sábado, 19 de março de 2022

Resenha: As Consequências Econômicas da Paz (John Maynard Keynes)

O livro que profetizou a eclosão da Segunda Guerra Mundial

as consequencias economicas da paz


Publicado em 1919, pouco após o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), As Consequências Econômicas da Paz foi um best-seller, tornando Keynes mundialmente conhecido. Em geral, não somente a argumentação central do livro é colocada como fator para explicar o seu sucesso, mas também a forma como as principais lideranças políticas dos países envolvidos na guerra foram caracterizadas. Em especial, as rodadas de negociações envolvendo o Tratado de Versalhes foram escritas com grande riqueza de detalhes. 

Este livro foi escrito por causa da elaboração do Tratado de Versalhes e como as suas diretrizes impactariam o futuro da Europa. Keynes, como representante do corpo diplomático britânico, estava preocupado no pós-guerra, na retomada da atividade econômica como sustentáculo para a viabilidade da vida harmônica entre os países envolvidos na guerra.

Esta guerra se iniciou em 1914, colocando de um lado a Alemanha, o Império Austro-húngaro e a Itália, bloco conhecido como Tríplice Aliança, e outro, a Tríplice Entente, composto por França, Reino Unido e Rússia. Com preocupações territoriais expansionistas, esses países se digladiaram em um dos momentos mais trágicos do século passado. Até o seu término em 1918 outros países entraram no conflito fornecendo armamento, homens e recursos, como foi o caso do nosso país e, principalmente, dos Estados Unidos.

A Primeira Guerra Mundial representou o fim da primeira onda da globalização financeira e comercial. Mais ou menos por volta de 1870, tanto o comércio entre as nações, bem como a troca de fluxos financeiros se elevou gradualmente até a brusca interrupção acarretada pela guerra. Essa globalização foi acompanhada por crescentes ganhos de renda pelos países envolvidos, entre eles a Argentina, quando ela recebeu, de alguns analistas, a alcunha de "Alemanha da América Latina". Esse aumento da produção foi refletido na elevação do padrão de vida das pessoas.

Keynes estava ciente desse cenário. Também compreendia que era possível resgatá-lo. Daí temos a primeira crítica ao tratado de Versalhes. As pesadas penalidades impostas aos alemães inviabilizariam a integração do país na economia mundial. A Alemanha, caso o acordo fosse cumprido à risca, estava destinada a se tornar cada vez mais pobre. Keynes mostrou preocupação com o ressentimento, a raiva e o ódio que poderiam surgir em decorrência das sanções impostas ao país. Julgou que a paz selada em Versalhes semearia mais conflitos no futuro. Sem dúvidas uma previsão acertada, dado que em 1939 a Europa seria palco de outro grande conflito, a Segunda Guerra Mundial, com o protagonismo inicial na Alemanha. Essa previsão de Keynes se junta a outras durante a sua vida, as quais proporcionaram, segundo nos conta Roberto Campos em A Lanterna na Popa, a fama de profeta em temas econômicos.

Keynes denominou o acordo de Versalhes de "Paz de Cartago", em alusão ao conflito entre Roma e a cidade de Cartago na antiguidade, no qual os romanos saíram vitoriosos, impondo fortes encargos sobre os derrotados. Keynes considerava injusto impor sobre os filhos os crimes cometidos pelos pais. Dizia que a geração futura da Alemanha teria sua vida econômica comprometida com o tratado. Destas sanções, destacava-se multas, perdas de territórios, obrigações de produzir e entregar o produto final para as nações vencedoras e a concessão de trabalhadores. O autor criticava o desejo de reduzir a Alemanha em um mero território povoado por pessoas empobrecidas e sem esperança de melhorar os seus futuros.

A realização de comércio entre as nações e a motivação econômica de cada indivíduo era tida por Keynes como fortes fatores para sustentar e promover a paz entre os povos. Atrelava a essa relação a crescente prosperidade material testemunhada nos anos prévios à guerra. Afirmava corretamente que a família de renda média apresentava maiores luxos e confortos do que os monarcas mais poderosos da Idade Média. Portanto, ao não mirar esse retorno, o tratado de Versalhes pecava em um dos principais pontos para o convívio pacífico. 

Durante as negociações, os comportamentos do primeiro ministro britânico, Lloyd George, e do francês, Clemenceau, são descritos em detalhes e analisados. Keynes mostra como os dois conseguiram ludibriar o presidente dos EUA, Woodrow Wilson, com a sua proposta de 14 pontos visando promover a paz e o convívio entre os países beligerantes. A "Paz de Cartago" foi imposta, apesar do prestígio que Wilson possuía em virtude da participação essencial dos EUA na virada da guerra. 

Além desse eixo central, Keynes apresenta ideias preliminares que dariam origem a grandes temas recorrentes em suas teorias, como a influência da psicologia na economia, o que mais tarde seria cunhado de espírito animal. Tece também comentários sobre a importância da moeda na economia - para quem leu A Teoria Geral, perceberá que já estava em fomentação muito do que foi escrito. A famosa frase de que "Não há meio mais seguro e mais sutil de subverter a base da sociedade do que corromper a sua moeda" aparece nesse livro, não sendo de autoria de Keynes, como ele próprio reconhece, mas possivelmente de Lenin.

Finalmente, no final do livro Keynes propõe medidas para mitigar os problemas do tratado, como a liquidação da dívida da Tríplice Aliança (bloco derrotado), empréstimos internacionais - intermediados pelos EUA - para sustentar a recuperação dos países parcialmente destruídos, e a revisão do tratado. Infelizmente Keynes não foi ouvido. 

As Consequências Econômicas da Paz guarda lições para nós. Não é de todo impossível que o atual conflito entre a Rússia e a Ucrânia se desdobre em um conflito generalizado. Talvez o gatilho para esse passo seja um ataque a um dos países da OTAN, ou a utilização de armamento nuclear por parte dos russos. 

Como retaliação aos russos, diversas sanções econômicas estão sendo implementadas, as quais irão empobrecer o país. Em um cenário otimista, com o fim da atual guerra no futuro próximo, como tratar a Rússia? Manter e aprofundar sanções, de forma a transformá-la em algo próximo ao visto na Coreia do Norte? Ou retomar diálogos para integrá-la à economia mundial? Keynes mostrou os riscos da primeira opção.

Podemos resgatar a história, em particular o período após a Segunda Guerra Mundial, quando os EUA apoiaram e financiaram a reconstrução da Europa e do Japão. Hoje todos esses se tornaram países relativamente pacíficos, com destaque para a Alemanha, a qual finalmente abandonou ideias megalomaníacas de domínio sobre outros povos. Essa alternativa poderia ser pensada no caso russo? Não sei. O que tenho certeza é que a obra de Keynes tem o mérito de ajudar nessa reflexão. 










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