sábado, 7 de outubro de 2023

Resenha: 12 Regras para a Vida: Um Antídoto para o Caos (Jordan Peterson)

A segurança da Ordem, a incerteza do Caos e onde pisamos: Um Guia de sobrevivência para nossas dificuldades

12 regras


Não tem muito tempo que escrevi a resenha do livro Além da Ordem: Mais 12 Regras para a Vida, de Jordan Peterson, e aqui está outra resenha do mesmo autor. Continuo com o padrão de ler obras publicadas no sentido contrário de suas datas. Além da Ordem é o livro mais recente de Peterson (publicado em 2021), enquanto 12 Regras para a Vida: Um Antídoto para o Caos foi publicada em 2018, sendo sua obra mais famosa - e sem dúvidas superior em densidade, profundidade, conteúdo e argumentação do que Além da Ordem. Juntas, ambas as obras fornecem 24 diretrizes/dicas para lidarmos com as dificuldades mundanas. 

Em 12 Regras para a Vida, Peterson descreve a dicotomia entre ordem e caos. Ordem é o previsível em nossas vidas, o território explorado, conhecido. Construímos planos e metas de acordo com a previsibilidade, considerando o funcionamento da sociedade e suas instituições. Por outro lado, caos é o inexplorado. Caos nos tira de nossa vida pacata. Pode nos surpreender. Não pense em caos como algo essencialmente negativo. No arcabouço de Peterson, caos é a trajetória que se desvia da ordem. Quando desejamos fazer algo novo, por exemplo em nossas carreiras, temos de abandonar um pouco da ordem e experimentar o caos, o novo, o inédito, o desafio, que irá exigir que nos superemos - o famoso sair da zona de conforto. Nunca é um processo indolor ou confortável. Mas teremos recompensas caso decidamos lidar um pouco com o caos. 

Caos também denota acontecimentos ruins em nossas vidas. A analogia do livro é com a serpente do Jardim do Éden. Não importa o quão bem (ou segura) nossas vidas se mostrem, há sempre a possibilidade de que algo que nos tire de nosso equilíbrio ocorra. Nossas expectativas irão desmoronar. Peterson afirma que, muito provavelmente nos últimos 5 anos, algum evento desafiador, marcante, talvez trágico, tenha ocorrido conosco (ou com alguém muito próximo, nos afetando indiretamente). Quem não experimentou tal coisa é uma exceção - a recomendação é que se prepare, pois tal coisa irá ocorrer (aconteceu comigo). Em uma palavra, "life is suffering" (A Vida é Sofrimento). Como a Vida é Sofrimento, sempre teremos de lidar com dificuldades - as famosas pedras de Carlos Drummond de AndradeDaí temos 12 regras para nos auxiliar quando o caos nos atingir. 

Vou discuti-las brevemente. A Regra 1 nos diz que devemos nos portar com confiança e otimismo, ainda que fracassemos em nossos objetivos - acredite, o número de fracassos superam de longe os sucessos; o ponto é obter algumas vitórias e acumulá-las, e continuar batalhando (minha trajetória profissional e pessoal tem sido assim). Peterson realiza vasta discussão envolvendo lagostas (lagostas!), caminha pela história, discute hierarquias - em resumo, e este é um dos pontos fortes da obra, cada capítulo engloba um rico cenário cultural, literário e científico, o qual o autor utiliza para avançar sua ideia. Às vezes não é muito claro como a discussão irá chegar na regra estabelecida, mas termina por dialogar com ela. Uma forma de termos confiança é andarmos eretos, ombros levantados, pois hormônios e estímulos do nosso corpo irão ser liberados, terminando por realmente afetar nosso comportamento (novamente sobre minha experiência pessoal - e a de pessoas próximas -: não sei explicar o porquê nem o como, mas quando nos tornamos confiantes, as possibilidades, chances e oportunidades tendem a aparecer.

A Regra 2 recomenda que nos cuidemos como se merecêssemos. Quando um amigo próximo está passando por um momento ruim, o que você diz a ele? Qual a recomendação? Em geral, será algo que irá ajudar a minimizar o seu sofrimento. Faça o mesmo por você. Uma dificuldade é que como nos conhecemos muito, sabemos de nossos defeitos - o passado nos persegue -, e de intenções pouco lisonjeiras; tendemos a nos tratar mal, como uma autopunição - ponto muito bem ilustrado no livro O Caçador de Pipas, quando o protagonista enfrenta o seu passado, tentando se resgatar e se salvar de seu trauma (não dei spoilers). 

A Regra 3 faz o alerta para o nosso círculo próximo: faça amizades somente com pessoas que desejam o melhor para você. Cuidado em querer ter uma vida social com quaisquer pessoas - menos pode ser mais. Peterson fornece duas dicas para filtrar essas amizades: i) se quando algo bom ocorre com você, o seu amigo reage de forma a te reduzir, e ii) quando você está se sentindo mal, e o outro não te escuta, não se importa muito; provavelmente você não está conversando com um amigo - tampouco alguém que esteja do seu lado. Amigos são peças raras. As redes sociais vieram para nos confundir.

Se compare com o que você foi ontem, e não com outra pessoa (Regra 4). Dadas nossas particularidades (são inúmeras), faz pouco sentido basear nossas vidas com a de outros. Todavia, a busca do aperfeiçoamento pessoal em relação a nós mesmos é um jogo no qual podemos vencer - e merece ser vencido. O que miramos é o que conseguimos ver. Se sua mira está na vida de outra pessoa, a sua própria pode ficar em segundo plano - o famoso não se olhar no espelho. 

A Regra 5 fornece dicas para a educação e crescimento dos filhos (é a regra mais sem graça no livro, então darei pouco espaço para ela). A Regra 6 recomenda que arrumemos primeiramente nossa casa antes de sairmos criticando e desejando alterar todo o mundo. É uma crítica aos revolucionários, aos regimes (socialismo) que tentaram modificar sociedades inteiramente, com pouco respeito à ordem vigente, à tradição construída ao longo dos séculos. 

Persiga o que é significativo, e não o que é conveniente (Regra 7). Como humanos, sempre temos de lidar com o problema temporal entre a gratificação de hoje com uma possível recompensa superior no futuro. Essa troca de prazer envolve sacrifício - trabalho. Poupar é um ato desprovido de prazer, ao passo que consumir gera a famosa dopamina. O fácil e rápido pode nos seduzir. Como se manter motivado? O que é significativo? Carl Jung nos diz que nenhuma árvore cresce até o céu sem antes ter mergulhado suas raízes nas profundezas do inferno. Talvez quando estivermos em uma crise profunda iremos achar a resposta do que é significativo. Não será fácil, ou prazeroso, mas pode valer uma vida, remodelando inteiramente nossa existência. Esse capítulo é uma profunda discussão dessa temática. 

Na opinião do autor, a principal regra é a oitava: Diga a verdade, ou pelo menos não minta. Se queremos nos conhecer, temos de nos revelar para os outros, e a única forma de conseguirmos fazer isso é dizendo a verdade, vivendo de forma transparente e honesta. Pequenas mentiras, por mais que nos aliviem de pequenos problemas diários, podem virar um vício. Nossas vidas são construídas pelos pequenos fatos diários. E se essas pequenas mentiras se acumulam? O que viramos? 

Questionei essa regra com a pessoa que me apresentou a obra de Jordan Peterson (ganhei esse livro como presente de aniversário), minha irmã psicóloga.  Ela me disse que essa regra pode se chocar com a ausência de habilidade social: em alguns momentos, a pura verdade pode não ser o melhor caminho. Talvez um meio termo seja o mais recomendável. O que você diria para uma pessoa em dificuldades pessoais, com baixa auto estima, e próxima da depressão: algo encorajador ou a verdade sem rodeios (que poderia confirmar todo esse quadro e até aprofundá-lo)? Bem, essas considerações apenas mostram que, embora a verdade seja o melhor caminho (acredito nisso), ela deve ser pensada caso a caso dentro do contexto social e profissional.

A Regra 9 é uma que tenho seguido à risca: Assuma que a pessoa com quem você conversa tem algo a te ensinar. E normalmente as pessoas sempre têm algo a oferecer! Como somos seres sociais, precisamos de laços com outras pessoas (não necessariamente amizades). Escutar ativamente (aquela escuta na qual você presta atenção, participa e até opina de forma construtiva) pode incentivar o outro a compartilhar conhecimentos, ajudá-lo a se entender (pois pensamos quando falamos) e nos recompensar com o fortalecimento desses laços. 

Seja preciso no seu discurso (Regra 10). Saiba dizer claramente o que deseja, o que fará. Construa metas claras. Não faça rodeios. Indefinição nessa parte pode prejudicar nossa busca por objetivos. O problema dessa precisão é que nossos problemas e questões internas mal resolvidas podem emergir! (O caos). Poderemos sofrer lembrando e lidando com essas coisas, mas também podemos nos reerguer mais fortes, sabedores de nossas fraquezas.

A Regra 11 recomenda que não sejamos ressentidos. Se o sucesso de outra pessoa te aborrece, reflita. Por que isso acontece? É inveja? A ascensão do outro faz com que você veja e encare a sua própria estagnação e falta de vontade? Se esse é o caso - e para isso precisamos sermos honestos conosco (regra 8) e precisos na nossa auto avaliação (regra 10) -, mude. Faça um plano para que você possa sair desse estado. O que mais vejo são pessoas ressentidas. E como esse sentimento é pouco lisonjeiro, tais pessoas o mascaram utilizando subterfúgios - apontando defeitos secundários nos outros. Quem irá dizer abertamente que não gosta de tal fulano porque tem inveja dele? A inveja é mal vista, ela é mesquinha. Portanto, a regra seguida é mirar em outros defeitos no próximo. Outro erro, pois veja que a regra 4 nos diz para nos compararmos conosco, não com os outros! Podemos sempre aprender com nossos erros e avançar. 

A última regra argumenta que podemos obter pequenos prazeres em dias terríveis. Talvez uma xícara de café pode amenizar um dia ruim. Uma caminhada pode reduzir o estresse diário. Pequenos atos podem nos mostrar que vale a pena continuar avançando, batalhando, ainda que o sofrimento e dificuldades abundem. Estamos todos batalhando, com sucessivas dificuldades. Peterson é um grande exemplo dessa luta incessante; como ele próprio reconheceu (em podcasts), sua personalidade tem uma leve tendência à depressão. Além disso, problemas familiares (em especial com sua filha) o atingiram. Tal luta o motivou a escrever essa obra, a compartilhar dicas para lidar com o caos, com a serpente que nos espreita - e que nos atingirá em algum momento. 

Todos estamos lutando atualmente. Peterson, minha irmã - uma grande lutadora, que aos poucos vai avançando em suas dificuldades, sempre se levantando com mais experiência e sabedoria (ainda que ela não reconheça ou veja tais atributos) -, o seu namorado, meu irmão mais velho, meus amigos próximos, eu (mas reconheço que sou um pouco fechado e não compartilho abertamente), colegas de trabalho, minha família; não há exceção (daí a miopia de invejar a vida alheia!). A vida é difícil, como diz a obra de Kieran Setiya, mas podemos usar ferramentas que nos ajudem a lidar com essa tribulação. Podemos emergir mais fortes e preparados. E Peterson nos ajuda nessa empreitada, com os seus livros e podcasts





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