sábado, 28 de outubro de 2023

Brasil Ainda Mostra Grande Desejo Pelo Aumento do Gasto Público

Apesar de evidência mostrar limitações do gasto

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A recente declaração do presidente Lula a respeito do não cumprimento de uma meta fiscal mais rígida é infeliz em vários ângulos. Em primeiro lugar, ela mostra a dificuldade e persistência do problema fiscal, cujo epicentro é a incapacidade do governo brasileiro em equilibrar gastos públicos com a receita tributária. É como aquele amigo (a) que sempre reclama de que a sua renda atual é insuficiente para pagar suas despesas - em muitos casos, o problema está na crescente expansão do consumo pessoal. Nenhuma renda consegue acompanhar desejos crescentes por consumo. Mesmo um salário de 200 mil reais se torna pouco para financiar uma casa, quando o consumo não é barrado ou desacelerado. Gil do Vigor errou ao afirmar que Rachel Sheherazade, com salário de 200 mil reais, está no 1% da população brasileira. O 1% é para indivíduos que recebem por volta de 30 mil reais mensais. A renda de Sheherazade a coloca próxima do 0,1%.

A lógica discutida acima, do ponto de vista individual, pode ser incorporada para o governo. E assim temos o segundo ponto. Assim como a maior parte da população, o governo brasileiro mostra enorme ânsia em ampliar o seu consumo. Todavia, o crescimento das receitas tributárias não consegue acompanhar esse ritmo. Pior, muitas vezes a receita de impostos flutua ao longo do tempo. Como o gasto público, uma vez criado e expandido, tende a não retornar ao seu nível inicial (outro problema da estrutura fiscal brasileira), temos períodos nos quais o gasto do governo cresce e as receitas tributárias caem. Consequentemente, a dívida pública cresce, pois o governo não tem recursos para bancar os seus gastos. 

Em terceiro lugar, como discuti em maio, o governo necessariamente terá de criar novos impostos (ou aumentar o fardo dos impostos já em andamento). A explicação novamente reside no desequilíbrio entre gasto e receita. O risco desse ciclo virar uma bola de neve não é irrisório. 

Tal risco é o quarto ponto. Como o governo brasileiro não consegue economizar (a linguagem técnica é gerar superávit primário, quando a receita de imposto supera o gasto, sem considerar os juros da dívida pública), mostrando, pelo contrário, avidez em elevar ainda mais o gasto público, há o surgimento de déficit primário (gasto maior do que a receita de impostos). Estes déficits fazem com que a dívida pública cresça (pois o governo emite títulos para pagar o gasto atual). Como toda dívida, ela paga juros para quem a detém. A taxa de juros da dívida brasileira é alta, acompanhando de perto o patamar da taxa de juros Selic (hoje em 12,75%). Portanto, eis o cenário que pode gerar um apocalipse nas contas públicas: o gasto maior do que a receita eleva a dívida, a qual aumenta ainda mais o pagamento de juros. Estes juros drenam recursos do governo, enfraquecendo ainda mais sua capacidade de honrar sua dívida. Se esse ciclo seguir essa tendência, o final é uma crise fiscal

A quinta consequência é que o trabalho do banco central em estabilizar a inflação e reduzir a taxa de juros é prejudicado. O banco central sobe a taxa de juros para frear o aumento dos preços. Acontece que o gasto do governo é um dos principais componentes do aumento dos preços. Portanto, ao subir o gasto público, o governo está jogando contra o banco central. Lula cria um paradoxo para ele mesmo: ele critica o banco central por manter a taxa de juros elevada, mas o próprio Lula atua para elevar o gasto público, fator que pressiona os preços e impulsiona o banco central a elevar a taxa de juros. E no final Lula ainda critica o banco central por subir as taxas de juros. Pode isso Arnaldo?

Finalmente, para fechar o texto, o Brasil mostra enorme crença e dependência com o gasto público. Minha percepção é que tanto a população quanto políticos interpretam o gasto público como a principal alavanca para o crescimento e desenvolvimento econômico. É algo tão enraizado na população que talvez tenha se tornado cultural relacionar gasto público com superação de problemas econômicos. O setor privado, por outro lado, é visto como apenas um acessório para o funcionamento da economia. Enquanto tal visão existir e permanecer, dificilmente o país irá superar os sucessivos desequilíbrios fiscais. 





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