terça-feira, 19 de outubro de 2021

Resenha: Ecce Homo (Friedrich Nietzsche)

A autobiografia de um gênio

nietzsche


Ecce Homo é a autobiografia de Friedrich Nietzsche, escrita tanto para apresentar suas obras e o seu pensamento, quanto para mostrar como ele, Nietzsche, era. Nesse quesito, o autor mostra como o sofrimento que teve durante sua vida, os ataques nervosos, contribuíram para aperfeiçoar o seu julgamento do homem. A seguinte passagem expressa essa ideia: "Minha existência é um fardo terrível: há muito teria me livrado dele, se não fizesse os mais esclarecedores experimentos, no campo moral-espiritual, precisamente nesse estado de sofrimento e quase absoluta renúncia".

Portanto, ao contrário de suas outras obras, o objetivo é apresentar suas ideias, não ocultá-las dos leitores. É como se fosse um guia de leitura para as suas obras. O livro Zaratustra, por exemplo, tem enorme destaque na sua apresentação. Em alguns momentos, até certo exagero ao descrever suas qualidades. E não somente em relação aos seus livros, em diversos momentos o autor parece fora de si, em delírios. Logo após o término de Ecce Homo, Nietzsche sofreria o colapso mental que o afastaria em definitivo da escrita de textos - além de não reconhecer familiares e amigos. 

No posfácio há informações interessantes sobre esse ponto, como o exame de Freud sobre Nietzsche - não de suas ideias, mas da própria pessoa. Ao que parece, as experiências pessoais de Nietzsche não somente moldaram sua forma de interpretar o mundo, como também aprofundaram a sua introspecção. 

No decorrer do livro, tópicos já discutidos nas resenhas anteriores são apresentados, como a transição do conceito homem bom para homem mau, a moral dos décadents, os ressentidos e críticas em geral direcionadas ao cristianismo. A diferença marcante é a clareza na exposição desses conceitos. Comparando com os livros anteriores, poucas dúvidas restam de que Nietzsche desejava de fato ser compreendido pelos leitores.

O ponto inicial de seu pensamento é a inflexão na forma como o homem passou a ser visto pela sociedade. No passado, especialmente entre os gregos, o homem que conquistava, ousava, guerreava, que "dizia Sim à vida", era considerado homem bom, ele escrevia os valores. Todavia, com o marco da ascensão do cristianismo, esse conceito de bom foi revertido para mau. Agora características como egoísmo e ambição se tornaram traços negativos. O homem bom tem como ideal a compaixão e a bondade. 

A moral trazida pelo cristianismo afugenta instintos do homem, como o desejo de governar, mandar, submeter, em outras palavras, combate a vontade de poder. Essa proibição enfraquece gradualmente e constantemente o homem ao minar sua vontade interior. Desta forma, Nietzsche coloca o cristianismo como adversário do homem ao fazê-lo seguir uma moral contrária aos seus instintos. É um conceito parecido com o que Freud utiliza no Mal-Estar da Civilização, ao afirmar que para o surgimento da civilização foi necessário conter e aparar instintos naturais do homem, como o da agressão e o da violência. E que esse freio minava aos poucos a satisfação desses indivíduos ao negar o usufruto de instintos naturais. Não se sacia desejos internos. A ânsia de dar vazão a eles, e a constante negação, gera o mal-estar na sociedade. Nietzsche mostra linha muito parecida, embora com palavras mais fortes e conceitos diferentes.

Um dos fatores que ativaram esse processo foi o ressentimento dos indivíduos que não tiravam vantagem da ordem estabelecida. Portanto, recorreram ao artifício de subverter todos os valores reinantes, invertendo a balança da moral. O "bom" foi visto como "mau". E passou-se a pleitear melhor tratamento para os que eram destituídos de riqueza e poder político. A política dos direitos iguais, segundo o autor, estaria circunscrita nessa inflexão - medida sempre criticada por Nietzsche, por julgar uma contradição igualar os desiguais. 

Outra forma de entender essa crítica é recorrer ao conceito do homem superior, o homem que resgataria a antiga moralidade dos corajosos, vencedores, lutadores, dispostos a viver de acordo com os seus instintos. Se direitos iguais nivelaria todos, não restaria espaço para o homem superior emergir. Direitos iguais eliminaria a "seleção natural", termo usado, salvo engano, apenas no Ecce Homo

Com essa resenha, encerro os artigos dedicados aos livros de Nietzsche. Coloquei o objetivo de escrever essas resenhas como forma tanto de forçar melhor entendimento de minha parte em relação à Nietzsche, como também para apresentar livros que fogem do escopo desse blog, que é a discussão de tópicos de economia. Embora eu não concorde com todas as ideias do autor, ele fornece insights excelentes para compreender o mundo no qual vivemos.

Para quem se interessar, todas as demais resenhas de Nietzsche seguem abaixo.

Crepúsculo dos Ídolos

Assim Falou Zaratustra

O Anticristo

Aurora

Genealogia da Moral

A Gaia Ciência

Além do Bem e do Mal










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