domingo, 10 de março de 2024

Sobre a Inveja

Considerações sobre esse sentimento

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Eu terminei de ler o livro Apologia de Sócrates, obra que retrata o julgamento e condenação do filósofo. Logo no início, Sócrates atribui a inveja como um dos fatores que motivaram a sua acusação. Em outro livro, Além do Bem e do Mal, Nietzsche destaca ainda mais as consequências da inveja (ou ressentimento). Segundo Nietzsche, religiões foram erguidas como revanche dos ressentidos contra os demais.

Eu acredito que atualmente esses sentimentos continuam presentes no nosso dia a dia. Obviamente que sempre disfarçados. Admitir ter inveja ou ser uma pessoa invejosa não é algo lisonjeiro. E queremos e desejamos sermos bem vistos e avaliados - inclusive por nós mesmos. Dessa forma, a inveja pode vir mascarada com outros termos. Pode-se não gostar de determinada pessoa por vários motivos, os quais encobrem o principal, a essência: a inveja.

As redes sociais ajudaram os invejosos a darem vazão a esse sentimento preso e encapsulado. É fácil atacar celebridades. Talvez seja por conta disso que alguns analistas e pesquisadores não consideram o que ocorre nas redes sociais como inédito e fruto da modernidade. É o de sempre, mas no mundo digital. Humanos atacam humanos por muito pouco. Sigmund Freud dizia que temos esse instinto pela violência - aqui a violência verbal. 

Uma das cantoras brasileiras mais famosas, Anitta, a depender do público (e talvez da inclinação política do grupo), sofre ataques por conta do erotismo em algumas de suas músicas e apresentações. Argumenta-se que o seu sucesso decorre somente por conta desses fatores. Eu discordo. Considero que o sucesso de Anitta ocorreria mesmo sem o seu erotismo. 

Mas o ponto não é esse. O ponto que quero chamar a atenção é se essas críticas à autora não sejam simplesmente por causa de sua fama, sucesso e riqueza. Ou como os antigos denominam, por causa de sua glória. Quem iria confessar que Anitta é uma presença incômoda por mostrar o que ela alcançou, e que quem a critica almeja ter o equivalente (ou ainda mais!), mas provavelmente não conseguirá? Em outras palavras, qual indivíduo se auto acusaria, dizendo que não gosta de Anitta porque tem inveja dela? Precisa-se possuir elevado nível de honestidade (e talvez de autoconhecimento?) para chegar a essa conclusão. Autoconhecimento porque deve-se primeiro perceber o sentimento de inveja, analisá-lo se ele é derivado por conta da fama e riqueza que não possuímos, e depois se estamos somente o camuflando para parecermos melhores do que somos. É um passo a passo difícil. Uma inspeção interior que poucos fazem - ou que desejam fazer. O que irá sair daí não será um animal bonito. Mas é o único caminho para o aperfeiçoamento pessoal. 

Se refletirmos sobre nossa vida pessoal, e supondo uma reflexão honesta, acharemos momentos nos quais a inveja impulsionou críticas e mal estar com outros. Levantamos razões e explicações para justificar o não gostar de alguém, mas tudo pode ser inveja. Nada de novo sob o sol. 

Jordan Peterson recomenda que não nos tornemos uma pessoa ressentida e invejosa.  Peterson é leitor de Nietzsche, então sofreu a influência do filósofo. A inveja fecha nossos horizontes, pois miramos e balizamos nossas vidas sobre o alvo de inveja. A vida é muito ampla para horizontes restritos. Peterson diz que o indivíduo fraco (com características de inveja) é muito mais perigoso do que indivíduos fortes e confiantes. Ações derivadas da insegurança e inveja causam danos sobre terceiros. 

Na Economia, pesquisadores da economia comportamental mostraram que vizinhos se comparam um com o outro. Ainda que a renda do vizinho A se eleve ao longo do ano, permitindo-o trocar de carro, adquirir novos bens e viajar para lugares famosos, caso a renda do vizinho B tenha se elevado em patamar superior, o vizinho A se sentirá incomodado e aborrecido. É uma contradição porque a métrica é o poder de compra. E o poder de compra do vizinho A se elevou. Mas não se elevou em nível superior ao do seu vizinho! O que realmente importa é o quanto melhor o vizinho A faz em relação ao vizinho B. Algo estranho! Usamos o termo técnico "comparação entre pares", mas isso não passa de inveja. Inveja é um sentimento pervasivo. E que gera resultados estranhos e contraintuitivos.  





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