sexta-feira, 17 de março de 2023

Resenha: A Guerra dos Chips: A Batalha pela Tecnologia que Move o Mundo (Chris Miller)

Semicondutores (chips) é o petróleo do século XXI?

guerra dos chips


Indicado por analistas, pesquisadores e jornais, A Guerra dos Chips foi considerado um dos principais livros de 2022. Talvez os problemas nas cadeias de valor durante e após a pandemia Covid-19 tenham mostrado a importância de chips em nossas vidas - pequenos dispositivos responsáveis pelo funcionamento de praticamente todo eletrônico. Recentemente, as tensões envolta de Taiwan trouxeram maior interesse ainda para esse tópico. Desta forma, o livro é bem vindo para explicar o porquê de chips terem se tornado tão importantes em nossas vidas, e denotar o papel de Taiwan no meio desse imbróglio.  

Chris Miller afirma que a Segunda Guerra Mundial foi decidida pela supremacia em aço e alumínio; a Guerra Fria pela superioridade de armas nucleares; agora as evidências sugerem que o domínio da economia mundial ficará com o país que detiver maior poder computacional. Mas para isso, precisa-se de uma tecnologia específica, os chips, ou mais formalmente, semicondutores

O primeiro "despertar" que tive com essa leitura foi a compreensão de que as tensões em Taiwan, colocando duas potências em oposição, os Estados Unidos e a China, não têm muito o que dizer com valores democráticos, embora o argumento jogado na mídia e por políticos seja este. Taiwan concentra 37% da produção mundial de chips. Quem controlar Taiwan, terá controle sobre mais de um terço de um insumo que pode paralisar a produção mundial de eletrônicos (e outros bens, como carros e armas). O mundo pós Covid-19 mostrou os problemas de atrasos na produção de chips, imagine o poder de barganha que, por exemplo, chineses teriam se conseguissem "capturar" a produção de Taiwan. 

Após discussões sobre a importância de Taiwan, o livro descreve como o poder de chips evoluiu nas últimas décadas. A receita serviu para todos os países que tentaram ter essa tecnologia de ponta. Os fatores são: i) tenha cientistas e engenheiros, ii) programas públicos para incentivar essa pesquisa, iii) subsídios públicos para baratear a produção, iv) networking com outros países, para trocar informações, v) fluxo de imigrantes qualificados e com experiência, e vi) potencial de lucratividade. Em outras palavras, use as cadeias de valor globais e o conhecimento de pesquisas e técnicas - com o governo auxiliando nos custos. No caso dos Estados Unidos, o Vale do Silício (local onde as empresas tecnológicas de ponta operam) apresenta todos esses requisitos, além de projetos financiados pelo Pentágono. 

Miller argumenta que a produção se deslocou para a Ásia, em um primeiro momento, por conta da mão de obra muito barata (e qualificada) em comparação com a dos Estados Unidos, e em um segundo momento, pelo esforço dos governos asiáticos em dominar essa tecnologia. Esses governos seguiram a cartilha, de incentivar a vinda de pesquisadores renomados, maciços subsídios e copiar, replicar (às vezes roubar) e aperfeiçoar segredos tecnológicos de outras empresas (a espionagem foi prática amplamente seguida pela União Soviética durante a Guerra Fria, no esforço infrutífero de superar os EUA).  

Assim, a produção de chips se deslocou para a Coreia, Taiwan, Japão e China. Os Estados Unidos ainda detêm a vantagem no design dos chips, na inovação e geração de novos chips, mas quem os produz está do outro lado do mundo. Um dos fatores que explica isso é que a produção de chips é extremamente custosa: alguns insumos exigem investimentos de 20 bilhões de dólares para iniciar a operação - e poucas empresas detêm caixa para uma empreitada que pode ainda resultar em fracasso. Daí temos governos auxiliando o avanço nacional. 

O ponto fraco dessa descrição, e do livro, em minha opinião, é que o autor trata esse encadeamento de esforço de produzir chips e dominar a tecnologia como uma causalidade, e não como ele deveria corretamente ser compreendido, como uma correlação. Não necessariamente países que investirem na ciência, na tecnologia, que subsidiarem indústrias, terão empresas produtoras de chips. O Brasil mostra que isso não ocorre de forma certeira. Usamos o BNDES no passado para criar campeões nacionais e o resultado foi... uma Odebrecht e todo o fiasco que já conhecemos (cadê a indústria naval?). Também a indústria nacional brasileira é fortemente subsidiada, temos universidades, e bem... como está a tecnologia nacional? (isso é válido para toda a América Latina; sejamos justos e não joguemos pedras somente no Brasil). Então meu ponto é: o autor narra histórias que funcionaram, conta o que fizeram, mas não realiza um exercício mostrando por que algumas experiências falharam, embora seguissem a mesma receita. O que explica o sucesso asiático em produzir chips em comparação com casos fracassados? O livro não fornece essa resposta. 

Outro ponto crítico no livro é a utilização de chips em armas. A guerra entre a Ucrânia e a Rússia tem mostrado como o massacre previsto não ocorreu, em parte pelo suporte dos Estados Unidos e Europeu à pequena Ucrânia. Esse suporte, além do lado financeiro, é carregado por armas tecnologicamente avançadas, leia-se, com chips modernos, capazes de elevar o poder de precisão dos disparos e bombardeios. Jornais estão mostrando o quão atrasado está o armamento russo, ou seja, com chips ultrapassados. Portanto, o domínio dos chips implicará, além da hegemonia econômica, a supremacia militar. A questão no Taiwan ficou mais clara agora?

(Discussão interessante é a respeito da Guerra do Vietnã, quando os bombardeios dos EUA pouco afetavam o pequeno Vietnã. Segundo o autor, com vasta evidência dos cientistas que desenvolveram as armas após esse conflito, o problema dos EUA foi de chips: utilizou-se tecnologia armamentista de baixa precisão. A guerra, portanto, deu outro incentivo para o avanço tecnológico dos chips - hoje, disparos a milhares de quilômetros são certeiros). 

No meu caso, afirmar que a leitura deste livro foi importante é redundante. Eu realmente pensei que as tensões em Taiwan eram por causa de valores democráticos - por isso considerava estranho tanto esforço, discussão e gasto público com um valor abstrato, a democracia. Mas eis que li esse livro! Assim como há muita guerra, sangue e discussão diplomática no Oriente Médio por causa da produção de petróleo, e não por valores abstratos (o livro Desordem: Tempos Difíceis no Século XXI, de Helen Thompson, é bom para gerar esse "despertar" de quem pensa que são valores democráticos envolvidos no Oriente), A Guerra dos Chips tem o mérito de derrubar mitos e ajudar na compreensão de chips, um termo que tem tudo para crescer em importância nos próximos anos (outro equívoco derrubado pelo livro: encarecimento dos eletrônicos durante a Covid-19 se deu muito mais por causa do aumento da demanda por chips do que por problemas de oferta, na produção destes chips - em outras palavras, nós estamos cada vez mais demandando mais chips, comprando e usando bens que precisam de chips, e durante os lockdowns intensificamos essas compras). Como afirma o autor, temos uma "insaciável demanda por poder computacional". Precisamos de chips


















Nenhum comentário:

Postar um comentário