domingo, 12 de julho de 2020

Resenha: Direito, Legislação e Liberdade (Friedrich August von Hayek)

Hayek descreve como o funcionamento da democracia foi idealizado por seus criadores, e como nos desviamos desse objetivo, em parte ao buscar por “justiça social”

direito, legislação e liberdade


No prefácio do livro, Hayek afirma que levou 10 anos para completar a obra, e que por várias vezes se encontrou no desespero de não conseguir realizar a tarefa imposta por ele mesmo: analisar e detalhar como o direito e a legislação influem sobre a liberdade individual e na estruturação do setor político das sociedades. Meta ambiciosa, mas que foi cumprida pelo vencedor do Nobel de economia de 1974. 

No primeiro volume, o autor descreve como a ordem política foi pensada pelos liberais clássicos, como David Hume e John Locke, e associa o desvio do projetado com a ascensão de regimes totalitários. O principal argumento é o de que são as normas de conduta justa, que não visam a algum objetivo determinado, tão somente delimitam o espectro das ações e condutas que os indivíduos podem realizar, que foram idealizadas para moldar a sociedade. O constitucionalismo, portanto, seria uma forma de limitar a margem de manobra dos legisladores, uma vez que estes estariam restringidos pelos princípios gerais ou normas abstratas de conduta. É algo próximo ao defendido por Montesquieu em sua magistral obra O espírito da lei, na qual a democracia precisa, para a sua realização, da virtude do povo como característica central. Não basta escrever e redigir belas leis, é imperioso que exista uma tradição de respeitar determinados princípios que se harmonizam com a ordem democrática. 

Todavia, conforme o poder legislativo passou a ser usado para moldar determinados objetivos concretos, perdeu-se a limitação que o amarrava. Grupos de pressão ganharam espaço e influência sobre a criação de leis, dado que os políticos eleitos precisavam do apoio destes para angariar votos e permanecerem no poder. Consequentemente, ao serem empossados, os políticos, sob variados argumentos, concediam benefícios para grupos do Estado em detrimento da população. Era o governo ilimitado

Hayek, ao demonstrar que a civilização se formou pela interdependência das ações dos indivíduos, pela crescente divisão do trabalho e pelo método de tentativa e erro na confecção das atuais instituições, interpretará o governo ilimitado como ameaça para a liberdade individual. A sociedade é o resultado da ordem espontânea, na qual nenhum burocrata seria capaz de criar porque tal ordem é inerentemente complexa. As milhares de decisões tomadas diariamente fogem do campo de planejamento de qualquer burocrata. É o espaço em que cada indivíduo toma suas ações que molda a civilização. A restrição desse espaço pela concessão de favores para grupos, utilizando para isso a legislação, colocaria em risco o processo que permitiu a formação da civilização.

A explicação do governo ilimitado se encontra no volume II, quando o conceito de justiça social é apresentado. Foi por meio dessa expressão que a legislação se converteu em objeto para moldar a sociedade, para atingir determinados valores sociais. Entretanto, Hayek assinala que esse termo é vazio, desprovido de qualquer significado. “Como o garoto da história de Hans Christian Andersen – afirma Hayek -, eu não conseguia ver coisa alguma porque não havia nada para ser visto”

Justiça social e o objetivo deliberado de persegui-la se confrontava com a catalaxia – termo que Hayek usa para descrever o funcionamento do capitalismo. Na ordem espontânea, as ações dos indivíduos são guiadas pelo mecanismo do preço. Conforme as variações de remunerações, as pessoas podem optar por diferentes caminhos. E nada garante que o indivíduo saberá de todas as consequências diretas e indiretas de suas ações. É o argumento da mão invisível de Adam Smith. Uma ordem descentralizada e profundamente enraizada na divisão do trabalho não consegue prever todas as suas consequências. A ilusão de sabermos o que ocorrerá no futuro pode interromper o processo de formação de novas soluções, uma vez que o governo pode frear determinados avanços e atividades. Nessa paralisação, não somente a formação de novas soluções são prejudicadas, como também a liberdade individual

No último volume, Hayek mostra sua preocupação com a degeneração da democracia idealizada pelos antigos teóricos. A democracia na qual vivemos é o governo ilimitado da maioria, que impõe sobre a minoria a sua vantagem e o custo de seus benefícios. Numa ótica econômica, seria a concessão de privilégios para alguns grupos e a tributação sobre outros para sustentá-los. Ele lembra que “a crença da democracia pressupõe a crença em coisas mais elevadas que a democracia”. Para Montesquieu era a virtude, para Hayek, é o conjunto formado pela tradição, pela norma abstrata, e pelos princípios gerais.  

Em seu final, Hayek argumenta que a ordem espontânea funciona pelo direito negativo, isto é, aquele que não implementa leis detalhando os objetivos finais das ações dos indivíduos. A formação da civilização se fundou pela Paz, Liberdade e Justiça, em sentido negativo, delimitando o comportamento das pessoas e não dizendo o que deveriam fazer e com qual intuito. Dentro do espaço permitido pela lei, o indivíduo era livre para agir conforme julgasse melhor para o seu próprio benefício. A justiça situava-se em analisar o comportamento das pessoas nesse espaço, e não em julgar o resultado final. O desvio desses ideias, segundo Hayek, criou dificuldades para o futuro das sociedades. 

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