terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Conveniente versus inconveniente


Na dúvida entre benefícios e custos, Tocqueville apresenta uma solução que os norte-americanos souberam utilizar no século XIX


Tocqueville ajuda a pensar

                                   Foto de Manuel Quiroga
Declarações do alto escalão do atual governo, incluindo o próprio presidente, criticando alguns veículos da mídia, com destaque para o jornal Folha de S. Paulo, têm sido comuns desde o início do mandato. O presidente Bolsonaro argumenta que esse jornal propaga inverdades sobre o seu governo, e que persegue alguns de seus aliados, como o seu filho, Flávio Bolsonaro, no caso Queiroz.
Não há novidade entre embates do governo com a mídia. Historicamente essa relação é caracterizada por ser tensa. O filósofo Tocqueville, famoso por estudar os Estados Unidos da América durante o período de maturação de sua democracia (o seu livro foi publicado em 1835), observou que os veículos de comunicação direcionavam críticas pesadas sobre os governantes. Mais do que isso, tais críticas ultrapassavam, muitas vezes, o limiar do que era considerado moral.
Tocqueville questionou se seria oportuno restringir a liberdade de imprensa para as críticas (ou ofensas) realizadas. De um lado, a sociedade não veria no noticiário frases de baixo escalão (algo corriqueiro no noticiário americano do século XIX segundo Tocqueville) e os políticos usufruiriam de maior tranquilidade para governar. Por outro, se aceita-se reduzir a liberdade de imprensa em determinado tópico, qual o limite de cercear a liberdade cada vez mais?
Em uma reflexão apurada, o filósofo apontou que a inconveniência de restringir a liberdade de expressão seria maior do que a conveniência de restringi-la. Os custos superariam de longe os benefícios que poderiam advir. Em uma sociedade com liberdade de imprensa restrita a harmonia entre os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo se torna frágil, perde-se, para citar o ministro da economia Paulo Guedes, o quarto poder da democracia. Inicia-se um movimento de cerceamento da liberdade que pode ser difícil de ser revertido.
Raciocínio similar pode ser aplicado sobre o Banco Central do Brasil. É verdade que essa instituição concentra enormes poderes, os quais dependem de pouquíssimas pessoas para ser operado (9 pessoas), e que suas ações acarretam efeitos em todo o país. Por outro lado, nosso passado em relação à política monetária antes de 1994 é lamentável – expansões despropositadas da moeda causando inflação acelerada até o ápice da hiperinflação da década de 1980.
Resolveu-se o problema da política monetária descontrolada ao conceder o monopólio da emissão de moeda para o Banco Central, ao aumentar sua independência e ao implementar o regime de metas de inflação. Desde essas medidas a inflação brasileira passou a ser controlada e a apresentar baixos níveis – condizente com o padrão mundial.
O grande economista, Milton Friedman, não era favorável a esse acúmulo de poder pelo Banco Central. Argumentava que era perigoso a concentração de poder em poucas mãos – e estava correto ao afirmar isso. Todavia, analisando em retrospectiva a economia brasileira, o atual arranjo não é dos piores, ele garantiu a estabilidade da moeda depois de anos de fortes oscilações e perda constante de poder de compra. Parafraseando Tocqueville, a inconveniência de abandonar esse arranjo seria muito maior do que a conveniência de buscar outra alternativa, pelo menos no presente momento.

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