Além das reformas, precisamos melhorar a interpretação sobre o funcionamento do mercado
Este artigo encerra a série de reformas que colocaria a economia brasileira em rápida expansão do produto acompanhada de melhora na desigualdade de renda e do emprego. Nas últimas 9 semanas descrevi 9 reformas que teriam o potencial de atingir esse objetivo. A alteração que defenderei hoje é, na minha opinião, a mais difícil de ser aplicada: mudar a cultura econômica.
A primeira mudança seria na forma como empresários são interpretados por alguns círculos. Empresários não são exploradores, eles fornecem bens e serviços e geram empregos para a população. Talvez os episódios lamentáveis da Revolução Industrial, quando empresários dispensavam tratamento imoral e desumano aos trabalhadores, tenha deturpado a forma de vê-los. No século XVIII, sem instituições necessárias para equilibrar o poder e a influência de empresários, estes de fato se comportaram como exploradores. Mas esse quadro se modificou ao longo das décadas por vários motivos. Hoje, trabalhadores contam com agências e órgãos que os empoderam. Toda sociedade funcional necessita de empresários que consigam perceber oportunidades de lucro, de tal forma que forneçam serviços para a população.
Os trabalhadores, por sua vez, não desempenham papel passivo. Não são os mocinhos e ingênuos entre conflitos no mercado de trabalho. Como indivíduos, buscam melhorar suas posições constantemente, combinando esforço com o rendimento que será obtido. Como empresários que visam o maior lucro possível, trabalhadores almejam o maior salário possível - e agem de forma correta ao proceder dessa forma. Excesso de poder para os trabalhadores é danoso para a sociedade, pois estes, como há inúmeros registros ao longo da história, se aproveitam desses momentos para extrair renda das empresas nas quais atuavam. Parte desse processo ocorreu com o intermédio de fortes sindicatos - cuidado, isso não quer dizer que sindicatos sejam necessariamente ruins. Como disse anteriormente, trabalhadores precisam de instituições que os fortaleçam, sendo os sindicatos uma delas, o problema surge quando há desequilíbrio nesse jogo de poder. Veja que o balanço ideal entre poder concedido para os trabalhadores e para empresários é algo sutil e difícil de ser especificado. Não há uma regra para isso. Esse equilíbrio ocorre por tentativas e erros. Acemoglu e Robinson escreveram excelente livro explicando esse jogo de poder: O Corredor Estreito.
Buscar o lucro não é motivo mesquinho e tampouco torna o indivíduo menos virtuoso por fazer isso. O lucro é um dos principais preços de qualquer sistema de mercado, funcionando como guia para empresários realizarem investimentos. Quando há oportunidades lucrativas, várias pessoas tentarão explorá-la, sendo que muitos não conseguirão realizar o objetivo (probabilidade de uma nova empresa quebrar nos primeiros anos é de mais ou menos 50%). Faz parte de nossa cultura julgar o lucro como algo imoral. Já viu algum empresário afirmando publicamente que pretende obter o maior lucro possível? Provavelmente não. Analogamente como ocorre com o lucro, trabalhadores buscam o maior salário, sendo menos discriminados por agirem dessa forma. O mesmo pode ser dito sobre os consumidores, os quais perseguem os menores preços, equilibrando essa busca com uma qualidade razoável do produto. Em resumo: empresários buscam o maior lucro, trabalhadores o maior salário e consumidores os menores preços. São agentes seguindo os incentivos (preços) do mercado. O mercado consegue entregar bens e serviços por causa, em maior parte, a esse sistema que harmoniza o comportamento de milhões de indivíduos envolvidos, sem necessitar de uma instituição central dizendo o que devem fazer (aproveitando a brecha para criticar o regime cubano).
Outro ponto que gostaria de chamar a atenção é que também não há nada de errado com pessoas que investem suas poupanças e conseguem rendimentos adicionais. Termos como parasitas, exploradores, aproveitadores e especuladores não condizem com esse ato. Sempre que um indivíduo ou empresa aplica o seu capital, este está emprestando-o para outros que o irão utilizá-lo de forma a expandir a produção de bens e serviços e gerar emprego. É a canalização de recursos de poupadores para os produtores. Economias seriam menos dinâmicas se não existisse essa intermediação. É um preconceito apontar o dedo e criticar esse tipo de conduta. Ademais, aplicações financeiras diversificam o risco de colocar todo o capital apenas em um lugar, além de fornecer ganhos adicionais para melhorar o bem estar do indivíduo.
A última observação é relativa à percepção que muitos têm de que os recursos públicos surgem do nada, do vácuo. Pelo contrário, todo recurso público decorre da extração de renda da população, seja por meio de impostos ou de inflação. O aumento do gasto público de hoje será acompanhado por maior tributação no futuro. Não há como escapar do fato de que recursos fiscais são finitos (escassos). Não gostamos de sofrer restrições às nossas ambições e desejos, mas não há escapatória para essa relação. Caso o governo decida gastar mais no presente, aumentará o endividamento público, e este deverá ser pago no futuro com maior tributação e/ou corte nos gastos públicos. Desta forma, melhor seria se sempre pensássemos que para todo gasto há de se ter contrapartidas na tributação. O mesmo é válido para subsídios incentivando a indústria nacional que nunca engata. Estes subsídios são renúncias de receitas fiscais, portanto, o governo deverá compensar essa renúncia com aumentos de impostos, dívida ou inflação.
Essa mudança na forma de enxergar o funcionamento do mercado seria benéfica tanto por incentivar mais brasileiros a se tornarem empresários quanto a políticos, por não se sentirem impelidos a criar leis que prejudiquem os empresários, ou que tentem dizer a estes como operar suas próprias empresas. Dentro dos limites da lei, empresários têm ampla liberdade para conduzir os seus negócios.
Os demais pontos que discuti ajudariam a tornar a economia brasileira mais dinâmica, elevando o nível da poupança e os recursos disponíveis para empresas que desejam se endividar para incrementar sua produção. Entretanto, acredito que essa reversão na forma de entender a economia auxiliaria a aprovar e aplicar as 9 reformas que discuti nas últimas semanas. Tome por exemplo a reforma da previdência. Durante sua discussão, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) argumentou que essa reforma era uma forma de "acabar com a aposentadoria da população". Sem essa reforma, os recursos públicos estariam destinados a minguarem em poucos anos (equívoco de pensar que recurso público é ilimitado). Também há a incompreensão de que brasileiros não ricos podem aplicar suas poupanças de forma a terem melhores rendimentos (não é parasita quem age dessa maneira). A reforma foi aprovada e o sistema previdenciário não eliminou a aposentadoria da população. O tipo de mudança cultural concernente ao mercado reduziria esse tipo de apelo contra reformas que pudessem melhorar o país.
Aos interessados, as 9 reformas dessa série foram:
4) reforma no mercado de trabalho
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