sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Quem paga os privilégios?

Por trás de toda desoneração tributária, há o custo imposto sobre outros



A ideia de criar um imposto nos moldes da antiga CPMF se enquadra na percepção correta de que se há concessão de isenções tributárias, portanto, queda do total das receitas, essa redução deve ser contrabalanceada com corte nos gastos (caminho preterido em debates fiscais no país) e/ou aumento das receitas com a criação de impostos. 

A queda de receitas decorre da desoneração da folha salarial para 17 setores concedida pelo governo Dilma Rousseff. A medida não funcionou na época, sob os auspícios de que fomentaria o aumento da demanda e, por conseguinte, a produção. Por outro lado, os beneficiários gostaram da medida, e passaram a pressionar para a sua permanência. É uma infeliz ocorrência no cenário econômico brasileiro: subsídios temporários se tornam permanentes ao longo do tempo. 

De minha parte, uma de minhas principais objeções a essa desoneração para 17 setores é a exclusão dos demais setores. Do ponto de vista econômico, é tênue a argumentação de que alguns setores conseguem promover em maior grau crescimento econômico generalizado partindo de seus ramos. Melhor opção teria sido a concessão do benefício de forma irrestrita para todos os setores, ou seja, uma política de redução de impostos homogênea e horizontal, sem discriminações. Ao diferenciar a tributação por setores, altera-se o custo e o retorno relativo de investir nesses segmentos. Se antes planos de investimento se baseariam em fundamentos econômicos desses setores, com a tributação essas decisões podem se pautar prioritariamente por causa da diferenciação dos custos tributários, relegando os fundamentos econômicos a papel secundário, isto é, alguns setores se tornam artificialmente mais atrativos do que outros (Zona Franca de Manaus é um exemplo extremo). Esse tipo de intervencionismo e discriminação dá origem a um ambiente com distorções nos incentivos. Não espanta que tal política tenha fracassado no objetivo de estimular a economia. 

A concessão de benefícios tributários sem parâmetros muito claros ilustra a utilização indevida dos recursos públicos. O Brasil não sofre primordialmente de escassez de recursos financeiros. Nosso problema é a alocação desses fundos. Da despesa primária, os maiores gastos se concentram nos benefícios previdenciários e nos encargos do funcionalismo público. Como não conseguimos reduzir de forma significativa essas despesas, outras despesas, de mérito incontestável, como gastos em saúde, educação e segurança, têm de se conformar com menor quantidade de recursos. 

Talvez o teto do gasto público tenha subestimado a dificuldade de conciliar gastos de acordo com o benefício que estes podem promover. Educação e saúde se enquadram no conceito de externalidade, portanto, precisam da complementaridade do gasto público com a provisão pelo setor privado. Adicionando o fato de que temos problemas nessas áreas, como a incapacidade de ofertar esses serviços a determinados segmentos da população, torna-se imperioso reavaliar a distribuição da despesa primária. 

Dessa forma, como não aprofundamos a discussão na realocação do gasto público para melhores fins, e tampouco medidas concretas foram tomadas para aprimorar o quadro, resta olhar para o lado dos impostos. Nesse ponto entra a CPMF. A imposição de impostos sobre a população é algo impopular, todavia, mais fácil de executar do que o corte de gastos. 

No passado, havia a possibilidade de tributar a população de forma escondida, pouco visível e entendida, pelos preços crescentes (senhoriagem, usando o termo técnico). O Plano Real eliminou essa alternativa. Nesse caso, o aumento do endividamento público foi o caminho tomado. Como toda dívida deve ser paga em algum momento no futuro, pode-se dizer que as gerações futuras estão sendo tributadas pelos gastos de hoje.

O último agravante que apontarei nessa discussão é o de que a "CPMF" seria criada para compensar a concessão de um benefício questionável. Como falei anteriormente, a discricionariedade na concessão de isenções fiscais para 17 setores não é prática recomendada. Na falta de vontade política em eliminar esse privilégio, joga-se o seu custo sobre todos os brasileiros. Privilégio para alguns, custo para todos. 








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