Sabemos julgar e prever situações e o futuro de forma precisa? Ou mesmo de forma razoável?
Esse é o último texto que escreverei esse ano, uma resenha do livro Noise (Ruído em português), o qual terminei de ler hoje mesmo - também sendo a última leitura desse ano. Do dia 24 até o dia 3 de janeiro ficarei sem escrever nesse espaço. Um breve descanso para enfrentar o próximo ano - no meu caso, um ano promissor, visto que será o último de minha jornada como aluno de doutorado em teoria econômica na USP.
Sobre o livro, ele foi escrito por autores de peso, como Daniel Kahneman, prêmio Nobel de Economia em 2002, famoso por sua obra Rápido e Devagar, Cass Sunstein, coautor do excelente livro Nudge, escrito conjuntamente com outro prêmio Nobel de economia, Richard Thaler. Noise é mais uma contribuição para um dos mais promissores campos da economia, a economia comportamental, a que relaciona conceitos de psicologia para compreender tomadas de decisões individuais. É uma crítica frontal ao homo economicus, forma como economistas (incluindo eu) tratam os seres humanos em modelos e teorias.
Essa breve introdução mostra uma das maiores dificuldades do livro: superar as altas expectativas provenientes dos livros anteriores. Essa questão ocorreu com Acemoglu e Robinson no livro O Corredor Estreito, obra muito boa, mas que não conseguiu se desvencilhar do sucesso Por que as Nações Fracassam. Noise é um livro bom, mas não consegue atingir o padrão de Rápido e Devagar e Nudge, o que pode gerar uma sensação de fracasso. Mas adianto que não é o caso. Ocorre que a base de comparação é elevadíssima. Um livro do calibre de Rápido e Devagar é algo que demora para ser criado. Demanda anos de pesquisa e esforço.
Noise se propõe a mostrar como erramos em nossas decisões. Para isso, utiliza dois conceitos estatísticos: viés e ruído (noise). Viés ocorreria quando previsões ou julgamentos sempre tendem para um mesmo resultado. Pense no sujeito excessivamente otimista. Ele tem um viés para o resultado positivo, o que inerentemente irá gerar erros de previsão. O ruído, por outro lado, embora não precise apresentar viés, é a dispersão dos resultados. A figura abaixo, extraída do livro, ajuda a compreender essa diferença.
Veja que os times (teams) B e D tem claros padrões de vieses. Os xs estão muito mais voltados para o lado esquerdo dos círculos. O ruído ocorre no time C. Esse time não tem viés, ou o tem em escala muito baixa, mas apresenta alta dispersão. Na verdade, volte e olhe novamente para o time D. Além do viés, ele também apresenta ruído, pois os seus xs se espalham. Os autores mostram ao longo do livro que esse "espalhar" nas previsões e julgamentos pode acarretar erros significativos.
O livro é rico em exemplos para fortalecer essa hipótese. Os casos mais marcantes são os de juízes de justiça. Estes apresentam enormes ruídos para casos muito semelhantes. Em outras palavras, réus sendo julgados pelos mesmos casos, mas por juízes diferentes, apresentam sentenças muito desiguais. Parece justo?
Muitos trabalhos detectam que as sentenças desses juízos variam conforme o humor, o clima, a fadiga, e mesmo se o time de coração venceu no dia anterior! (nesse último caso, juízes tendem a ser mais lenientes e concedem penas mais brandas). Nesse caso o livro solta sua principal sentença: "onde quer que haja julgamento, há ruído - e mais do que você pensa" (no original: wherever there is judgment, there is noise - and more of it than you think).
Outra parte forte da obra são as possíveis explicações para a existência desses ruídos. Uma delas é o conceito de ignorância objetiva. Esse termo nos diz que há eventos, talvez a maioria deles, que são simplesmente imprevisíveis. Não temos tanto controle assim sobre o que ocorre ou o que ocorrerá. Há informações que não conseguimos coletar, e se coletamos, não sabemos utilizá-la. Ou mesmo não há conexão alguma entre as informações! Analistas tentam prever a economia daqui há 10 anos. Mas nesse período há tantos fatores desconhecidos e imprevisíveis, que tal previsão se torna um mero palpite. Eles possuem ignorância objetiva.
Tentamos construir narrativas que fazem sentido em um mundo difícil de ser compreendido. Há quem diga que fazemos isso para termos uma falsa noção de controle sobre as coisas e gerar uma sensação de tranquilidade em nossas mentes. Tecemos inúmeras causalidades quando na verdade estas não existem. Confundimos correlação com causalidade. O coeficiente comum são inúmeros erros.
Kahneman, Sibony e Sunstein fornecem dicas para empresas, profissionais e até mesmo cidadãos comuns lidarem com erros e ruídos. Podemos seguir diretrizes, avaliações independentes, usar algoritmos, regras e processos para minimizar possíveis erros. No caso de juízes dando sentenças diferentes para casos iguais, caso diretrizes fossem dadas para cada juiz, informando sobre a média de sentenças, o ruído poderia ser reduzido, pois eles teriam uma referência, uma âncora para balizarem suas decisões.
Avaliações independentes ajudam a evitar nossa tendência de manada, de seguir a opinião de outros (em grupos, geralmente o primeiro a falar tende a gerar o resultado final desse grupo). Uma forma de reduzir esse problema é colocar diferentes pessoas para julgar casos e situações, mas que estas não compartilhem suas opiniões. Apenas as apresentem no final.
Algoritmos não colocam sentimentos e emoções nas análises, o que reduz o erro humano. Entretanto, algoritmos também podem errar. O livro mostra que modelos matemáticos e algoritmos, embora errem também, são mais precisos em suas decisões e previsões. Conclusão que pode incomodar pessoas aversas ao avanço da tecnologia.
Em resumo, o livro é muito bom naquilo que ele se propôs a fazer. Contudo, o seu foco é limitado se comparado aos livros Rápido e Devagar e Nudge. As 350 páginas da obra me pareceram um pouco demais, visto que a discussão parece repetitiva às vezes. E como eu disse, o sucesso dos livros anteriores pode ofuscar este livro. Caso essas ressalvas não atrapalhem, o leitor terá uma livro que contribui para o avanço da economia comportamental e que joga dúvidas sobre algumas instituições, como a discricionariedade de juízes ao decidir casos. Por fim, Noise mostra como pouco sabemos do mundo no qual vivemos. Inclusive e principalmente do seu futuro.
Boas festas e feliz ano novo!
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