terça-feira, 6 de setembro de 2022

Educação básica resolveria nossos problemas?

Seria passo fundamental para o aprimoramento institucional

previdencia


Atualmente iniciei a leitura do livro Making Social Spending Work (Fazendo o Gasto Social Funcionar), de Peter Lindert. O livro apresenta um compilado de dados e estatísticas do gasto social em vários países espalhados pelo mundo. Há muitas lições que podem ser retiradas e refletidas para o caso brasileiro. Uma delas é o gasto com a educação.

Vez ou outra eu leio em uma coluna, ou em entrevistas, o argumento de que o Brasil errou o foco e o esforço do gasto em educação: ao invés de investir em maior peso na educação básica, investiu-se e continua-se a alocar maior quantidade de dinheiro na educação superior. Já tive acesso a esses dados, e de fato isso ocorre mesmo. Nosso país privilegia a educação superior em detrimento da básica. E o que diz o livro que citei anteriormente? Bem, ele confirma esse equívoco.

Se o ditado "miséria ama companhia" tem alguma validade nesta situação, essa desproporção de investimento na educação é característica disseminada de países em desenvolvimento. Não estamos sozinhos nesta. Por outro lado, quando se olha economias ricas e desenvolvidas, estas acertaram no passado ao enfatizar o ensino básico.

Quando investe-se adequadamente na educação básica, a desigualdade que se inicia antes da escola é minimizada pela oferta do ensino. Ainda que morando em regiões pobres e/ou filhos de pais com baixa renda, crianças que frequentam boas escolas poderiam acompanhar as outras crianças de famílias afortunadas. A educação básica funcionaria como nivelador. Consequentemente, ao saírem da educação básica, estes (agora) adolescentes não teriam tantos problemas na faculdade. 

Lendo este livro, lembrei da reforma previdenciária de 2019. Durante o seu debate, um dos principais fatores para sua motivação era o desequilíbrio entre o gasto com benefícios com os aposentados, e a queda de sua arrecadação, visto que a proporção de jovens brasileiros tem se reduzido ao longo dos anos. Outro agravante para o lado da despesa era de que, desde que foi promulgada em 1988, a Constituição previa maciços benefícios para determinadas categorias. Paulo Guedes estava correto quando afirmou que a previdência brasileira era uma máquina de desigualdade

A controvérsia neste tema foi tamanha que eu novamente fui verificar os dados. Sempre tive o conhecimento de que a previdência era hiper, mega, super deficitária. Mas o esforço de alguns partidos políticos, professores, cientistas, e a população em geral, foi tanto que me senti inseguro com minha posição e recorri aos dados. Não precisava. O rombo fiscal continuava ali. A tendência era de que ele continuaria crescendo. Recordo que uma comissão do Senado afirmou, categoricamente, que não havia déficit!

Vou usar novamente o livro de Peter Lindert como árbitro. No comparativo mundial, o Brasil está entre os mais pródigos com a previdência. A parcela do gasto público que é destinada à previdência é tão grande, tão destoante do padrão internacional, que o autor abre um espaço para explicar o porquê de gastarmos tanto com os aposentados - o foco do livro são os Estados Unidos, mas concordei com a opção tomada por Lindert. A explicação, sem grandes surpresas, repousa em duas circunstâncias: i) a Constituição de 1988, que previu grossos benefícios sem explicar como seriam financiados, e ii) a influência de idosos sobre a política. Neste último caso, como são bem sucedidos em suas reivindicações, conseguem deslocar maior renda para os seus bolsos. Usando o dito "miséria ama companhia", também não estamos sozinhos no desproporcional poder político de idosos: em outras economias eles também conseguiram elevar o gasto social/PIB em seus benefícios. O problema do nosso país é que a quantidade deste gasto é realmente muito elevada.

Antes de acusar os políticos ou outras instituições, boa dose de responsabilidade deve ser lançada sobre nós brasileiros. Muitos se posicionaram contra a reforma da previdência de 2019, alimentando e espalhando falsas informações, como a inexistência de um déficit previdenciário. Para mim, ainda que a previdência fosse superavitária e, portanto, fiscalmente sustentável no longo prazo (o que não é o caso), ela deveria ser reformada, pois implicava em desproporcionais benefícios para aposentados. Vou citar um deles: quando criada em 1988, ela previa aposentadorias com valor exato ao último salário, o qual era o mais alto na carreira de funcionários. Foi um sistema concebido de forma falha desde o seu princípio. Mas repito o ponto: por que muitos brasileiros se posicionaram de forma desfavorável a uma reforma que corrigiria tais problemas? 

Outro argumento que eu sempre costumava ouvir era o de que o "brasileiro" não era politizado, não prestava atenção nos políticos e em suas propostas. Hoje eu considero o país extremamente politizado. Praticamente todos discutem política, estão por meio dos mais recentes episódios. Melhorou? Tenho dúvidas. De que adianta politização que se agarra a fake news?

E quem sabe se a falta de foco no gasto em educação primária, o equívoco em defender pela manutenção de um regime previdenciário deficitário e desigual, e a desinformação com as fake news estejam estreitamente relacionados? Talvez não seja tanto acaso e má sorte do país entrar em uma eleição presidencial na qual os dois candidatos que lideram as pesquisas de opinião sejam incapazes de oferecer soluções para nossos problemas estruturais. Continuo considerando bizarro que um terço dos eleitores mostrem inclinação para votar em um candidato que negou a compra de vacinas em uma pandemia, e que quase metade dos eleitores sinalizem em votar em um candidato que foi preso por corrupção.







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