terça-feira, 29 de junho de 2021

Resenha: Ascensão e Queda do Crescimento Americano (Robert Gordon)

Gordon mostra como as inovações do passado contribuíram para o crescimento americano, e pinta quadro sombrio para a expansão da produção no futuro

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Gordon se encarregou de realizar uma tarefa difícil. Datar e explicar as mais importantes inovações tecnológicas dos Estados Unidos (EUA) desde 1870 até os dias presentes. Relacionar essa descrição com a desaceleração do crescimento econômico previsto para as economias industrializadas, incluindo os EUA. Além disso, mostrar como essas inovações aumentaram o padrão de vida dos americanos, ao passo que atualmente este padrão continua se elevando, embora não seja refletido no PIB. A boa notícia é que o ex-aluno orientado pelo famoso Robert Solow conseguiu realizar todo esse trabalho, com extrema acuidade e precisão. 

A divisão da análise em 3 períodos é útil para demarcar as inovações que mais impactaram a vida dos americanos. O primeiro corte temporal, de 1870 a 1940, engloba o surgimento e incorporação do telefone, da eletricidade, veículos automotores, saneamento básico, trânsito público, entre outras. Tome por exemplo o aparecimento de carros. Antes deles, o transporte era realizado por cavalos, mais lentos e que colocavam a população em risco, por causa de seus excrementos, que ficavam jogados na rua, e por falecimentos, os quais, por vezes, levavam 5 dias para serem retirados o corpo do falecido cavalo. Enquanto isso, vermes e doenças se avolumavam na cidade. Com a introdução do automóvel, além do ganho na velocidade e comodidade do transporte, a parte higiênica foi melhorada. 

Esse período é analisado de forma ímpar. Gordon detalha cada inovação, mostra o antes e depois de sua adoção, realiza comparações com ampla utilização de dados e citações de trabalhos acadêmicos. Nesse ínterim, avança uma de suas teses, a de que o indicador da produção, o PIB, não conseguiu incorporar o ganho de bem estar que essas inovações trouxeram para os indivíduos. E essa observação segue presente nos dias atuais: há criação sistemática de produtos que facilitam nossas vidas, mas que têm baixo impacto sobre o PIB, como smartphones com várias funções (pense que você se perdeu em algum lugar desconhecido, e você pode se guiar pelo uso de GPS, ou google maps, ou ligar para um táxi usando o dispositivo, ou ainda, se for uma pessoa calma e com fome, pode pedir comida usando o aplicativo Ifood. Compare esse mesmo problema em décadas passadas). 

Como defendido no também excelente livro Capitalismo na América, os EUA inovaram ao gerar a produção em massa. A princípio, seguindo o exemplo dos automóveis, apenas a elite possuía condições financeiras para adquirir carros, todavia, isso rapidamente se alterou na medida em que veículos se aperfeiçoaram com a concomitante redução de seus preços. Henry Ford aparece como destaque nesse momento. Além de veículos, os EUA adotaram a mesma filosofia de produção para praticamente todos os produtos, inundando as residências dos americanos de classe média com várias comodidades. 

A segunda delimitação usada é 1940-1970, quando os EUA, após a Grande Depressão de 1929 e a superação da Segunda Guerra Mundial, apresentou expressivo aumento tanto da produção quanto a da produtividade. Os salários dos trabalhadores ganharam crescente poder de compra, funcionando como força para impulsar a demanda em um contexto no qual a oferta crescia vigorosamente. Gordon mostra que apesar do quadro sombrio da crise de 1929, este foi um período de crescente inovação tecnológica. 

O último período demarcado é 1970-presente, quando há a afirmação de que o progresso tecnológico se reduziu, algo natural, dado que muitas das inovações do passado são fenômenos que só poderiam ocorrer uma só vez. Ilustrando com um exemplo, pense no saneamento básico. Uma vez fornecido esse serviço público - algo incompleto no Brasil, diga-se de passagem -, o qual conectaria as residências por tubos e escoaria os resíduos para regiões centrais que o tratariam, não há muito o que fazer. O ganho de produtividade e bem estar ocorreu quando em sua implementação. O ganho de bem estar foi visto pela redução das mortes por doenças contagiosas. Mulheres, até então dispendendo longo tempo em tarefas domésticas, tiveram economia de tempo (destaque para a máquina de lavar, usualmente empregada como piada machista, embora seja uma piada sem sentido histórico, dado que foram justamente essas máquinas que libertaram as mulheres da tarefa que mais consumia tempo), podendo vislumbrar suas entradas no mercado de trabalho, movimento que se acentuou com essas inovações. 

Gordon conclui que o crescimento econômico não é um processo regular, a expansão da produção pode ser lenta ou rápida, e parte determinante desse ritmo se deve ao progresso tecnológico, mas se este se desacelerou, uma vez que as inovações mais importantes já ocorreram, o que será do futuro? Neste momento, Gordon conecta a descrição das inovações com a discussão do crescimento futuro dos EUA.

O autor aponta 5 forças que contribuem para gerar um crescimento mais fraco e também menores ganhos de renda pessoal. São elas: 1) aumento da desigualdade de renda; 2) piora da educação; 3) demografia desfavorável (aumento dos idosos e redução da população em idade ativa); 4) crescente dívida pública; 5) inovação tecnológica mais lenta. 

Tome o ponto 4, o fardo fiscal (que sirva de alerta para o Brasil). Gordon nos diz que o contínuo aumento da dívida pública obrigará o país a realizar, em um futuro não muito distante, expressivo ajuste fiscal. Há o aumento no pagamento de benefícios previdenciários (aumento dos idosos) e crescente gasto público na saúde (novamente, por causa dos idosos). Ao mesmo tempo, a geração de receita tributária será mais lenta, dado que o crescimento do PIB tem sido cada vez mais fraco. A saída será (surpresa!) corte de gastos públicos e elevação dos impostos. Nesse caso, possivelmente transferências de renda para indivíduos pobres serão reduzidas, como parte do ajuste. Logo, a renda pessoal se desacelerará (no passado, essas transferências ajudaram a elevar o padrão de vida do americano). Que sirva de alerta para a economia brasileira, a qual caminha para o mesmo imbróglio, com previdência deficitária, crescentes despesas de saúde e população em envelhecimento. 

A última observação que farei é que ao longo do livro, embora realizada de forma sutil, Gordon mostra como o avanço do padrão de vida dos americanos ocorreu com a ajuda do governo, tanto na provisão de serviços públicos (saneamento, estradas) quanto na regulação. No caso dessa última, o capítulo referente ao antes (sem regulação) e depois do setor farmacêutico é sensacional. Em consultas com médicos, americanos eram recomendados a tomarem várias doses adicionais de alguns medicamentos, dado a prática disseminada de adulteração de seus componentes, enfraquecendo a sua eficácia. Outro exemplo é o surgimento da internet, fortemente subsidiada pelos gastos do governo com pesquisa e desenvolvimento. Em uma palavra, é obsoleta a defesa de uma economia desprovida da regulação do governo, o ideal é a complementaridade entre ambos, ponto defendido por Gordon, ainda que de forma implícita. 

O livro fornece ótima noção da história econômica dos EUA e do setor tecnológico, além de discutir os principais desafios deste país - e possivelmente dos demais países avançados, que compartilham alguns dos problemas dos americanos. A obra é muito bem desenvolvida e argumentada, estando entre os melhores livros sobre os EUA que eu já li. 

 



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