quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Resenha: Ensaios em Persuasão (John Maynard Keynes)


Ensaios em persuasão é um testemunho do talento de Keynes                         
ensaios em persuasão

Publicado em 1931, esse livro reúne textos escritos por Keynes sobre os principais problemas econômicos da época. Os artigos não se detêm apenas ao campo da economia, relações internacionais, política e filosofia também recebem atenção. Esse ecletismo é uma das principais marcas do economista britânico.
A primeira parte discute as consequências do tratado de Versalhes (1919), acordo assinado pelas potências envolvidas na primeira guerra mundial. A base dessa parte é o livro As consequências econômicas da paz (1919), best-seller escrito por Keynes – o cartão de entrada do autor para o hall da fama internacional. Keynes alerta para o fortíssimo fardo imposto sobre a Alemanha, país parcialmente destruído pelo conflito e, portanto, incapaz de honrar as dívidas de guerra e de reparação. Chama a atenção sobre as consequências – trágicas para o mundo - que poderiam se cristalizar em virtude do caráter opressor do acordo, eliminando quaisquer resquícios de esperança em retomar o antigo padrão de vida anterior à guerra.
Como alternativa, propõe sanções mais brandas sobre a Alemanha e a realização de empréstimos internacionais por parte dos EUA para auxiliar a retomada das nações europeias – essa seria a ideia do Plano Marshall de 1948. A fama de profeta de Keynes advém, em parte, desse livro, com a segunda guerra mundial mostrando o resultado de um povo ressentido e oprimido ao mesmo tempo preso em meio a dispositivos legais para uma possível virada da situação de miséria.
A segunda parte dos Ensaios é dedicada à Grande Depressão de 1929. Keynes mostra os fundamentos da sociedade capitalista, a sua dependência com contratos entre devedor e credor, o papel da confiança na realização de investimentos e evidencia como a deflação poderia solapar esses mecanismos. Segue-se daí que a recomendação seja recolocar a economia na marcha do crescimento, com o gasto público exercendo papel propulsor.
Ao contrário do entendimento de muitos economistas brasileiros sobre Keynes, esse gasto público não ocorreria de forma irresponsável e ilimitada. O autor analisa o orçamento do governo inglês e mostra como o gasto adicional seria financiado. Keynes tinha conhecimento do fato óbvio de que o orçamento público é limitado, e que a sua expansão forçada geraria inflação.
A terceira parte tece vários ataques sobre a adoção da Inglaterra do padrão ouro a uma taxa cambial valorizada. Novamente o autor acerta suas previsões: o país perde competitividade no mercado externo e afunda em crise. O resultado termina pela desvalorização do câmbio.
O restante do livro trata de artigos sobre temas variados, como política e gerenciamento da economia britânica para a segunda guerra mundial. Vale destacar o texto Economic possibilities for our grandchildren, no qual Keynes questiona os desdobramentos da sociedade em meio ao desenvolvimento do capitalismo. Como a economia de mercado eleva o padrão de vida da população de forma gradativa, chegaremos em um ponto no qual o problema econômico, isto é, a questão de termos os meios de sobrevivência – alimentação, vestuário e moradia – será algo superado. Nesse momento, iremos questionar nossos valores. Sob a égide do capitalismo, nossos valores se concentram no amor ao dinheiro: razões financeiras dominam quase todas as nossas decisões. Mas e quando o problema econômico não mais existir? Qual será a moralidade para se seguir? O vácuo deixado pela moralidade do amor ao dinheiro deverá ser substituído por algo. Esse algo para Keynes é o verdadeiro problema, aquele que dará significado para nossa existência.
Ensaios em persuasão é leitura obrigatória para aqueles que querem conhecer melhor o pensamento de Keynes. Perceberão que adjetivos como talentoso, eclético e pragmático se reúnem nos seus textos. Mais importante, talvez, seja contrastar a impressão dessa obra com a definição padrão – e muito pobre – que muitos têm de Keynes. De gastador inescrupuloso surgirá um economista, na melhor definição do termo. 


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