Myrdal critica a teoria econômica padrão e propõe uma nova teoria para os países subdesenvolvidos
Gunnar Myrdal vivenciou as duas Grandes Guerras mundiais, a Grande Depressão de 1929,
a Guerra Fria e as lutas de independência das colônias para se desvencilharem
de suas respectivas metrópoles. Essa larga experiência com acontecimentos
históricos se refletiu no seu trabalho, como é o caso de sua famosa expressão
“Grande Despertar”, denotando a inflexão da discussão em escala internacional
da explicação para o atraso econômico das nações pobres.
No livro
Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas, Myrdal critica a teoria econômica
padrão, a qual se preocupou, até os dias correntes, apenas em atender aos
interesses dos países desenvolvidos. Para o autor, isso se torna mais evidente
ainda quando se considera os principais nomes de seu pensamento – autores
ingleses e franceses. Há uma omissão em relação às economias pobres e atrasadas.
Antes de
entrar nessa avenida, porém, Myrdal ataca alguns pontos que considera
incorretos na Ciência Econômica, como a diferenciação de fatores econômicos e
“não-econômicos”. Estes últimos seriam variáveis como a saúde da população, a
cultura e as leis em vigor. Para compreendermos o processo de crescimento
econômico, não bastaria nos limitarmos apenas à esfera estritamente econômica,
é imperioso considerar toda a sociedade, incluindo os seus problemas de cunho
social e político. A conjugação desse processo ocorreria não por meio de
equilíbrios estáveis, como prega a teoria padrão, mas por meio de
desequilíbrios. O desenvolvimento da economia é um fenômeno inerentemente
dinâmico – nesse ponto Myrdal se aproxima muito do pensamento de Schumpeter (resenha de Schumpeter aqui).
O crescimento
e o desenvolvimento econômico, tanto das nações ricas quanto das pobres,
ocorreriam pelo princípio da causação circular. Essa é uma das grandes
contribuições de Myrdal para a economia. Nesse princípio, os diferentes fatores
econômicos e não-econômicos se inter-relacionariam de forma a exercerem efeitos
mútuos e acumulativos ao longo do tempo. Para ilustrar a ideia, Myrdal cita o
caso do racismo dos Estados Unidos. Enquanto o negro sofre preconceito pelo
brancos e é excluído da vida econômica e social, essa exclusão acarreta no
recebimento de menores salários que reforçam o preconceito já existente. É um
ciclo vicioso. Esses efeitos se acumulam de forma a reforçar o padrão
existente. Segue-se que uma economia pobre tenderia a ficar cada vez mais pobre,
pois a conjugação de seus fatores concorreriam para aprofundar a deterioração
de seus fundamentos – fundamentos a princípio problemáticos.
O
inverso é válido também. As economias industrializadas e avançadas teriam
vantagens competitivas que reforçariam o hiato de riqueza entre os países por
meio dos efeitos circulares e acumulativos. O autor destaca o deslocamento da
mão-de-obra, o fluxo de capital e a corrente de comércio para evidenciar como
esses fatores se comportam de forma a confirmar a sua previsão. O primeiro
fator busca maiores salários, o que é atendido pelos países ricos. O segundo
fator busca maior lucratividade e segurança, também sendo atendido pelas nações
avançadas. Por fim, o comércio flui para esses países porque a demanda por seus
serviços é maior nesses centros. Dessa forma, Myrdal mostra pessimismo quanto à
evolução da distribuição de renda se deixada pelas livres forças do mercado, o
laissez-faire.
A forma
de inverter esse processo e torná-lo favorável para os países subdesenvolvidos
seria por meio da utilização das ferramentas do Estado. Myrdal é um dos
principais teóricos do intervencionismo público para incentivar, promover e
acelerar o crescimento dos países em desenvolvimento. As políticas públicas
poderiam reverter tendências desfavoráveis nessas nações, como o baixo nível de
educação e de saúde da população, e no fronte econômico, conceder subsídios
para a expansão da produção agrícola e industrial – no caso do setor primário,
estabilizar a grande volatilidade dos preços das commodities, por exemplo.
O autor
percebeu que nos países pobres o crescimento do capital não consegue acompanhar
o crescimento populacional – ainda que esse país consiga expandir sua estrutura
de capital, ele não consegue elevar sua poupança, pois parte da renda tem que
compensar o aumento populacional. Outro dado observado é que o analfabetismo é
uma constante nesses países – uma população com essa característica seria uma fácil vítima de
demagogos e populistas. Para contrabalançar essas adversidades, Myrdal
recomenda o controle populacional e uma democracia mais restrita. No caso dessa
última, ele diz que “nos países adiantados, o sufrágio político propriamente
dito, mediante vários estratagemas, limitou-se aos estratos de renda mais alta,
até o fim do processo de desenvolvimento”. Somente depois difundiu-se a
participação popular e a emergência do Estado de Bem-Estar – Eugênio Gudin e
Roberto Campos utilizariam e citariam Myrdal para justificar política
semelhante para o Brasil.
Myrdal
foi laureado com o Nobel de economia em 1974. Segundo a instituição que concedeu o
prêmio, o motivo foi “for their pioneering work in the theory of money and
economic fluctuations and for their penetrating analysis of the interdependence
of economic, social and institutional phenomena”. Hoje é consenso pela literatura de crescimento econômico, ao
estimar modelos econométricos com dados empíricos, inserir variáveis de
crescimento populacional, de saúde, de educação e de qualidade de suas
instituições – o que Myrdal chamada de fatores “não-econômicos”. Esse fato
evidencia a importância de Myrdal para o prosseguimento dos estudos de
crescimento e desenvolvimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário