Autores tentam explicar o surgimento e a sobrevivência de governos populistas
A América Latina é região conhecida por desequilíbrios macroeconômicos, com graves crises de balanço de pagamentos e períodos de hiperinflação. Atualmente temos a Venezuela, em maior grau, e a Argentina, em magnitude menor, para comprovar a fama dos latinos. Por trás do ambiente caótico há diversos governos populistas, os quais podem ajudar a entender esses episódios de crise. Esse é o objetivo do livro A Macroeconomia do Populismo na América Latina (The Macroeconomics of Populism in Latin America, no original) coleção de artigos organizada por Rudiger Dornbusch e Sebastian Edwards.
Uma das vantagens do livro é a precisão na definição de conceitos. Omissão particularmente prejudicial em discussões políticas e econômicas. A denominação populista geralmente abarca várias coisas no noticiário jornalístico. Os autores resolvem esse problema afirmando que populismo econômico "is an approach to economics that emphasizes growth and income redistribution and deemphasizes the risks of inflation and deficit finance, external constraints, and the reaction of economic agents to aggressive nonmarket policies". Dessa forma, populismo (econômico) é a busca de crescimento econômico com redistribuição de renda ignorando restrições financeiras. Nesse discurso também costumam aparecer a ênfase em ajudar os mais pobres e críticas direcionadas ao setor financeiro e às grandes empresas (os quais por vezes sofrem encampações, isto é, são estatizadas), tidos como agentes que trabalham em proveito próprio, contra o bem nacional - se limitam apenas à busca do lucro.
Parte do livro discute as raízes dos movimentos populistas. Por que a América Latina é solo tão fértil para esse tipo de política? Não há consenso entre os autores, todavia, possíveis explanações são levantadas, como a elevada desigualdade de renda, criando tensões entre a população e permitindo a ascensão de figuras carismáticas prometendo alterar - de forma rápida e abrupta - o cenário atual. Outra tentativa de resposta é o quadro institucional. Nesse caso, um sistema político fragmentado, com fracas lideranças e pouca representatividade pode gerar um líder que tentará buscar o apoio de diferentes frentes para se manter no poder. No livro, o exemplo dado é o de Getúlio Vargas, que ora afagava os industriais, ora concedia benesses para os trabalhadores.
Uma terceira sugestão é o desconhecimento das leis econômicas, primordialmente as relações sobre restrições fiscais e cambiais. Políticas como o congelamento de preços, vasta criação de estatais e leis interferindo o funcionamento do setor privado entrariam no cômputo desse fator - a dificuldade dessa explicação é entender porque erros sistemáticos são realizados, parecendo não existir aprendizado com experiências malsucedidas. Nesse caso, talvez a ideologia possa ajudar a entender o processo. O quarto fator seria um elevado fator de desconto, ou seja, políticos preocupariam com os benefícios de curto prazo, expandindo os gastos e o crédito, mesmo sabendo que isso acarretaria problemas no longo prazo, mas o fardo de ajustar a economia poderia cair nos ombros de outros - tivemos algo próximo na década de 1950 com Juscelino Kubitschek (sobre isso textos aqui e aqui).
Ponto importante do livro são os dados mostrando as camadas da população que mais sofrem com as experiências populistas: os mais pobres, justamente os que eram, no início do governo, os agentes visados para serem os mais beneficiados. Isso apenas reforça o fato de que a deterioração do ambiente macroeconômico impacta mais adversamente os pobres, as camadas desprotegidas da população. Veja uma amostra dese fato no gráfico abaixo, o qual retrata o salário real argentino entre os anos 1973 e 1976. Depois de bater um pico de 150, ele cai, ao final da experiência populista, para 50, valor inferior ao do início da série (que era de algo próximo a 100).
Observação digna de nota é a de que os populistas, apesar do discurso de auxiliar os mais pobres, de fato não os beneficia. Basta questionar quem são os mais pobres. Não são os trabalhadores formais, pois apesar de baixas remunerações, contam com direitos sociais e serviços públicos. É a mão de obra informal e o setor rural a parcela com menor rendimento na América Latina, a qual é ignorada reiteradamente pelos populistas. Tome por exemplo a política de renda de valorizar o salário mínimo, justificada sob o pilar de que ela ajudaria os mais pobres. Setor informal o recebe? E o setor rural?
Além de Dornbusch, há outros economistas famosos que participam com textos no livro, como Alberto Alesina, Calvo, Ocampo, Harberger e Urrutia. Uma coleção de bons valores e profissionais. O leitor passará a conhecer melhor o continente latino, pois episódios no México, Colômbia, Argentina, Brasil, Chile, Nicarágua e Peru são descritos e analisados com alto rigor técnico. No final de cada capítulo, há ainda comentários de outros autores criticando e sugerindo outros pontos de vista e de interpretação. Livro imperdível para se conhecer a política econômica da América Latina.
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