terça-feira, 5 de setembro de 2023

Amarrar ou não as Mãos dos Formuladores de Política Econômica?

Contexto recente e desafios futuros podem guiar tais decisões

regras flexibilidade banco central


Política monetária é um tópico quente na Ciência Econômica. Por política monetária, me refiro ao comportamento do banco central em alterar a taxa de juros. Sabemos que tais mudanças geram amplas consequências nos mercados financeiros, no setor produtivo, no poder de consumo dos indivíduos e, portanto, em toda a economia. Se olharmos para a política monetária dos Estados Unidos (EUA), a abrangência e alcance da política monetária se torna maior ainda, pois o seu banco central pode afetar toda a economia mundial, em especial países em desenvolvimento e com baixa resiliência financeira (ou com moedas fracas e muito voláteis). 

Uma das questões que vez ou outra aparece é como o banco central deveria se portar: ele poderia ter liberdade de alterar a taxa de juros sem seguir uma regra pré-estabelecida ou deveria se ater a uma regra e segui-la? Portanto, a política monetária deveria ser discricionária ou movida por regras, comprometimento? Atualmente, o Regime de Metas de Inflação (RMI) é um mix de regra com discricionariedade, apesar de pender mais para o lado da regra, pois o banco central brasileiro tem uma meta explícita de taxa de inflação (hoje de 3,25%), devendo mover a taxa de juros Selic para atingi-la. O espaço de discricionariedade é baixo, 1,5% para cima ou para baixo da meta.

Os argumentos tanto para discricionariedade quanto para regras são muito bons! Esse é um dos problemas desse tópico. Por exemplo, quando a economia sofre choques inesperados, como o da Covid-19, faz sentido que o banco central tenha comportamento discricionário, pois ajudaria a amortecer o choque e reduzir o efeito negativo sobre a população. Por outro lado, um banco central discricionário poderia gerar inflação indesejada - podendo culminar na perda de controle da moeda e dos preços, com possível hiperinflação (as tristes histórias que marcam atualmente tanto a Argentina quanto a Venezuela). 

O banco central movido por regras é desejável por reduzir incertezas no futuro. Sabemos a direção que o banco central está olhando. Atualmente, o banco central brasileiro está ponderando a taxa de juros Selic para controlar, reduzir e estabilizar a inflação. Até o momento, suas ações têm sido acertadas - opinião extremamente impopular dependendo do ambiente no qual ela é expressa! Reclamação comum é a de que o patamar da taxa de juros no Brasil é absurdamente alto - escreverei no futuro um texto detalhando esse ponto. O aumento da taxa de juros enfraquece a demanda, em especial o consumo das famílias e o investimento das empresas, fazendo com que a economia desacelere, pressionando empresas a reduzirem os preços, a concederem menores salários nos contratos, e a conterem movimentos expansivos que poderiam gerar reajustes dos preços. Em uma palavra, os preços caem e, portanto, a inflação. Desta forma, a desinflação (reduzir os preços) envolve medidas dolorosas. Por isso a impopularidade no combate à inflação. 

Uma crítica ao banco central movido por regras é a de que ele perde flexibilidade em momentos pontuais. Já citei o exemplo da Covid-19. Outro exemplo poderia ser o aprofundamento da guerra entre a Ucrânia e a Rússia e uma possível crise financeira na China. Essas medidas poderiam significar uma recessão internacional, com efeitos adversos no Brasil. O banco central estaria com pouco espaço para reagir, pois o RMI limita suas ações. Neste caso, um banco central com discricionariedade seria mais adequado. 

O Brasil adotou o RMI em 1999 em virtude do esforço em estabilizar os preços e extirpar a memória de hiperinflação. O RMI foi uma das peças do Plano Real de 1994. Como o banco central brasileiro viveu com enorme discricionariedade desde sua fundação (1964), contribuindo para a hiperinflação dos 1980, o RMI foi uma medida acertada, pois impôs regras a uma instituição que gerava inflação descontrolada. Desta forma, uma forma de entender o RMI, que amarra as mãos do banco central, é perceber que, no passado, a falta de freios gerou problemas maiores do que os que as atuais regras podem gerar

Nessa literatura de discricionariedade e regras, a discussão não se restringe somente à política monetária. A forma como governos se financiam influencia os seus atos futuros. Pense no governo que emite dívida sem indexação, ou seja, a dívida rende somente um valor nominal fixo (taxa de juros seria fixa no momento de emissão). Este governo teria incentivo de não gerar inflação, pois caso contrário ninguém optaria por investir nessa dívida, dado que ela perderia para a inflação (investidores perderiam poder de compra). Mas o outro lado da moeda nos diz que esse mesmo governo teria incentivo de também fazer o contrário, gerar inflação, pois assim reduziria o fardo de pagar essa dívida (pense que, como essa dívida não tem indexação, ela poderia render taxa de juros de 4% ao ano, e o governo jogar a inflação para 10%, facilitando o pagamento dessa dívida, com crescente perda de valor real). Qual das duas situações irá ocorrer?

O Brasil, por exemplo, emite dívida com taxa de juros variável e com indexação pelo IPCA, o índice oficial de inflação. Caso o governo brasileiro emitisse dívida nominal com taxa de juros fixa (digamos de 10% ao ano), você iria comprar esse título? Pense que se o governo gerasse inflação superior a 10% o seu rendimento cairia por terra, ao passo que se a inflação fosse controlada e baixa, por exemplo de 4%, o seu rendimento real seria de 10% - 4% = 6%. O que você optaria por seguir? (Eu não apostaria na dívida com taxa de juros fixa em um país no qual há enorme pressão de políticos - e da população - para que o banco central "ajude" a produção, o emprego e o crescimento econômico).

Em resumo, essa discussão é prolongada, sujeita a diferentes conclusões dependendo dos parâmetros que são colocados. Uma forma de se guiar é considerar o contexto recente do país. Foi assim que o Brasil adotou o RMI em 1999. Também foi assim que a política fiscal brasileira recebeu o Teto do Gasto em 2016: uma tentativa de impor regras e controlar o gasto público, que vinha sendo descontrolado nos últimos anos. Não funcionou. O Teto sofreu vários desrespeitos (furos). Assim, há essa dificuldade adicional: ainda que a regra seja estabelecida, ela está sujeita ao descumprimento.


 








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