sexta-feira, 10 de julho de 2020

Resenha: História da Riqueza no Brasil: Cinco Séculos de Pessoas, Costumes e Governos (Jorge Caldeira)

Mais de 500 anos de Brasil são descritos e analisados por Jorge Caldeira

jorge caldeira


Livros que se propõem a descrever eventos complexos, envolvendo séculos de tempo, geralmente chamam a atenção dos leitores. Quando o tópico é a história econômica e política do Brasil, a missão se torna ainda mais difícil, pois desde o seu "descobrimento" pelos europeus até os dias atuais, a formação do Brasil não foi linear, envolveu vários eventos de difícil entendimento, tanto pela diversidade de indivíduos envolvidos quanto pelo choque entre culturas. Em História da riqueza no Brasil: cinco séculos de pessoas, costumes e governos, Jorge Caldeira conseguiu superar dificuldades e apresenta um livro com potencial de fornecer novas direções para a compreensão da história brasileira.

O livro é dividido em 4 partes. Vou passar rapidamente em cada parte sem maiores detalhes, dado o espaço da resenha. Na primeira, que vai de 1500 a 1808, Caldeira derruba a percepção de que a economia brasileira era de subsistência, pelo contrário, e principalmente no tocante à tribo Tupi, era uma economia que gerava excedentes, trocando-os por produtos europeus, notadamente armas. O governo central implementado pelos portugueses se preocupava apenas em retirar recursos, transferindo-os para a metrópole. Os governos locais, todavia, eram os que representavam a população, com eleições e trocas de representantes. E temos nesse período dois grandes novos insights: o primeiro nos diz que economia brasileira era dinâmica, chegando a crescer mais rápido do que a portuguesa em determinados períodos, o outro de que é falsa a percepção de que a maioria dos portugueses chegava ao país para acumular riqueza e, posteriormente, retornar ao país de origem. Os dados mostram que é uma minoria que se comportava desse jeito. A maior parte dos portugueses se mudou para formar família e acumular riqueza

A segunda parte engloba 1808-1889, período dos governos imperiais de D. Pedro I e II e da abolição da escravidão. Em comparação com o período anterior, este foi de estagnação da economia brasileira, com a centralização do poder na figura do Imperador. Foi quando vimos o Poder Moderador, aquele que concedia poderes arbitrários para o imperador, sem que este fosse responsabilizado por suas ações. Ele podia, como de fato fez, fechar o Congresso e promulgar uma Constituição escrita por ele próprio. Enquanto as nações do Ocidente testemunhavam a ascensão de democracias e de um capitalismo dinâmico, o Brasil recuava nessas áreas.

O atraso brasileiro foi em parte superado na terceira parte, entre 1889 e 1930. Vivíamos em uma república, embora o povo ainda não participasse da escolha dos seus representantes. Era o tempo da política dos governadores, quando o presidente do país era escolhido pelos principais elementos das oligarquias de São Paulo e de Minas Gerais. A economia cresceu de forma significativa, compensando parcialmente a estagnação anterior. Vale notar que o caráter de economia informal ainda predominava a cena: o mercado interno brasileiro era o principal motor do crescimento da economia nacional, com o empreendedorismo dos habitantes dos sertões - os quais viviam fora do alcance da lei. O café era o principal produto exportado, com o Brasil sendo o principal produtor mundial (responsável por aproximadamente 70% da oferta). Pelo esquema de estocagem das safras, financiado por bancos estrangeiros, com o intermédio do governo paulista (era o que ficava com as dívidas) e a garantia do governo federal, os preços foram mantidos elevados, gerando receita para os exportadores, o que contribuiu para o início da industrialização

A última parte (1930-2017) incorpora a ditadura de Getúlio Vargas, a construção da capital Brasília, o regime militar, a redemocratização e a paralisia da economia em meio ao contexto da globalização comercial e financeira. Um período de elevadas expectativas com a economia, mas que foram frustradas com várias crises, como os episódios de crônico endividamento externo, hiperinflação e a atual crise fiscal, consubstanciando em um crescimento lento. Parte desse resultado se deve ao crescimento do setor estatal ineficiente, o qual passou de 12 estatais em 1964, para atingir a marca de 440 estatais na década de 1980. Ao mesmo tempo o governo federal concedia subsídios para setores pouco competitivos e fechava a economia para os fluxos comerciais. Perdemos a onda da globalização. 

Enquanto o livro é uma ótica descrição da história do Brasil, ajudando a derrubar mitos e a recolocar o debate em melhores eixos, ele peca, algumas vezes, em compreender o funcionamento da economia. Um exemplo é a excessiva ênfase na Política de Valorização do Café como propulsora da industrialização e crescimento brasileiro. O autor parece apontar essa política como fundamental - a melhor escolha entre o kit de políticas - para o desenvolvimento da economia, quando na verdade ela apenas prolongou a vida de um monopólio, o qual, por definição, gera ineficiências. 

É verdade que essa política ajudou o país a sair da crise de 1929, e que gerou ganhos que foram revertidos para a industrialização. Mas como economista devemos sempre questionar o custo relativo. O first best é uma economia competitiva, dinâmica, com entrada e saída de firmas, com avanços tecnológicos acarretando a predominância de determinadas firmas, enquanto outras saem do mercado devido à incapacidade de competirem. Os consumidores ganham com esse cenário, pois os preços se reduzem e a quantidade de produtos ofertada se eleva. Há maiores oportunidades, pois o processo de abertura de novas empresas é rápido, pouco burocrático - há reduzido espaço para o surgimento de monopólios. É algo parecido com o que os norte-americanos chamam de American Dream (sonho americano).

A política do café, na melhor das hipóteses, pode ser um second best, mas jamais pode ser vista como recomendação de política econômica. É interpretar o aparato econômico ao avesso dizer que monopólios geram riqueza em detrimento da livre competição. Monopólios reduzem a oferta e aumentam os preços (como de fato ocorreu na experiência brasileira), prejudicando os consumidores, os quais pagam mais caro pelo produto. A renda do monopólio se desloca para uma minoria, e a economia avança, mas em menor escala comparado ao cenário de maior competição. É um cenário de baixa oportunidade para a população. Caldeira não fez essa ressalva, pelo contrário, elogiou a política de valorização do café.

Outro ponto que deixa a desejar é o uso do instrumental marxista para detalhar a evolução da economia brasileira. Por exemplo, afirmar que empresários exploram trabalhadores pela extração da mais-valia é ignorar que o lucro gera valor, e o valor adicionado depende, além do trabalho, das máquinas, da estrutura organizacional, do aparato tecnológico usado. Todo o risco do fracasso da empresa recai unicamente sobre o empresário, é ele quem se arrisca ao realizar um empreendimento. O lucro é a remuneração desse risco. O autor faz algumas confusões ao usar um instrumental de análise inadequado para compreender os mercados.

Essas ressalvas, entretanto, não tiram de nenhuma forma o mérito do livro. É leitura recomendada para compreendermos o país no qual vivemos. Precisamos do passado para poder entender e agir no presente, e o livro oferece ótimo serviço nesse quesito. Após a sua leitura, se tornará mais nítido o porquê de termos um país atrasado educacionalmente, com segmentos da população que flertam com autoritarismo, uma burocracia desejosa e ávida por privilégios e um corporativismo disseminado. Nesse quesito, de informar o leitor sobre o passado institucional do país, Caldeira faz análise irrepreensível. 

Por fim, ao fornecer análises apoiadas em fatos e estudos econométricos, o autor tomou corajoso passo em um meio acadêmico que resiste de forma teimosa ao uso de melhores ferramentas para analisar a história do país. O livro mostra que isso pode estar se alterando.







4 comentários:

  1. Gostei da Resenha é bem coerente com a obra original

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  2. Excelente! Vou acompanhar os seus textos!

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  3. O texto bacana, porém a crítica ao conceito marxista de valor é falho ao tentar justificar a inconsistência da mais-valia ao dizer que o lucro é a remuneração dos fatores de produção e do risco do empregador. Isso é contraponto moral da mais-valia, e não sua refutação. O economista Paulo Sandroni deixa isso claro em "novíssima dicionário de economia" que explica o conceito da mais-valia sem moralismo. A exploração é um conceito econômico e sociológico, a extração da mais-valia é necessária ao sistema, pois o trabalho humano é a única forçar motriz de criar valor novo( excedente) transformando insumos em bens finais. O lucro não criar valor, e sim o trabalho que possibilita a existência dos bens e serviços. A mais-valia é a fonte do lucro, e não o lucro em si. Essa é toda a questão da mais-valia e da exploração da força de trabalho. Explorar às possibilidades da mão de obra.

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