Harari
narra a história da humanidade e interpreta nossas instituições, valores e
ideias
O livro
Sapiens colocou o seu autor, Yuval Noah Harari, no hall da fama internacional.
Está na lista dos livros mais vendidos do New York Times há várias semanas –
com extrema justiça. E tomo a ousadia de afirmar que esse livro, embora não
tenha a idade de que os livros clássicos possuem, já é um clássico.
A
proposta do livro é descrever a história da humanidade de forma sucinta, desde
os humanos caçadores e coletores até o presente momento. Para isso, Harari
divide a história em 3 partes: revolução cognitiva (iniciada há 70 mil anos),
revolução agrícola (iniciada há 12 mil anos) e mais recentemente a revolução
científica (iniciada há 500 anos). A primeira representou o avanço do ser
humano no domínio de técnicas rudimentares e no ato de pensar e se comunicar. A
segunda o domínio se efetuou sobre algumas espécies de animais e plantas.
Finalmente, a terceira revolução, a qual vivenciamos, são as inúmeras
descobertas científicas e a utilização destas com o intuito de moldar o
ambiente e melhorar as condições de vida.
Acontece
que durante essa narração o autor não se limita apenas em descrever o que
ocorreu, mas realiza sutis inferências, como o fato de não termos desenvolvido,
durante a transição da revolução agrícola para a científica, “um instinto de
cooperação em massa”, fazendo com que os homos sapiens se digladiem objetivando
alcançar maior poder e domínio sobre os demais humanos.
Harari
aponta o conflito de ideias entre a busca da igualdade concomitantemente com a
busca de maior liberdade individual, tópico deflagrado desde a revolução
francesa de 1789 e ainda não solucionado – e sem previsão de solução no futuro
próximo. Para ele, são dois objetivos intrinsecamente distintos e, portanto,
inconciliáveis: maior liberdade fere a igualdade, e maior igualdade reduz,
necessariamente, a liberdade.
Talvez o
ponto mais forte do livro seja sua teoria sobre os mitos. A história da
humanidade é permeada por 3 mitos, sendo difundidos na ordem monetária, ordem
política e ordem religiosa. A inter-relação e a conexão entre essas ordens
cristaliza a ordem social e civil contemporânea. Destaque para a ordem
monetária, fundamentada no dinheiro e nas suas ramificações, predominantemente
na relação de credor e devedor.
De
acordo com Harari, o dinheiro é um mito, algo que existe apenas porque
acreditamos que exista – depende de nossa confiança, principalmente sobre o
futuro. Nos eventos nos quais o público perde a confiança sobre determinada
moeda, a ordem econômica se desequilibra, mostra e evidencia sua fragilidade.
Portanto, é fundamental que a humanidade acredite no poder do dinheiro, e
justifique, por meio dessa crença, todo o aparato criado para sustentar as
engrenagens econômicas em funcionamento.
Outro
ponto relevante é a argumentação de que a história é a união e o resultado de
eventos circunstanciais e casuais – talvez até aleatórios. Não há uma
programação sobre a ordem dos acontecimentos, pois a “história não pode ser
explicada de forma determinista e não pode ser prevista porque é caótica”.
Mostra a insignificância de tentarmos colocar algum objetivo de ordem elevada
na vida humana, pois “de um ponto de vista puramente científico, a vida humana
não tem sentido algum” – daí a importância dos mitos para moldar a sociedade.
Por fim, Harari se posiciona sobre questões atuais como o consumismo e a
destruição ambiental: “estamos destruindo os outros animais e o ecossistema à
nossa volta, visando a não muito mais do que nosso próprio conforto e
divertimento, mas jamais encontrando satisfação”.
O livro
termina com uma pitada um pouco pessimista, uma vez que o design inteligente,
na medida em que pode alterar a genética dos indivíduos, pode inclusive
pré-programar as características de cada pessoa ao nascer. Um super-homem, mais
inteligente, mais resistente, mais forte – desde que assim os genes sejam
programados – pode colocar um fim ao homo sapiens e dar origem a uma nova era.
Também há considerações sobre a possível emergência de humanos amortais – não
imortal, porque os amortais podem morrer por acidentes, mas não por envelhecimento,
pois estruturas moleculares poderiam ser criadas para evitar o envelhecimento
do corpo. Todas essas alternativas implicariam em fortíssimas modificações nas
instituições e valores vigentes; um mundo sem precedentes pode ser o nosso
futuro, seja para o bem ou para o mal.
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