Pode ser, a depender de outros indicadores
A pergunta do título tem assombrado a cabeça do presidente dos EUA, Donald Trump. Desde que assumiu a presidência, no início desse ano, Trump tem assustado o planeta com sua política de tarifar as importações de praticamente todos os países.
O Brasil não escapou. Recebemos uma tarifa de 50%.
Até mesmo ilhas inabitadas por humanos foram taxadas. Neste caso, os seus moradores, inocentes pinguins, foram taxados.
O primeiro passo é entender o que é déficit comercial.
Déficit comercial ocorre quando as importações de bens e serviços superam as exportações de bens e serviços. Os EUA tem déficit comercial com a China porque os americanos importam mais mercadorias dos chineses do que exportam.
É realmente um problema ter déficits comerciais?
Não, meu caro, não é um grande problema.
A resposta depende da conjuntura, fundamentos econômicos e desempenho da economia.
Quando analisamos quão bem um país está, do ponto de vista macroeconômico, devemos olhar para os seguintes indicadores:
1) Crescimento econômico (aumento do PIB)
2) Nível da inflação
3) Níveis das taxas de juros
4) Taxa de câmbio
5) Investimento/PIB e Poupança/PIB
6) Contas fiscais
7) Contas externas (aqui entra o déficit comercial)
8) Progresso tecnológico
9) Dinamismo da economia (criação de novas empresas, novas vagas de trabalho, comportamento do mercado de ações)
10) Burocracia e regulação (aparato institucional)
10 indicadores!
E por que Trump foca somente no déficit comercial?
Na minha opinião, Trump foi levado por parte do debate que considera o déficit comercial um grande problema.
O déficit comercial está inserido nas contas externas, que se dividem em transações correntes e conta capital. Se há déficit comercial, então possivelmente o país terá um déficit na conta corrente, gerando um déficit corrente.
Por pura contabilidade, o país terá a conta capital positiva, portanto, terá superávit na conta capital. Devemos somar o déficit corrente com o superávit na conta capital. Se o resultado for positivo, o país terá um saldo externo positivo, com o acúmulo de reservas internacionais.
Tudo bem?
Depende.
Como o país tem déficit na conta corrente, ele se endivida com capital internacional (é o superávit na conta capital). Como toda dívida, e essa dívida é em moeda estrangeira, ela deverá ser paga com o acréscimo de juros. Problemão?
Depende de novo!
Se o país usa esse financiamento para se tornar mais produtivo, então o país se torna mais rico e possivelmente conseguirá pagar a dívida internacional sem problemas.
Veja que nesse caso o déficit comercial (que está dentro do déficit corrente) se converte em maior produção e produtividade.
E esse parece ser o caso dos EUA, pois o país tem crescido relativamente bem nos últimos anos, gerando inovações tecnológicas e produzindo empresas de alcance global.
Se o déficit comercial fosse um problema, deveríamos notar queda significativa no desempenho dos EUA. Mas não é o que os dados mostram.
Mesmo o acúmulo de déficits comerciais com alguns países também não é um problema. Faz parte do funcionamento de economias a ocorrência de déficits e superávits comerciais.
Nunca foi um problema.
O problema é se o país vacilar nos pontos que elenquei acima - incluindo acúmulos de déficits comerciais.
Neste caso, o país tenderia a ter dívida crescente, queda do crescimetno econômico, taxas de juros altas, depreciação cambial persistente e parcas reservas internacionais (o Brasil tem alguns desses problemas).
Em outras palavras, o país caminharia para uma crise fiscal. Ou crise de confiança. Ou crise da moeda.
Inevitavelmente, o resultado seria ruim.
A ideia de que déficits comerciais é ruim vem do mercantilismo, sistema de produção que vigorou nos séculos XV e XVIII (1500 a 1799).
No mercantilismo, países tomavam medidas, como a imposição de tarifas comerciais, para proteger empresas nacionais, reduzir as importações e gerar superávits comerciais. Tudo o que Trump sonha em fazer.
O mercantilismo caiu, pois a teoria estava incorreta e a sua prática era insustentável (imagine o cenário no qual todos os países se retaliam com tarifas: teríamos a paralização do comércio internacional).
Trump me parece ter nostalgia do mercantilismo.
Todavia, como informou o jornal The New York Times, os EUA tem obtido altíssimas receitas fiscais advindas das tarifas aduaneiras. Essas receitas ajudarão o país a lidar com sua dívida pública e déficit público. Talvez a intenção de Trump desde o início tenha sido essa: tarifas para fechar as contas fiscais.
Mas também nesse caso o uso de tarifas não é muito bom.
Tarifas são impostos, que elevam o custo de vida das pessoas e desaceleram a economia.
Quem diria que um político republicado (com inclinação política de direita) teria tanta inclinação para tributar!
Portanto, ter déficits comerciais não é um problema. Devemos nos atentar para a imagem geral do país, incorporada pelos 10 indicadores acima.
Caso o país mostre indicadores insatisfatórios, então há problemas com a economia (é o caso do Brasil). Mas olhar somente para o déficit comercial é um retrato incompleto.
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Como novidade do Velha Economia, estou criando vídeos no Youtube, no canal do Velha Economia. Fiz um short para esse artigo:

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