terça-feira, 31 de março de 2020

Resenha: Como as Democracias Morrem (Steven Levitsky e Daniel Ziblatt)

Exércitos e armas ficaram fora de moda, agora a maneira de derrubar democracias é enfraquecendo gradativamente suas instituições

Steven Levitsky e Daniel Ziblatt

Escrito por dois professores de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, o livro Como as democracias morrem se concentra em um tópico atual, antigo e quente. Atual porque contemporaneamente algumas democracias aparentam se deslocar para regimes mais autoritários, como é o caso de Filipinas e da Hungria, respectivamente governados pelo presidente Rodrigo Duterte e pelo primeiro-ministro Viktor Orbán; antigo, pois nos escritos de Platão e de Aristóteles discutia-se a modalidade democrática de governança; quente, uma vez que, se pegarmos o gancho da discussão no Brasil, sob o governo de Jair Bolsonaro, dificilmente um consenso surgirá.
Sobre o livro, os autores explicam que normalmente associamos o declínio de regimes democráticos com a imagem de armas e soldados – o que não é mentira em relação ao século passado, principalmente na América Latina. Também podemos associar essa derrocada com a eleição de líderes que subvertem o regime, utilizando de brechas e/ou mecanismos legalmente questionáveis para prejudicar o funcionamento da democracia. Mas há um caminho pouco considerado para a sublevação, no qual “as democracias decaem aos poucos, em etapas que mal chegam a ser visíveis”.
Nesse caso, seriam as alterações marginais, mas graduais, no funcionamento das instituições políticas que sustentam a democracia. O enfraquecimento de um órgão com a função de fiscalizar a política do poder executivo, outro para fazer cumprir determinados regulamentos, uma corte judiciária que se torna pouco a pouco leniente com práticas pouco constitucionais, o repórter, ou empresário, ou mesmo o jornal que sofre pequenas retaliações por determinada conduta, e daí por diante. Embora sejam modificações de curto alcance e impacto, somadas e acumuladas ao longo do tempo representam desastroso destino. Levitsky e Ziblatt descrevem diferentes experiências para confirmar essa tortuosa trajetória que culmina com o fim da democracia.
O foco do livro são os Estados Unidos, com análise da presidência do republicano Donald Trump, e a partir disso os autores contrastam os ataques que as instituições democráticas vem sofrendo pelo seu governo, com o retratado pelos governos anteriores. A conclusão é a de que Trump se enquadra no protótipo de governo que pode colocar a democracia em dificuldades em virtude de seguidos ataques aos seus alicerces. Dois dos principais sustentáculos desse regime é a tolerância mútua, caracterizada pelo “entendimento de que partes concorrentes se aceitem umas às outras como rivais legítimas”, e a contenção, ou reserva institucional, “a ideia de que os políticos devem ser comedidos ao fazerem uso de suas prerrogativas institucionais”. Isto é, não são as regras propriamente escritas que desempenham o principal papel para sustentar o regime, mas as não escritas, as regras informais.
Para classificar determinado governo como arriscado para a continuidade da democracia, os autores elencam 4 indícios que podem enquadrá-los como tendo o perfil autocrático. Os pontos são: “1) Rejeição das regras democráticas do jogo (ou compromisso débil com elas); 2) Negação da legitimidade dos oponentes políticos; 3) Tolerância ou encorajamento à violência; 4) Propensão a restringir liberdade civis de oponentes, inclusive a mídia”. Fazendo um paralelo com a situação brasileira, é difícil afirmar que o ponto 4 não tem sido tocado ao longo do governo de Bolsonaro (não entrarei no mérito dos demais pontos).
Por fim, os autores assinalam que “a democracia é um trabalho árduo”, precisa da cooperação de todos os habitantes, não somente dos políticos, necessita-se que o sentimento, o costume e a tradição de atos democráticos sejam difundidos na população. “Nenhum líder político isoladamente pode acabar com a democracia; nenhum líder sozinho pode resgatar uma democracia, tampouco. A democracia é um empreendimento compartilhado. Seu destino depende de todos nós”. Portanto, todos são responsáveis pelo declínio do regime, ainda que gostemos de apontar culpados – talvez para alívio de consciência. É um regime construído e solidificado pela confiança do povo com as instituições e com os seus representantes.


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