domingo, 8 de outubro de 2023

É Desejável que Países Paguem Juros da Dívida Pública

Mercados financeiros deixam de financiar países caloteiros

governo fiscal


Em uma postagem antiga (de abril de 2020), eu afirmei que o pagamento de juros de 2019 equivalia a mais de 10 programas Bolsa Família. Não me alonguei mais do que isso naquele texto. Mas relendo-o nesta semana, não gostei muito do seu teor - pode parecer que fiz uma crítica ao fato do país ter de pagar juros sobre a dívida que emitiu.

Portanto, dando continuidade àquele texto, pode-se afirmar que é algo positivo e desejável que países paguem os juros de suas dívidas. Conforme países honrem suas dívidas, novas emissões de dívidas podem ser realizadas ao longo do tempo. As taxas de juros que incidem sobre essas dívidas podem até cair um pouco dependendo de alguns fatores, como o fato de credores confiarem na solvência do país.

Temos de notar que esse pagamento de juros da dívida representa a saída de recursos do país. Resgatando novamente os números do texto de abril de 2020, nele mostrei que o Brasil pagou 310 bilhões de reais de juros em 2019. Caso o país não tivesse essa dívida, esses 310 bilhões poderiam ser utilizados no próprio país, talvez melhorando a infraestrutura, as instituições públicas e elevando aportes em programas sociais. Mas essa opção não existiu, pois como o Brasil emitiu dívida, ele teve de pagar os juros devidos. 

Qual a recomendação? O ideal é que o país tenha uma dívida pública estabilizada ao longo do tempo em proporção com o PIB. São raríssimos os casos de países que não possuem dívidas. Portanto, podemos excluir essa opção. Governos se endividam porque, por variadas razões, gastam mais do que arrecadam no presente. A diferença entre gasto e receita é complementada pela dívida. Neste caso, a dívida é somente a transferência de renda de indivíduos e instituições para o governo. O governo, por outro lado, toma posse dessa renda e a utiliza para financiar o seu gasto no presente. Esses indivíduos e instituições se tornam credores do governo. Aceitam essa operação pois é prometido a devolução de suas rendas com o acréscimo de juros. 

O problema surge quando o governo não tem as contas públicas em ordem. Consequentemente, há o acúmulo de déficits primários (gasto superior à receita), pressionando o crescimento da razão dívida/PIB, assim como o pagamento de juros. Esse processo pode virar uma bola de neve. Mas digo e repito: o governo deve pagar os juros devidos, ainda que tais juros estejam em patamares elevadíssimos. 

Um equívoco comum é criticar esse pagamento de juros olhando somente pelo fim do encadeamento que descrevi. Uma análise correta e precisa é avaliar as contas públicas historicamente. Um governo em bom funcionamento tem suas receitas e despesas mais ou menos equilibradas (valores próximos). Há baixa pressão para a dívida pública crescer. Se esse governo realizou reformas fiscais, do gasto, e administrativa, muito provavelmente o seu risco de calote (default) é irrisório. Consequentemente, credores emprestam dinheiro para esse governo exigindo uma baixa taxa de juros. Pode ser que a razão dívida/PIB seja declinante ao longo do tempo: apesar da dívida se elevar todo o ano, esse aumento seria baixo, com o aumento do PIB reduzindo toda a fração dívida/PIB. Escrevo uma equação simplificada da dívida pública/PIB para mostrar essa ideia:

Dh - Dp = taxa de juros*Dp - crescimento econômico*Dp - ajuste,

onde Dh é a dívida de hoje; Dp é a dívida passada; e ajuste é o resultado primário (diferença do gasto do governo com sua receita).

Veja que se o crescimento econômico for superior à taxa de juros que incide na dívida passada (Dp), a diferença Dh - Dp irá se reduzir, ou seja, a dívida cairia ao longo do tempo. Note também que o ajuste (superávit primário) também ajuda a reduzir a dívida. Governo em bom funcionamento consegue gerar superávits primários, convive com taxa de juros baixa sobre a dívida e a razão dívida/PIB é estável com tendência declinante. O Brasil não atende a nenhum desses critérios atualmente. Ainda nem conseguimos convencer a população, políticos e analistas de que é desejável que o governo seja poupador.

Portanto, o equívoco de criticar o pagamento de juros é ignorar que ele é apenas uma consequência da irresponsabilidade do governo em não controlar os seus gastos e de se abster de realizar reformas fiscais. Governos que não arrumam as contas públicas tendem a ter dívida crescente, com pagamento de juros em ascensão. Logo, se torna um fardo cada vez pior honrar esses juros. Mas ainda assim, esses governos deveriam pagar os juros, pois o cenário alternativo é muito pior: crise fiscal, crise econômica, saída de capitais, taxa de câmbio em crescente desvalorização, inflação ascendente e dificuldade de financiar os gastos públicos. Em uma palavra, algo similar com o que ocorre na Argentina. 

No Brasil, praticamente nenhum político deseja arcar com o custo de realizar um ajuste fiscal. Gastos teriam de ser reduzidos e cortados: a população e a mídia iriam gritar. Desta forma, que continuemos a conviver com taxa de juros elevada, dívida pública crescente e pagamento de juros que retiram recursos públicos. O paciente que se recusa a se submeter ao tratamento sofre com as dores de sua doença. Estamos neste estágio. Mas que não cometamos o erro (um pouco infantil eu diria) de acusar o sistema financeiro de drenar recursos públicos. Vivemos apenas as consequências da inépcia do governo, compactuada com a população, de não realizar ajuste fiscal estrutural e reformas. 









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