sexta-feira, 20 de março de 2020

Resenha: Teoria Econômica e Regiões Subdesenvolvidas (Gunnar Myrdal)


Myrdal critica a teoria econômica padrão e propõe uma nova teoria para os países subdesenvolvidos


teoria econômica e regiões subdesenvolvidas




Gunnar Myrdal vivenciou as duas Grandes Guerras mundiais, a Grande Depressão de 1929, a Guerra Fria e as lutas de independência das colônias para se desvencilharem de suas respectivas metrópoles. Essa larga experiência com acontecimentos históricos se refletiu no seu trabalho, como é o caso de sua famosa expressão “Grande Despertar”, denotando a inflexão da discussão em escala internacional da explicação para o atraso econômico das nações pobres.
No livro Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas, Myrdal critica a teoria econômica padrão, a qual se preocupou, até os dias correntes, apenas em atender aos interesses dos países desenvolvidos. Para o autor, isso se torna mais evidente ainda quando se considera os principais nomes de seu pensamento – autores ingleses e franceses. Há uma omissão em relação às economias pobres e atrasadas.
Antes de entrar nessa avenida, porém, Myrdal ataca alguns pontos que considera incorretos na Ciência Econômica, como a diferenciação de fatores econômicos e “não-econômicos”. Estes últimos seriam variáveis como a saúde da população, a cultura e as leis em vigor. Para compreendermos o processo de crescimento econômico, não bastaria nos limitarmos apenas à esfera estritamente econômica, é imperioso considerar toda a sociedade, incluindo os seus problemas de cunho social e político. A conjugação desse processo ocorreria não por meio de equilíbrios estáveis, como prega a teoria padrão, mas por meio de desequilíbrios. O desenvolvimento da economia é um fenômeno inerentemente dinâmico – nesse ponto Myrdal se aproxima muito do pensamento de Schumpeter (resenha de Schumpeter aqui).
O crescimento e o desenvolvimento econômico, tanto das nações ricas quanto das pobres, ocorreriam pelo princípio da causação circular. Essa é uma das grandes contribuições de Myrdal para a economia. Nesse princípio, os diferentes fatores econômicos e não-econômicos se inter-relacionariam de forma a exercerem efeitos mútuos e acumulativos ao longo do tempo. Para ilustrar a ideia, Myrdal cita o caso do racismo dos Estados Unidos. Enquanto o negro sofre preconceito pelo brancos e é excluído da vida econômica e social, essa exclusão acarreta no recebimento de menores salários que reforçam o preconceito já existente. É um ciclo vicioso. Esses efeitos se acumulam de forma a reforçar o padrão existente. Segue-se que uma economia pobre tenderia a ficar cada vez mais pobre, pois a conjugação de seus fatores concorreriam para aprofundar a deterioração de seus fundamentos – fundamentos a princípio problemáticos.
O inverso é válido também. As economias industrializadas e avançadas teriam vantagens competitivas que reforçariam o hiato de riqueza entre os países por meio dos efeitos circulares e acumulativos. O autor destaca o deslocamento da mão-de-obra, o fluxo de capital e a corrente de comércio para evidenciar como esses fatores se comportam de forma a confirmar a sua previsão. O primeiro fator busca maiores salários, o que é atendido pelos países ricos. O segundo fator busca maior lucratividade e segurança, também sendo atendido pelas nações avançadas. Por fim, o comércio flui para esses países porque a demanda por seus serviços é maior nesses centros. Dessa forma, Myrdal mostra pessimismo quanto à evolução da distribuição de renda se deixada pelas livres forças do mercado, o laissez-faire.
A forma de inverter esse processo e torná-lo favorável para os países subdesenvolvidos seria por meio da utilização das ferramentas do Estado. Myrdal é um dos principais teóricos do intervencionismo público para incentivar, promover e acelerar o crescimento dos países em desenvolvimento. As políticas públicas poderiam reverter tendências desfavoráveis nessas nações, como o baixo nível de educação e de saúde da população, e no fronte econômico, conceder subsídios para a expansão da produção agrícola e industrial – no caso do setor primário, estabilizar a grande volatilidade dos preços das commodities, por exemplo.
O autor percebeu que nos países pobres o crescimento do capital não consegue acompanhar o crescimento populacional – ainda que esse país consiga expandir sua estrutura de capital, ele não consegue elevar sua poupança, pois parte da renda tem que compensar o aumento populacional. Outro dado observado é que o analfabetismo é uma constante nesses países – uma população com essa característica seria uma fácil vítima de demagogos e populistas. Para contrabalançar essas adversidades, Myrdal recomenda o controle populacional e uma democracia mais restrita. No caso dessa última, ele diz que “nos países adiantados, o sufrágio político propriamente dito, mediante vários estratagemas, limitou-se aos estratos de renda mais alta, até o fim do processo de desenvolvimento”. Somente depois difundiu-se a participação popular e a emergência do Estado de Bem-Estar – Eugênio Gudin e Roberto Campos utilizariam e citariam Myrdal para justificar política semelhante para o Brasil.
Myrdal foi laureado com o Nobel de economia em 1974. Segundo a instituição que concedeu o prêmio, o motivo foi “for their pioneering work in the theory of money and economic fluctuations and for their penetrating analysis of the interdependence of economic, social and institutional phenomena”. Hoje é consenso pela literatura de crescimento econômico, ao estimar modelos econométricos com dados empíricos, inserir variáveis de crescimento populacional, de saúde, de educação e de qualidade de suas instituições – o que Myrdal chamada de fatores “não-econômicos”. Esse fato evidencia a importância de Myrdal para o prosseguimento dos estudos de crescimento e desenvolvimento.


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