segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Resenha: O Poder da Destruição Criativa (Aghion, Antonin e Bunel)

Autores mostram benefícios e riscos trazidos pela destruição criativa, e o que fazer para mitigar os últimos

Poder da destruição criativa


O livro (The Power of Creative Destruction, no original) é uma continuação da obra de Schumpeter, Capitalismo, Socialismo e Democracia, quando o economista austríaco criou o conceito de destruição criativa. Destruição criativa elucida uma das principais características de economias de mercado: a constante inovação tecnológica, tornando produtos e formas de produção atuais obsoletas, sendo substituídos por novos produtos, máquinas e tecnologias que causam reviravoltas no mercado, trocando as empresas líderes e pavimentando novos caminhos a serem explorados.

Os três autores do livro são pesquisadores que há décadas têm se dedicado a esse tema, especialmente Aghion, renomado economista de Harvard. Enquanto Schumpeter mostrou o caminho, Aghion o explorou de forma intensa, com os resultados de seus trabalhos apresentados e discutidos neste livro. 

Dessa forma, a ideia central é a de que a destruição criativa é essencial para o capitalismo (como os autores utilizam esse termo, também o utilizarei aqui, contudo, não sou um grande fã dele. Já expliquei alhures o porquê), pois historicamente o avanço no padrão de vida proporcionado pelo capitalismo decorreu, precipuamente, por causa das seguidas destruições criativas. Contudo, e esse ponto é relevante e seguirá durante toda a obra, há riscos intrínsecos a esse processo, os quais não podem ser negligenciados. 

Para conciliar uma economia vibrante, com seguidas inovações tecnológicas, e proteger o ambiente que proporciona as condições para as inovações, os autores defendem que o capitalismo deve ser regulado pelo governo. Se deixado funcionar livremente, empresas que se tornaram líderes irão buscar formas de minar a competição, bloquear a entrada de concorrentes, tentarão perpetuar posições monopolistas. Essas empresas utilizariam, por exemplo, do lobby para dobrar políticos e criar legislações favoráveis aos seus interesses. Em outras palavras, elas buscariam o rent-seeking (na definição de Douglass North, é o ganho monetário desprovido de prestação de serviço, mantido por causa de mecanismos estranhos ao mercado). Do lado dos indivíduos, a destruição criativa, ao remunerar demasiadamente os inovadores e empreendedores, pode agravar a desigualdade de renda da faixa do 1%, e colocar em risco os trabalhadores com habilidades que se tornaram defasadas.

Ao mesmo tempo em que o governo deve minimizar esses riscos, se comportando como um segurador e protetor das condições materiais e psicológicas dessas pessoas - lembre-se que o desemprego carrega pioras dos estados mentais de algumas pessoas -, ele também deve exercer papel ativo no processo de fomento. Na primeira função, os autores a denominam de insurer state, um governo que fornece programas que amenizam o choque adverso, por exemplo com o seguro desemprego e treinamentos técnicos para capacitar desempregados a entrarem novamente no mercado de trabalho. A segunda função, investor state, é o governo que complementa e fornece infraestrutura para gerar ambiente propício ao surgimento de inovações - função útil também para direcionar inovações para fontes menos agressivas ao ambiente (green technologies). Há um path dependence na geração de inovações. Para quebrá-lo, políticas públicas fornecendo incentivos são eficazes. 

O investor state tem como justificativa a existência de externalidades positivas advindas da educação e da inovação (tratei de externalidades aqui). Colocando de forma simplificada. Quando gastamos determinada soma de dinheiro em nossa educação, ou na de outra pessoa, consideramos apenas os benefícios que virão para nós, mas não consideramos o benefício para a sociedade. Desta forma, os gastos privados em educação tendem a ser inferiores ao nível ótimo, aquele que geraria maiores ganhos para toda a sociedade. O governo, portanto, pode intervir nessa conjuntura ofertando bolsas de estudo para incrementar o mercado. No caso da inovação, há variadas políticas como subsídios para pesquisa e desenvolvimento (P&D), abertura comercial (sempre ela!), financiamento da educação superior, criação de agências de pesquisa e desenvolvimento do mercado financeiro. É desejável também melhorar a alocação de recursos, com a saída de empresas pouco produtivas para ceder espaço para as mais avançadas, ponto que é tabu no debate econômico brasileiro. 

Outro ponto controverso é a política industrial - também fonte de equívocos aqui no Brasil. Para os autores, esta não deveria ser implementada sem rigor. Eles elencam dois pontos que essa política deveria atender. O primeiro é que o governo deveria focar, primeiramente, em setores para melhorar o impacto que estes causam sobre o meio ambiente, e desenvolver fontes de energia sustentável. Feita essa etapa, o próximo passo seria focar em setores com mão de obra qualificada ou que apresentam elevada competição. Em nenhum momento há menção de estabelecer impostos de importação que inviabilizam ou que oneram desproporcionalmente a entrada de produtos sofisticados, ou a geração de "campeões nacionais" para liderar o crescimento, ou a necessidade imperiosa e inadiável de industrializar o país. Pelo contrário, mostram que há evidências de que a fase da industrialização pode ser evitada, com a passagem direta de economias agrícolas para a de serviços

Na parte final do livro, abandona-se tópicos estritamente de economia e se aventura-se na política. A tese levantada é a de que para que tenhamos uma sociedade que consiga aumentar o padrão de vida da população, permitindo a destruição criativa, e protegendo os seus trabalhadores, ela deve equilibrar o dinamismo do mercado com o Estado e a sociedade civil. Uma tríade de difícil administração. A teoria do corredor estreito, de Acemoglu e Robinson, logo me veio à mante quando li sobre essa tríade. Para a dupla, toda sociedade está em constante conflito entre a concessão de poder para o Estado, para este implementar políticas, e o poder para os seus cidadãos, para que consigam frear o Estado e avançar pautas populares, como programas sociais. Aghion, Antonin e Bunel adicionam o mercado, engrenagem que viabiliza a destruição criativa, a qual promove o aumento de renda das pessoas e possibilita que os Estados forneçam bens públicos e protejam a população de choques adversos. Citando o prêmio Nobel francês, Tirole, o governo deve proteger a pessoa, não o emprego. Essa é uma das mensagens do livro.

Empregos se modificam porque a destruição criativa torna algumas ocupações obsoletas. Esse tipo de alteração foi acelerado pela Covid-19. A propósito da pandemia, ela recebe atenção por ter evidenciado a necessidade do insurer state na saúde. Segundo os autores, é impossível que sociedades modernas não atribuam papel relevante para governos na área de saúde - ponto sensível na discussão de políticas nos Estados Unidos. 

Em resumo, os autores mostram que o capitalismo não é um sistema perfeito. Ele é permeado de riscos. E o governo pode melhorar essa esfera ao agir de forma pontual e correta. Todavia, seria um erro pensar em abandonar o capitalismo, visto todas as melhoras proporcionados por ele nos últimos dois séculos. Daí a importância da participação da sociedade civil no debate, para que consiga avançar pautas e desejos, conciliando-os com o mercado, e o governo utilizando o poder executivo para implementá-las. 




2 comentários:

  1. Obrigada pela resenha! Sabe se consigo encontrar esse livro em português?

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    1. Por nada. O livro ainda é muito recente (publicado em 2021), então deve demorar um pouco para receber tradução em português. Eu também tenho dúvidas quanto a viabilidade comercial dele, porque a sua leitura não me pareceu direcionada para o público leigo, mas principalmente para um público do campo de estudo.

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