sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Resenha: A Consciência de um Liberal (Paul Krugman)

Obra para entender os EUA do presente e talvez do futuro

EUA trump


Paul Krugman é uma das exceções entre economistas. É um economista que migrou da carreira acadêmica, recebendo o Nobel de Economia em 2008, para a de articulador com o público geral, não acadêmico. Funcionou. Krugman coleciona best sellers e é um influente pensador contemporâneo, escrevendo constantemente no jornal The New York Times. A Consciência de um Liberal segue a segunda parte de sua carreira, a de se comunicar com o mundo não acadêmico. 

A premissa do livro é a preocupação de que a economia dos Estados Unidos (EUA) se tornou mais desigual e mais polarizada. Krugman compara os níveis de desigualdade de renda com os dos anos de 1940 a 1960, quando ocorreu a Grande Compressão.

A Grande Compressão foi um conjunto de políticas criadas pelo presidente Franklin Delano Roosevelt que deu origem ao Estado de Bem Estar Social dos EUA. Essas políticas representaram o aumento da tributação sobre as classes de renda alta, programas públicos auxiliando as classes de renda baixa e média, o fortalecimento dos sindicatos e a regulação em diversos setores econômicos do país. O resultado foi a criação de uma grande classe média. 

Esse ponto é importante. Para Krugman, a existência de uma larga classe média não é um resultado automático de economias: somente ocorrerá por meio da criação de políticas públicas que forcem esse resultado. Daí a "compressão": rendimentos dos mais ricos não eram tão distantes dos rendimentos do restante da população. 

Esse não é mais o caso.

Tudo começou a mudar pelo movimento conservador. Esse movimento é composto por organizações televisivas (como a Fox), institutos de pensamento e demais organizações que auxiliam na propagação de ideias radicais. Como esse movimento tomou forma e se tornou protagonista no destino dos EUA?

Para Krugman, em meio ao período de forte crescimento econômico com a queda da desigualdade de renda, havia grupos insatisfeitos com alguns traços da economia. Havia famílias riquíssimas que odiavam pagar impostos, havia empresas que odiavam regulações e havia intelectuais que não concordavam com o Estado de Bem Estar Social. Mas eles eram grupos marginais, não eram representativos da população. Portanto, não conseguiriam mudar o pensamento padrão. 

Então novamente vem a pergunta, como o movimento conservador se tornou o que é?

A união desses grupos com outros grupos radicais, como os anticomunistas, pessoas que não gostavam da existência da classe média e outras tantas pessoas insatisfeitas com a distribuição de recursos públicos se uniram. Acharam um movimento que poderia dar voz para suas reclamações. E esse movimento era o movimento conservador. 

(o Brasil atualmente tem esses grupos, caro leitor - talvez não tão fervorosos contra o comunismo).

Krugman considera que a questão da raça e da escravidão ainda influencia os desdobramentos políticos do país. O autor considera que há um componente racista do movimento conservador com negros. Evidência disso é a inexistência, durante a escrita dessa obra (2007), de um sistema de saúde nacional amplo, nos moldes de países europeus e até mesmo do Brasil. 

A elite e demais grupos do movimento conservador barravam a criação desse sistema em parte devido aos seus beneficiários, negros e imigrantes. Seria uma coincidência Donald Trump, discípulo do movimento conservador, ter a pauta de expulsar imigrantes como uma de suas principais políticas?

O livro de Krugman envelheceu bem. Ele ajuda a compreender a disputa política de seu país. Talvez até mesmo tenha acertado em assinalar que o país teria presidentes radicais. Eu considero Donald Trump radical por pelo menos 4 pontos: i) a (péssima) política de tarifar praticamente todo o planeta, ii) reduzir impostos em meio a um déficit público, iii) expulsar em massa imigrantes e iv) sua falta de tato em assuntos geopolíticos e diplomáticos.

E Krugman está correto em suas críticas e propostas?

Krugman pede pela expansão do Estado de Bem Estar Social. Isso representa o aumento de programas públicos, como a provisão de saúde para todos. Defende maior tributação sobre os super-ricos, sobre empresas que usam artifícios para pagarem menos impostos (como o offshore), o aumento do salário mínimo e o fortalecimento de sindicatos. 

Embora o autor não tenha afirmado claramente, todas essas políticas implicariam no aumento de impostos sobre todo o país

Outro ponto ignorado por Krugman é que o partido Democrata, no qual ele é defensor, também realiza estratégias de influência por meio da mídia, institutos e financiamento de campanhas. Tudo não muito diferente do que ocorreu com o movimento conservador e que atualmente o partido Republicado empreende. 

Claro, Krugman tem o viés de defender um lado. Todavia, que fique claro tanto o seu viés quanto a sua falta de ênfase em mostrar esses pontos. 

A ascensão de Donald Trump também elucida que há enorme insatisfação dos americanos com a economia, com o posicionamento internacional do país e com pautas culturais, como a de gênero. O ex-presidente Biden, do partido Democrata, não conseguiu melhorar a insatisfação reinante.

Algo parecido ocorre aqui no Brasil. A ascensão de Jair Bolsonaro incorpora insatisfações de grupos populacionais, como os religiosos. Como Trump, há pessoas insatisfeitas com o "politicamente correto", com a própria economia, com o resultado das políticas realizadas pelo partido dos trabalhadores (PT) no passado recente e com o alto nível de corrupção. Daí a vitória de Bolsonaro nas eleições de 2018.

Não é um absurdo a vitória de Bolsonaro, como não será um total absurdo se outro presidente, carregando pauta parecida com a dele, vencer no futuro as eleições presidenciais do Brasil. 

Essas considerações passam despercebidas por Krugman. Em um momento, me pareceu que o autor quase caiu na simplificação (incorreta) de discutir política separando o grupo dos "bonzinhos" (democratas) com os "malvados" (republicados). Essa simplificação ocorre aqui no Brasil.

Vale lembrar, esse é um dos motivos de nossa discussão política ser tão superficial, rasa e, portanto, ruim. 

Para finalizar, o livro de Krugman é muito bom. Me fez refletir sobre esses pontos, sobre os acontecimentos atuais e sobre o Brasil. Minhas considerações são apenas para alertar o leitor sobre o viés que Krugman carrega em suas páginas. 

E eu ainda prefiro o Krugman economista, sem essa imersão que ele teve em sua carreira com a política. Me parece que afetou sua análise, se tornando menos imparcial.

O Krugman de que sou fã, com pouco viés político e foco maior na economia escreveu esses dois livros abaixo.

Era das Expectativas Reduzidas - resenha aqui

A Crise de 2008 e a Economia da Depressão - resenha aqui

 




















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