Exércitos e armas ficaram fora de moda, agora a maneira de derrubar democracias é enfraquecendo gradativamente suas instituições
Escrito
por dois professores de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, o livro Como
as democracias morrem se concentra em um tópico atual, antigo e quente. Atual
porque contemporaneamente algumas democracias aparentam se deslocar para
regimes mais autoritários, como é o caso de Filipinas e da Hungria,
respectivamente governados pelo presidente Rodrigo Duterte e pelo
primeiro-ministro Viktor Orbán; antigo, pois nos escritos de Platão e de
Aristóteles discutia-se a modalidade democrática de governança; quente, uma vez
que, se pegarmos o gancho da discussão no Brasil, sob o governo de Jair
Bolsonaro, dificilmente um consenso surgirá.
Sobre o
livro, os autores explicam que normalmente associamos o declínio de regimes
democráticos com a imagem de armas e soldados – o que não é mentira em relação
ao século passado, principalmente na América Latina. Também podemos associar
essa derrocada com a eleição de líderes que subvertem o regime, utilizando de
brechas e/ou mecanismos legalmente questionáveis para prejudicar o
funcionamento da democracia. Mas há um caminho pouco considerado para a
sublevação, no qual “as democracias decaem aos poucos, em etapas que mal chegam
a ser visíveis”.
Nesse
caso, seriam as alterações marginais, mas graduais, no funcionamento das instituições
políticas que sustentam a democracia. O enfraquecimento de um órgão com a
função de fiscalizar a política do poder executivo, outro para fazer cumprir
determinados regulamentos, uma corte judiciária que se torna pouco a pouco
leniente com práticas pouco constitucionais, o repórter, ou empresário, ou
mesmo o jornal que sofre pequenas retaliações por determinada conduta, e daí
por diante. Embora sejam modificações de curto alcance e impacto, somadas e
acumuladas ao longo do tempo representam desastroso destino. Levitsky e Ziblatt
descrevem diferentes experiências para confirmar essa tortuosa trajetória que
culmina com o fim da democracia.
O foco
do livro são os Estados Unidos, com análise da presidência do republicano
Donald Trump, e a partir disso os autores contrastam os ataques que as
instituições democráticas vem sofrendo pelo seu governo, com o retratado pelos
governos anteriores. A conclusão é a de que Trump se enquadra no protótipo de
governo que pode colocar a democracia em dificuldades em virtude de seguidos
ataques aos seus alicerces. Dois dos principais sustentáculos desse regime é a
tolerância mútua, caracterizada pelo “entendimento de que partes concorrentes
se aceitem umas às outras como rivais legítimas”, e a contenção, ou reserva
institucional, “a ideia de que os políticos devem ser comedidos ao fazerem uso
de suas prerrogativas institucionais”. Isto é, não são as regras propriamente
escritas que desempenham o principal papel para sustentar o regime, mas as não
escritas, as regras informais.
Para
classificar determinado governo como arriscado para a continuidade da
democracia, os autores elencam 4 indícios que podem enquadrá-los como tendo o
perfil autocrático. Os pontos são: “1) Rejeição das regras democráticas do jogo
(ou compromisso débil com elas); 2) Negação da legitimidade dos oponentes
políticos; 3) Tolerância ou encorajamento à violência; 4) Propensão a
restringir liberdade civis de oponentes, inclusive a mídia”. Fazendo um
paralelo com a situação brasileira, é difícil afirmar que o ponto 4 não tem
sido tocado ao longo do governo de Bolsonaro (não entrarei no mérito dos demais
pontos).
Por fim,
os autores assinalam que “a democracia é um trabalho árduo”, precisa da
cooperação de todos os habitantes, não somente dos políticos, necessita-se que
o sentimento, o costume e a tradição de atos democráticos sejam difundidos na
população. “Nenhum líder político isoladamente pode acabar com a democracia;
nenhum líder sozinho pode resgatar uma democracia, tampouco. A democracia é um
empreendimento compartilhado. Seu destino depende de todos nós”. Portanto,
todos são responsáveis pelo declínio do regime, ainda que gostemos de apontar
culpados – talvez para alívio de consciência. É um regime construído e
solidificado pela confiança do povo com as instituições e com os seus
representantes.
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