domingo, 10 de dezembro de 2023

Cultura e Costumes na Tribo Umuófia

Embora diferentes, a essência é muito parecida com a que temos hoje em dia

livro consumo riqueza


Uma grande amiga nascida em Quênia, hoje morando no Catar, recomendou que eu lesse o livro O Mundo se Despedaça, de Chinua Achebe. Durante a nossa conversa, eu mencionei que autores africanos não são muito conhecidos por aqui no Brasil. Então me aventurei nesta obra, que conta uma estória de uma tribo da Nigéria, na década de 1950, pouco antes da independência do país.

O livro tem vários atrativos, como a cultura e os costumes da Nigéria, o contato dessa tribo com o homem branco, o desenrolar da trama, e o protagonista Okonkwo. Okonkwo ilustra a morte parcelada que podemos ter em nossas vidas - morremos um pouco quando presenciamos ou fazemos algo insólito. É algo similar com o tema central da obra Por Quem os Sinos Dobram, de Ernest Hemingway, a qual mostra o conflito na Espanha entre socialistas e o governo de Franco. Por quem os sinos dobram? Por ninguém, pois em um conflito todos perdem, vidas humanas são desperdiçadas. A terra se torna menor com essas mortes; é como uma ilha que vai perdendo grãos ao longo do tempo. A ideia de Hemingway pode ser usada no conflito entre Israel e Palestinos (ou entre Ucrânia e Rússia): todos perdem. 

Voltando ao livro de Chinua, me chamou a atenção que a tribo Umuófia permite o casamento de um homem com várias mulheres. O próprio protagonista possui 3 esposas, com 10 filhos no total. Ninguém na tribo critica esse costume, tampouco o autor. Todos o consideram algo normal e consolidado. Os guerreiros mais fortes e vencedores de torneios conseguem os melhores casamentos. Por melhor, segundo a obra, é a mulher mais bonita. Também ninguém questiona a acumulação de riqueza: é um objetivo dos homens acumular plantação (em especial de inhame) e construir moradias vastas e opulentas. Implicitamente, os homens dessa tribo desejam se distinguir dos demais por meio do número de esposas que possuem, da riqueza, e dos títulos (nesta tribo, cada homem poderia conseguir até 4 títulos, de acordo com conquistas ao longo da vida). 

Esse desejo de distinção em relação aos pares não tem nada de diferente da sociedade atual em que vivemos. O consumo é uma das principais alavancas para lograr esse objetivo. 

Lembrei do livro Sapiens, de Yuval Noah Harari, quando o autor nos diz que é interessante notar que, para sociedades que nunca tiveram qualquer contato e intercâmbio, a esmagadora maioria delas se edificou com uma estrutura patriarcal: os homens poderiam ter várias mulheres, direitos, posições, enquanto as mulheres usufruíam de reduzida participação. Por que esse foi o resultado quase que global?

Sobre a desigualdade de riqueza, algo aparente para todos, reconhecido, e almejado na tribo nigeriana, ninguém se queixava. Todos tentavam, por outro lado, superar o atual estado e se destacar com a plantação e produção de inhame. Aqui eu lembrei de Friedrich Nietzsche. Nietzsche dizia odiar os socialistas devido ao sentimento de inveja e insatisfação que estes colocaram nas mentes da população mais pobre. Famílias pobres viviam satisfeitas com suas condições materiais, e a aceitavam sem reclamar, reconhecendo a grandiosidade de outros. Esse é o sentimento da tribo de Umuófia. Ninguém tenta derrubar o sistema por conta de alguma injustiça social. O termo social não aparece em nenhum momento ao longo das 300 páginas!

E a pancadaria é quase que irrestrita e liberada. O protagonista Okonkwo resolve sua irritação e educa as pessoas na base da porrada: durante a obra ele surra os seus filhos e mulheres. Ninguém questiona. Nem mesmo os agredidos! Outro ponto: o porte de arma também era liberado, incluindo espingardas. De novo, nenhuma pauta para desarmar a população. E também sem reclamação das mulheres devido ao baixo destaque na sociedade. 

A ausência de reclamação por conta da desigualdade de riqueza, pela inexistência de direitos humanos e pela parca representatividade feminina foi a marca da história mundial até pouco tempo. Essas pautas são relativamente recentes. Eu gosto de ler livros antigos (não é o caso de O Mundo se Despedaça, pois foi escrito em 1958) e de outras regiões para poder comparar costumes e culturas com o que temos hoje, e com a brasileira. O mundo é muito heterogêneo neste quesito. Por exemplo, nas obras Odisseia e Ilíada, escritas antes do ano zero, um dos deuses (fugiu de minha cabeça o seu nome) vem rapidamente para a terra para ter uma relação sexual com uma dama que dormia. Essa passagem foi narrada como um feito, evidenciando a masculinidade e virilidade deste deus - hoje seria um estupro, sem o consentimento da outra parte envolvida. 






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