questão de que a própria existência dos bancos públicos poderia reproduzir o problema da insuficiência de crédito. Se bancos públicos fornecem crédito extremamente subsidiado, como o mercado privado conseguiria competir, fornecendo crédito compatível com baixas taxas de juros? Essa é uma das questões que afligiram o BNDES por muito tempo.
A economia brasileira sofre do problema de racionamento do crédito. Caso o mercado de capitais funcionasse adequadamente, mais crédito seria disponibilizado para todos os brasileiros. Outra forma de entender essa situação é dizer que a transmissão da política monetária do Brasil é imperfeita. Movimentos da taxa de juros pelo banco central não necessariamente irão alterar o crédito disponível de forma substancial. Há pesquisadores que argumentam que para países emergentes e em desenvolvimento a política monetária é melhor representada não pela taxa de juros, mas pela alocação do crédito. A justificativa é que existe racionamento de crédito. Por variados fatores, bancos e outras instituições financeiras optam por fornecer uma quantidade de crédito inferior à ideal (a que ocorreria com os fundamentos econômicos).
O sistema bancário brasileiro é fortemente concentrado, com 5 bancos dominando grande parte do crédito (Itaú, Santander, Bradesco, Banco do Brasil e Caixa). Neste tipo de situação, normalmente o resultado são preços mais altos e menor quantidade de bens para os consumidores. Contextualizando com o mercado de crédito, teríamos taxas de juros maiores e menor crédito disponível. A concentração bancária do país é uma das explicações (mas não a única) do alto patamar da taxa de juros.
Então, podemos chegar a duas conclusões. A primeira é que se desejamos crédito abundantemente fornecido para brasileiros, temos de discutir pontos como a concentração bancária, o nexo imperfeito entre a taxa de juros e o crédito e razões de existir racionamento de crédito. Legislações como a do crédito consignado e melhora do marco de garantias são medidas que ajudam a combater o racionamento de crédito. Em resumo, precisamos entender as razões que levam bancos a ofertarem uma menor quantidade de crédito dadas as condições econômicas.
A segunda é que a gritaria com o banco central, segundo a qual ele deveria reduzir substancialmente a taxa de juros para ajudar a economia a crescer, é exagerada. Lembre-se: política monetária é uma política de curto prazo. No longo prazo, os determinantes do crescimento econômico são outros fatores, como o progresso tecnológico. A principal função do banco central é estabilizar os preços. Além do mais, como argumentei neste texto, a transmissão da política monetária do Brasil é imperfeita; o crédito não responde fortemente a mudanças no patamar da taxa de juros.
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