terça-feira, 26 de abril de 2022

Resenha: O Capital no Século XXI (Thomas Piketty)

Piketty argumenta que a desigualdade de renda se elevou, colocando em risco a estabilidade de regimes democráticos 

capital no seculo 21


O Capital no Século XXI causou enorme discussão nos meios acadêmicos após a sua publicação em 2013. Ainda que o seu tema - desigualdade de renda - recebesse a atenção de analistas e economistas, com publicações de trabalhos e livros durante décadas, foi este livro que colocou de vez o tópico desigualdade como uma das principais pautas mundiais, destacando-o como potencial fonte de problemas para as sociedades contemporâneas. 

O seu argumento central é o de que a desigualdade de renda se elevou nas últimas décadas, especialmente após as décadas de 1970 e 1980. Veja por exemplo, no gráfico abaixo, retirado do próprio livro, que a parcela da renda nacional fluindo para os mais ricos nos Estados Unidos (EUA), depois de uma queda após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), voltou a crescer significativamente após o período mencionado.

capital no seculo 21

Sem dúvidas a desigualdade de renda nos EUA é um tema quente, permeado de controvérsias. Uma das dificuldades de discuti-lo é a ampla variedade de dados, bem como definições e tratamento da base usada, gerando informações confusas e prejudicando a conversão nos resultados. Piketty tem o mérito de apresentar uma grande base de informações - o que é um ponto forte do livro, com a exibição de gráficos auxiliando na argumentação, além de fornecer ao leitor informações históricas relativas à desigualdade.

A desigualdade teria se elevado devido à disparidade entre as taxas de crescimento do retorno do capital e de crescimento econômico. A primeira taxa se relaciona com aplicações financeiras, valorização imobiliária e outras formas nas quais o dinheiro pode ser investido para ser retirado com o acréscimo de juros. Essa taxa de retorno do capital, normalmente denominada de r, estaria em patamar superior ao da taxa de crescimento da produção, g. Portanto, teríamos r > g

A implicação prática de um baixo g é a de que a economia não estaria crescendo muito (caso brasileiro atualmente), os mercados não criariam tantas oportunidades de emprego e de renda. Teríamos uma economia com baixa inovação, caracterizada pela baixa mobilidade dos fatores de produção (trabalho, capital físico). O surgimento de novas empresas seria moderado. Consequentemente, a mobilidade social seria baixa. Nessa economia, dada a disparidade de ativos financeiros, majoritariamente possuídos pelos mais ricos, essa elite tenderia a concentrar quantidade crescente de renda e capital, pois o retorno dessas aplicações seria superior ao crescimento da produção. Pense em uma sociedade pouco móvel, com o acréscimo de que a elite tenha meios e mecanismos de prosseguir com a valorização de suas riquezas. Essa é a ideia apresentada por Piketty.

O desdobramento dessa crescente desigualdade seria a desestabilização de sociedades democráticas baseadas na justiça social. Se após as Guerras Mundiais parte da economia mundial convergiu para criar uma sociedade com rendimentos mais próximos, tanto com crescentes salários para trabalhadores quanto ascendentes lucros para os empresários, a quebra desse "contrato", ou "pacto" poderia criar tensões. Essa tensões teriam potencial para fomentar grupos ou movimentos contrários ao regime democrático, dado que não veriam benefícios advindos do atual arranjo institucional. O Brexit na Inglaterra e a ascensão de regimes autoritários parecem fortalecer esse prognóstico. 

Praticamente todo livro de economia voltado para os EUA se atém aos efeitos da globalização comercial e financeira sobre trabalhadores de baixa qualificação. Embora a globalização gere ganhos agregados para ambos os países envolvidos, há perdedores, e estes passam a criticar a ordem vigente. Nos EUA, parte da população que não se beneficiou da integração econômica passou a compor um crescente coro contra a globalização. Em outros países esse traço também é perceptível, como no Reino Unido. 

Piketty destaca a desregulamentação financeira como fator que impulsionou a disparidade de renda. Essa desregulamentação foi caracterizada pela abertura dos mercados financeiros, pela possibilidade de aplicar a moeda doméstica em diferentes partes do mundo. Esse processo facilitou a criação de instituições financeiras, como os fundos mútuos e de pensão, além de facilitar a fusão entre bancos. Tornou-se mais fácil explorar segmentos da economia para extrair maior rendimento. Em resumo, essa política facilitou o aumento do retorno do capital, o r.

Por outro lado, o crescimento da produção tem deixado a desejar, isto é, o g não acompanhou o ritmo de r. Resultado: os ricos se tornaram mais ricos. A desigualdade se espalhou, enraizando ressentimento nas parcelas populacionais que ficaram estagnadas. 

O aumento da desigualdade de renda não se restringe somente aos EUA, como é ilustrado no gráfico abaixo. Piketty afirma que esses países seguiram políticas econômicas semelhantes às dos EUA, gerando quadro parecido no campo da desigualdade.

capital no seculo 21

Entretanto, segundo o autor, a evolução da desigualdade depende da configuração institucional e da política econômica implementada. A desigualdade crescente não é um processo automático, varia de acordo com a escolha do kit de políticas. Para ilustrar esse ponto, o gráfico 3 mostra a desigualdade de renda de alguns países europeus e do Japão. O contraste é evidente em comparação com os gráficos anteriores: a desigualdade de renda pouco se elevou após as décadas de 1970 e 1980 (alguns economistas que estudam os EUA, como Acemoglu e Robinson, colocam a Suécia como modelo a ser seguido pelo país).

capital no seculo xxi


A comparação da desigualdade entre países faz com que Piketty defenda políticas que consigam reduzir o retorno do capital, como a tributação universal do retorno de aplicações financeiras, bem como o combate aos paraísos fiscais. O modelo escandinavo (Suécia, Finlândia, Noruega) seria preferível ao modelo anglo-saxão (EUA e Inglaterra), pois conseguiria conciliar a economia de mercado com justiça social.

O tópico desigualdade de renda vem sendo discutido e estudado com grande intensidade. Nas recentes edições do livro de introdução de Economia, escrito por Mankiw, o autor questiona se a desigualdade não deveria ser tratada como uma falha de mercado e, nesse caso, exigiria a intervenção do governo para melhorar o resultado agregado (Mankiw também questiona se a extrema pobreza se encaixaria nessa reformulação de falha de mercado). De toda forma, Piketty teve o mérito de trazer os holofotes para esse importante tema, fomentando discussões sobre formas de tratá-la e mitigá-la. 










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