sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Teto do Gasto Não Foi Mal Desenhado

Faltaram vontade política, liderança e projetos de reformas fiscais elaborados pelo ministério da economia 

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Nesta semana, o ministro da economia, Paulo Guedes, criticou o teto do gasto público, afirmando que ele foi "mal desenhado", pois as reformas necessárias para o seu cumprimento não foram realizadas. Um dos textos mais populares deste blog é justamente sobre o teto: Afirmar que o teto do gasto é crueldade com os pobres é desinformação. Neste texto, eu destaco exatamente o que Guedes realçou: uma das premissas do teto do gasto era reformas, voltadas essencialmente para o gasto público, para conter a aceleração do gasto do governo. Sem estas reformas, a manutenção do teto poderia ficar comprometida. 

O estranho da crítica de Guedes é que o órgão do governo responsável pela implementação de reformas fiscais é....o seu ministério, onde o próprio Guedes trabalha desde 2019. Tenho escrito a um tempo minha decepção com os resultados sob sua administração, uma vez que muito foi prometido durante as eleições de 2018, e pouco se fez. Em particular, Guedes prometeu as tais reformas fiscais que dariam sustentabilidade ao teto. Agora o discurso é de que o teto foi "mal desenhado". Eu discordo. O teto foi bem desenhado.

O teto do gasto foi elaborado sob o correto diagnóstico de que o governo brasileiro, historicamente, gasta mais do que arrecada, culminando em dívida pública crescente e impostos ascendentes. Não tem muito para onde correr: governos perdulários têm de escolher estes caminhos. Caso recusem em expandir a dívida e os impostos, o caminho é o descontrole dos preços, pois o banco central terá de emitir moeda para pagar o gasto do governo. Aqui o leitor pode olhar para a Argentina para ter uma imagem concreta deste caminho. Por enquanto, nosso país não optou por ele.

Desta forma, compreendida a necessidade do Brasil em comprimir a despesa pública, o teto do gasto teve como principal regra a imposição de um limite para o crescimento do gasto do governo: este poderia se expandir, no ano t+1, em no máximo o valor da inflação do ano t. Um exemplo: se em 2023 a taxa de inflação foi de 5%, então no próximo ano, em 2024, o gasto do governo poderia se elevar em 5% em comparação ao gasto do ano de 2023. Consequentemente, a regra do teto do gasto permite o aumento do gasto público (sempre houve muita confusão nesta parte), entretanto, este aumento é limitado pela taxa de inflação do ano anterior. No jargão econômico, diz-se que o teto permite o aumento nominal do gasto público, mas veda o seu aumento real.

Nas vésperas da votação que culminaria na aprovação do teto do gasto, lembro de uma palestra que fui, na cidade de Juiz de Fora (sim, a mesma onde Bolsonaro levaria uma facada criminosa em 2018), em que um professor de Direito criticava duramente o teto do gasto. Dizia que esta medida congelaria o gasto público por 20 anos, sem qualquer aumento, enquanto as necessidades da população continuariam a se expandir. Tomei um susto (a plateia também). No meu caso, o susto foi de assistir um professor da Universidade Federal de Juiz de Fora mostrar tamanha desinformação (no caso da plateia, o susto foi por conta do cenário apocalíptico traçado).

O teto do gasto, portanto, impunha um desafio para os políticos: redesenhar a forma na qual o gasto público é alocado. A despesa primária é majoritariamente alocada para o pagamento de salários e benefícios da previdência, e é extremamente rígida, com percentual de 90% em gastos pré-estabelecidos, ou seja, não há como redirecioná-los, já estão carimbados. E aqui evidencia-se uma reforma: flexibilizar o gasto público, isto é, eliminar este carimbo e deixar que o debate orçamentário defina aonde o gasto seria alocado. Esta reforma não foi realizada desde a implementação do teto, além de tantas outras, como as reformas tributária, administrativa e fiscal. 

Outro ponto crítico, o qual coloco na conta e na responsabilidade de Guedes, foram os furos no teto patrocinados pelo ministério da economia. Os mais recentes foram as PECs dos precatórios e a "kamikaze". Tenho textos criticando estas medidas, como estes aqui e aqui. Não bastasse a ausência das reformas, Guedes foi conivente com sucessivos desrespeitos ao teto.

Talvez a pior consequência destes atos e omissões seja a de que, como o gasto público não foi realocado, áreas sensíveis e com alto retorno social, como a saúde, a educação e o investimento em infraestrutura, sofram cortes orçamentários - lembra dos 90% do gasto que são rígidos? Estas áreas estão no espaço dos 10% restantes, aqueles gastos que são flexíveis. O ajuste fiscal ocorre lá. Mas, de novo, não confunda a causalidade dos eventos. Faltou vontade política para avançar essas reformas e alterações na estrutura do gasto público. Como tais modificações não foram realizadas, passa-se a colocar toda a culpa sobre o teto do gasto. Tivéssemos feito o dever de casa, a história seria outra. Este cenário, infelizmente, exige muita imaginação.








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