sábado, 31 de agosto de 2024

Resenha: Como o Mundo Ficou Rico (Mark Koyama e Jared Rubin)

Razões do sucesso econômico (e dos fracassos econômicos)

crescimento econômico


Como o Mundo Ficou Rico: As Origens Históricas do Crescimento Econômico discute um tema importante, amplamente analisado, e ainda controverso contemporaneamente. O que explica a disparidade de riqueza entre países? Por que alguns são tão ricos, como os Estados Unidos da América (EUA), e outros tão pobres, como o Haiti? Ou ainda, por que países como a Argentina e a Venezuela, vistos como países prósperos décadas passadas, se tornaram vistos como fracassos econômicos? Esse é o tema do livro, o qual é discutido e debatido com mérito e precisão científica, sem deixar a leitura monótona e chata (tarefa difícil em temas técnicos).

Segundo os autores, os principais responsáveis pelo crescimento econômico no longo prazo são as instituições políticas e a cultura. Instituições políticas são o inter relacionamento entre a economia e a política, incorporando o Estado de Direito, a capacidade do Estado em agir e regular e suas instituições acessórias (poderes jurídico, executivo, legislativo, agências). Cultura são os hábitos da população, o modo de viver e agir, pensar e atuar. A cultura pode nos direcionar para uma vida mais produtiva e laboriosa ou uma vida pautada pelo equilíbrio e excesso de lazer. Ela pode também dar maior importância à engenhosidade humana. Um importante denominador desses dois conceitos é que eles são inerentemente de longo prazo. Pense comigo: como alterar a cultura de um país em poucos anos? E o funcionamento do aparato político-institucional? Questões espinhosas, sem dúvida. 

A relevância das instituições políticas e da cultura é que o funcionamento dos mercados ocorre dentro desse arcabouço. Não há mercado econômico em um vácuo. O que ocorre é que mercados se desenvolvem e se alteram dentro das regras de sociedades. Se tais regras promovem o avanço desses mercados, isto é, instituições políticas e cultura condizentes com ganhos de produtividade, inovação e proteção à propriedade, é muito provável que essa região irá se desenvolver e se tornar rica. 

O livro desmistifica alguns tópicos, como o de que a industrialização é necessária (ou obrigatória) para o crescimento econômico. Há países que se tornaram ricos pela industrialização, como o Reino Unido, os EUA, e a Alemanha, mas há também aqueles que seguiram caminho diferente, com a produção e exportação concentrada em alimentos e processamento, como a Dinamarca, a Holanda, a Austrália e a Nova Zelândia. Quanta confusão seria evitada se os defensores ferrenhos da industrialização ("a indústria nascente!") soubessem que existem alternativas à industrialização!

E assim chegamos em uma das conclusões mais importantes do livro - e da temática crescimento econômico. Não há bala de prata. Não existe um único caminho para o crescimento econômico. O contexto do país, sua história, geografia, população, e cultura fazem com que cada país seja um caso único. Talvez essa seja a explicação para tanta controvérsia no tema: na ausência de uma receita geral, abre-se espaço para teorias e mais teorias. 

A parte 1 do livro descreve teorias de crescimento. Temos a geografia, instituições, cultura, demografia, e colonização. A geografia pode favorecer o país, por exemplo, por um território dotado de reservas petrolíferas e recursos minerais. Esse foi o caso dos EUA, que além da proeminência tecnológica e da produção em massa, também foi auxiliado por um vasto território com recursos. Todavia, a geografia também pode atrapalhar, aumentando os custos de transações, como territórios recheados de montanhas. O Japão sofreu no passado para lidar com a falta de recursos. 

As instituições incorporam as regras do jogo, como bem colocado por um de seus principais expoentes, Douglass North. Instituições abarcam direitos de propriedade, o sistema legal, o Estado de Direito, e todo o arcabouço jurídico-institucional. No livro Por que as Nações Fracassam, Acemoglu e Robinson dividem as instituições em inclusivas (promovem o crescimento econômico com adequada redistribuição de renda e participação política) e extrativas (priorizam a extração de renda sem a preocupação com o desenvolvimento econômico). Dependendo do funcionamento das instituições, os mercados não se desenvolvem, e quando mostram potencial, são engolidos pelas instituições extrativistas. Veja o Brasil e as capitanias hereditárias impostas por Portugal no século XVI. Essa concessão de privilégios monopolistas em extrair renda e dominar terras gerou e ajudou a promover uma desigualdade enraizada e uma cultura de privilégios que o país sofre em eliminar. Instituições são persistentes ao longo do tempo. Há alta persistência temporal (efeito do passado em explicar o presente e o futuro). É difícil discutir crescimento econômico sem citar instituições. 

A cultura, de forma semelhante com as instituições, molda o caráter nacional e a moralidade dos mercados. Uma cultura conivente com "espertezas", "jeitinhos", não é uma cultura que auxilia o desenvolvimento econômico. Sim, se contextualizarmos o livro com a situação brasileira, entenderemos melhor os problemas estruturais do país. E argumentações simplistas como a de que o equilíbrio fiscal é a panaceia para o crescimento caem por terra (mas o país precisa de ajuste fiscal para crescer! É uma condição necessária, mas longe de ser suficiente!). 

A demografia pode auxiliar o país com a geração de mão de obra. Mas pode atrapalhar caso exista um excesso de pessoas. Alguns países conciliaram moderado crescimento populacional com o investimento em capital humano (qualificação profissional e educacional). A colonização, como adiantei, pode travar o futuro do país. Embora a colonização não devesse ser usada como desculpa pelo fracasso. Há colônias que se tornaram ricas e prósperas. A Austrália foi uma colônia penal, composta por presidiários. Hoje é um país desenvolvido. 

A segunda parte da obra discute o porquê da Revolução Industrial ter ocorrido na Inglaterra. Não é óbvio pois ao longo da história econômica muitos outros países e sociedades foram ricos. Holanda, Espanha, China, Itália com o Império Romano, a Grécia de Atenas e Esparta dominaram o globo, mas por que o início do crescimento econômico moderno, sustentado (que não cessa, se prolonga ao longo dos anos), ocorreu na ilha inglesa? 

Em resumo, a explicação decorre de vários pequenos acidentes históricos específicos à Europa. No passado, a Europa era composta por vários centros de poder (grande divisão de povoados, países, jurisdições), os quais contribuíram para que o poder emanado do rei ou do governo não fosse irrestrito. A peste negra jogou os salários reais dos trabalhadores para cima, enfraquecendo o sistema de servidão da idade média. 

Especificamente na Inglaterra (nos anos de 1600 a 1750), ela era um país relativamente pacífico, tinha um mercado econômico em nascimento, indivíduos eram consumidores (não somente produziam o que iam consumir, mas iam ao mercado), era um país "industrioso" (pessoas trabalhavam para poder consumir). Além desses fatores, a Inglaterra tinha mão de obra qualificada, o governo era limitado pelo parlamento (devido aos séculos de batalhas jurídicas e revoluções), e a cultura promovia inovações. Olhe quantos fatores! Como afirmar que a Inglaterra se sobressaiu devido a somente um fator? Foi a conjunção de todos esses fatores. Somente a Inglaterra os apresentava. O país conseguiu conciliar a produção científica com a habilidade mecânica de sua mão de obra. Um feito e tanto para um país que saía da Idade Medieval.

As demais revoluções industriais ocorreram em diversos países. Elas se basearam em sucessivas inovações tecnológicas. E este é o fator que explica o crescimento econômico. Enquanto instituições políticas, a cultura e outros fatores tornam o crescimento econômico favorável, é o progresso tecnológico, em última instância, que o desencadeia e o propicia. Sem progresso tecnológico, iríamos estagnar. O progresso tecnológico quebra barreiras, cria novos espaços e trajetórias, permite fazer o mesmo de forma mais rápida, eficiente, barata e dinâmica. Não é uma coincidência que o Vale do Silício, onde se encontram as maiores empresas de tecnologia (Meta, Google, Microsoft, Apple, e futuras startups) do mundo e as universidades de ponta, esteja localizado nos EUA.

Como eu disse, o livro consegue entregar o prometido, com leitura fácil e dinâmica. Há muitas figuras e gráficos ajudando a perceber as mudanças na sociedade ao longo dos anos. Sem dúvidas, é um livro que agregará conhecimento aos leitores. 








      

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