Trabalho de casa não feito deverá ser abordado pela próxima administração
Escrevendo nas vésperas da eleição presidencial de 2022, resolvi resumir algumas áreas sensíveis que o (a) próximo (a) presidente deverá enfrentar. Algumas se tornarão temas essenciais (e inescapáveis), visto que uma possível negligência pode acarretar em forte crise financeira. Neste caso, já adianto que estou falando da área fiscal. Em outros segmentos, como a produtividade, embora seja recomendável que o país tome medidas para elevá-la, o custo de omissão não é tão perceptível quanto o da área fiscal.
A primeira área é a fiscal. Este é um problema que vem sendo carregado há anos. Desde mais ou menos 2014, o último ano do governo de Dilma Rousseff, as contas fiscais mostraram problemas e têm sido um dos entraves ao crescimento brasileiro. Nosso problema se resume a uma dívida pública/PIB elevada, gastos públicos crescentes (receitas não conseguem acompanhá-los) e sucessivos déficits públicos (quando se gasta mais do que se arrecada). O resultado deste desequilíbrio é um país que cresce pouco, tem alta taxa de juros e taxa de câmbio desvalorizada.
Eu afirmei que não tem muito para onde se esconder porque mesmo que o próximo governante decida, deliberadamente, ignorar as contas públicas, os seus desdobramentos não deixarão de ocorrer. É uma bomba que irá explodir. A dúvida é quando. Por isso, tenho expectativa que em 2023 algumas reformas serão alçadas para mitigar esta questão.
Imagino que 4 reformas possíveis são a tributária, a administrativa, a criação de uma âncora fiscal para estabilizar a dívida pública e a flexibilização do gasto primário. A reforma tributária iria simplificar alguns impostos e gerar outros para elevar as receitas (país que gasta muito precisa sempre elevar os impostos). A reforma administrativa visaria reduzir distorções que onerem o erário, achatar a massa salarial e dar maior racionalidade no funcionalismo público, anexando metas de produtividade aos salários, por mais difícil que isso seja. Aqui vejo enorme resistência de várias categorias (como funcionário público, docente universitário, reconheço que, especificamente na minha área, o ganho seria muito grande se a remuneração fosse atrelada à produtividade - quando faço esse argumento com colegas de profissão, sempre recebo olhares acusadores). Atualmente, professores de universidade recebem o mesmo salário, seja trabalhando, produzindo, publicando muito, seja fazendo o mínimo necessário. O velho Adam Smith já dizia que a forma de aniquilar o esforço do trabalhador é oferecer o mesmo salário independentemente de seu esforço.
Precisamos de uma regra para estabilizar a dívida pública porque a sua trajetória é ascendente. Dívida alta implica em maior pagamento de juros, minando o orçamento do governo. Como o teto do gasto está mais furado que peneira, a elaboração de nova âncora fiscal será bem vinda - talvez com gatilhos automáticos para facilitar o ajuste fiscal.
Finalmente, por volta de 90% de todo o gasto primário é rígido, com destinação prévia, reduzindo a possibilidade de alocá-lo para outras áreas. Com isso, o gasto em educação e saúde sofre, pois está na parte flexível, aquela que pode ser reduzida para o cumprimento das regras fiscais. Se o orçamento público fosse flexível, não necessariamente precisaria cortar gastos nestas áreas sensíveis. Na verdade, é contraintuitivo as reduções nestas duas áreas. Os retornos que promovem para toda a sociedade mais do que compensam os gastos iniciais. Um resultado cada vez mais fortalecido por pesquisas acadêmicas.
Saindo da área fiscal, vou para a produtividade. O Brasil tem crescido lentamente nas últimas décadas por causa dela. Sem produtividade elevada, não há crescimento sustentado. Para aumentá-la, precisaríamos de reformas que abrissem a economia, melhorassem o ambiente de negócios, e que eliminassem subsídios e programas ineficientes, como a Zona Franca de Manaus. Políticas para incrementar a produtividade sofrem pela dificuldade do público leigo em relacioná-las com o objetivo final. Em geral, reformas e políticas que melhorem a produtividade têm efeitos de longo prazo. Muitas vezes quem as realizou não colhe os frutos. Portanto, o incentivo de avançá-las é baixo. Todavia, sem elas, continuaremos estagnados.
A terceira área é o mercado de trabalho. Dadas as transformações nas relações trabalhistas, especialmente a concernente aos aplicativos que conectam trabalhadores com os consumidores (Uber, Ifood), as regras que ditam essa área precisam de ser atualizadas. A ausência de direitos trabalhistas e proteção social a esses trabalhadores precisa ser debatida, assim como a inclusão deles em programas públicos, como seguro desemprego e aposentadoria.
Claro que há outras áreas para serem melhoradas, como a da saúde e a da educação. Mas eu decidi focar nas mais críticas (o mantra é: sem responsabilidade fiscal não há reponsabilidade social). Caso os atuais proponentes ao cargo de presidente cumpram as promessas que têm sido feitas, notadamente as que implicam em aumento do gasto público, não sei como irão acomodar estas demandas com um orçamento já muito curto, necessitando de reformas. E não tenha dúvidas: os descalabros fiscais realizados unicamente como estratégia eleitoral, como a PEC "kamikaze", irão cobrar o preço no próximo ano.
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