Livro reescreve pontos críticos da história econômica brasileira
Tomei conhecimento desse livro quando estava lendo uma das colunas de domingo assinadas por Samuel Pessoa. Segundo este, Erros do Passado, Soluções para o Futuro deveria ser incluído nos cursos de graduação de Economia, especificamente na disciplina História Econômica do Brasil. Uma das razões é a de que Pastore combate diversos mitos e equívocos passados e repassados na discussão de economia. Alguns desses tropeços são até propagados nessa disciplina. Com rigor técnico, metodológico e ampla utilização de ferramentas econométricas, o livro de fato tem potencial para contribuir para a formação de economistas.
Cada capítulo é dedicado a uma hipótese, a qual é trabalhada durante o seu desenvolvimento. O padrão é uma contextualização da época mundial e nacional, discussão de trabalhos e pensamentos, e finalmente o autor mostra o estudo que embaçará sua conclusão. Muitas vezes é o próprio Pastore quem realizou o exercício matemático. Em outras oportunidades, pegará emprestado resultados de outros autores. O livro é uma reescrita de pontos críticos da história econômica brasileira.
No início temos o debate entre o pensamento da Cepal, o qual argumentava que o setor agrícola não respondia de forma significativa a mudanças de preços, e o contraste com a linha de raciocínio de que este setor precisava de ganhos de produtividade, os quais disseminariam por toda a economia, liberando mão de obra para o núcleos urbanos - com ganhos de produtividade, uma vez que nestas localidades a utilização de capital por trabalhador era mais intensa. Pastore mostra como o setor agrícola evoluiu com ganhos de produtividade, advindos principalmente por inovações biológicas.
Em seguida temos capítulos destinados aos problemas crônicos do Brasil: hiperinflação, dívida externa e interna, e finalmente a década perdida de 1980. A respeito da inflação fora de controle, o autor não atribui a maior responsabilidade à indexação, mas à passividade da política monetária na gestão dos preços. Na ausência de uma âncora nominal (instrumento pelo qual o banco central controla os preços), a inércia inflacionária se transformou em uma inflação inercial. É mostrada a confusão que isso gerou, com os vários planos heterodoxos de estabilização, todos fracassados, mirando apenas o componente inercial, relegando o papel da política monetária em segundo plano. Somente quando foi criada a âncora nominal, com o Plano Real, em 1994, que o problema inflacionário foi resolvido.
O período do milagre brasileiro (1968-1973) e o II PND são considerados como pontos centrais para compreender a década perdida. Esses eventos aprofundaram distorções na economia, como a ampla utilização de estatais para promover o crescimento, concessão indiscriminada de subsídios para empresas pouco eficientes e protecionismo para a indústria "nascente". A consubstanciação desses fatores preparou o terreno para a desaceleração do crescimento, o qual ainda hoje lutamos para reverter.
Pastore também entra no debate da utilização da taxa de câmbio para promover o crescimento. Há quem considere o câmbio como o principal elemento para promover a economia brasileira, realizando a transição de uma economia emergente para uma desenvolvida. Talvez por conta do enraizamento desse pensamento, bem como sua difusão em vários círculos do país, fizeram com que o livro dedicasse grande número de páginas para a revisão de trabalhos relativos ao tópico. A conclusão é a de que o "câmbio é um instrumento inadequado para promover o crescimento". Embora um câmbio equilibrado seja favorável ao comércio internacional, ele é apenas mais um dos fatores que explicam trajetórias de sucesso. O principal elemento consiste no ambiente macroeconômico, as instituições econômicas e políticas, o respeito aos contratos, à propriedade privada, à redução de distorções. É realmente difícil sustentar a hipótese de que apenas um câmbio desvalorizado impulsionaria o país de forma a superar todos esses obstáculos.
A última discussão é sobre o nosso "eterno problema fiscal". A Constituição de 1988 é criticada por ter criado várias despesas sem especificar como elas seriam financiadas. A partir de sua promulgação, os gastos primários cresceram a uma média de 6% ao ano, cifra insustentável no longo prazo. Adicionalmente, principalmente após o segundo mandado de Lula como presidente (2007-2010), o desrespeito aos fundamentos econômicos ganhou força, como o i) não cumprimento de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, ii) o sonho de criar "campeões nacionais", colocando o BNDES como fonte de financiamento, iii) pedaladas fiscais, iv) Lei do Petróleo, tornando a Petrobras a grande investidora do Pré-Sal, v) aumento das renúncias fiscais. Tentou-se simular o mesmo modelo de crescimento usado no passado, tornando o país auto suficiente, quando a economia mundial caminhava para a integração das cadeias de valor.
Para entender essa piora das contas públicas, Pastore argumenta que tivemos um enfraquecimento das instituições políticas, como a proliferação de partidos políticos, a ausência de vigilância dos Tribunais de Contas, a criação da reeleição presidencial, e regras frouxas para especificar o financiamento empresarial em eleições (durante o governo de FHC). Consequentemente, tivemos o fortalecimento (ou ascensão) do "capitalismo de compadres", aquele no qual o setor privado utiliza o setor público para extrair renda da população.
A forma de superar todos esses problemas é a mesma que tenho defendido nesse espaço, assim como por Gustavo Franco, Marcos Mendes, Edmar Bacha, Pedro Malan, Felipe Salto, entre outros: a realização de reformas. Entretanto, as reformas econômicas, na visão do autor, somente serão construídas quando as instituições políticas forem aprimoradas, com a redução do número de partidos e com um sistema eleitoral mais participativo. Infelizmente faltou desenvolver e descrever os passos para que a população tivesse maior voz ativa no sistema eleitoral - algo parecido foi elaborado para a redução dos partidos.
Gostei muito da leitura da obra porque ela questiona várias questões de nossa história econômica, e ao contrário dos livros que tive contato quando era aluno de graduação, Pastore utiliza métodos mais rigorosos de pesquisa. Por outro lado, como esse é um livro para o público em geral, o rigor técnico pode afastar leitores leigos em Economia. Eu não consideraria essa crítica caso o livro tivesse sido destinado apenas para a comunidade científica. Como esse não é o caso, penso que é um ponto negativo. A utilização de econometria, gráficos e tabelas limita o alcance do público.
Para finalizar, realmente espero que essa obra entre nos cursos de graduação de Economia; que possa contrastar velhas ideias com novas pesquisas acadêmicas, contribuindo para entender as raízes de nossos problemas econômicos e a dificuldade de superá-los.
Nenhum comentário:
Postar um comentário