sexta-feira, 8 de outubro de 2021

O que é preferível? Políticas discricionárias ou regras?

Em períodos pontuais, discricionariedade pode ser mais eficiente, no restante, regras é caminho mais seguro

rmi teto do gasto brasil economia


Nos anos de 1970 e 1980, foi comum a conjuntura econômica marcada por preços elevados em diversas economias. Dos fatores normalmente elencados, destacam-se a utilização de políticas fiscal e monetária expansionistas e choques de oferta, notadamente os aumentos do preço do petróleo promovidos pela OPEP. No caso das políticas econômicas, evidenciou-se a limitação de gerenciar o crescimento econômico expandindo gastos e a moeda. Duvido que Keynes concordaria com o tipo de keynesianismo praticado nesse período.

A superação desse cenário envolveu o desenvolvimento de novas teorias tanto para refutar antigas práticas quanto para projetar novas diretrizes. Uma delas foi a discussão de políticas discricionárias. A inflexão que esse tópico causou pode ser mais bem ilustrada observando o comportamento do banco central.

Atualmente, a maioria dos países adota o regime de metas de inflação (RMI), no qual a autoridade monetária se compromete a perseguir determinado nível de inflação, com um pequeno intervalo de tolerância para desvios - com o intuito de acomodar choques transitórios. Implicitamente, esse arranjo reduz o grau de discricionariedade da política monetária.

Vamos considerar o cenário antes do RMI (período pós Segunda Guerra Mundial até 1980), e o cenário com o RMI. No cenário desprovido do RMI, o banco central poderia seguir outros objetivos, como promover o aumento da renda, coordenando suas ações com a do governo. De fato, tais esforços ocorreram. Governos expandiam o gasto público enquanto os bancos centrais forneciam maior quantidade de moeda. No longo prazo, hoje sabemos (na época não era muito claro, e foi aprendido de forma dolorosa), o resultado é apenas aumento dos preços, hiperinflação se essa estratégia é seguida à risca por prazos mais elásticos. Nesse cenário, o banco central dispõe de larga margem de liberdade para implementar a política monetária. 

Um dos principais críticos dessa liberdade desfrutada para estabelecer níveis de moeda e de taxa de juros foi Milton Friedman, sob o argumento de que todo excesso de poder, independentemente de quão benévolo seja o responsável por exercê-lo, é prejudicial para a sociedade. Na visão de Friedman, o banco central tinha excesso de poder, pois poderia facilmente acarretar crises de falta de liquidez caso seguisse uma política monetária excessivamente restritiva (é a explicação que o economista deu para a eclosão da Grande Depressão de 1929). 

Desta forma, o RMI foi uma forma de reduzir esse grau de discricionariedade. Pelo RMI, como discuti nesse texto aqui, o banco central está limitado a objetivos institucionais. No presente caso, entregar a taxa de inflação para o valor previamente acordado pelo conselho monetário. Portanto, as ações desse banco passam a se pautar para colocar a inflação sob controle. Não conseguindo realizar esse objetivo, o presidente do banco central deve se explicar publicamente o porquê do fracasso de sua estratégia.

A vantagem da política por regras, como o RMI, é que ela reduz possíveis abusos. Na área fiscal, as regras de ouro e o teto do gasto, ambos explicados aqui e aqui, são formas de disciplinar as autoridades que exercem influência sobre as contas públicas. Tome o teto do gasto como exemplo. Sem ele, o gasto fiscal do Brasil nesse ano provavelmente já teria subido às alturas, dada a vontade dos poderes Executivo e Legislativo em ampliarem as transferências de renda para os brasileiros, além da proximidade das eleições. Ao implementar uma restrição fiscal intertemporal, o teto impôs uma regra a ser seguida pelos políticos e técnicos, também estreitando a margem de liberdade para seguir outros caminhos, ou seja, reduziu-se a discricionariedade.

As evidências empíricas jogam a favor de regimes com regras. Imagine como as contas públicas do Brasil estariam caso regras fiscais fossem seguidas à risca. Todavia, o que temos são manobras que possibilitam "driblar" tais normas. O último e infeliz exemplo foram as "pedaladas fiscais" e a contabilidade criativa de Dilma Rousseff, o início da deterioração fiscal da economia brasileira, na qual Temer tentou conter, com o teto do gasto, Bolsonaro iniciou o seu governo enfrentando-a, com a reforma da previdência. Mas a crise fiscal ainda perdura nos dias de hoje - com a piora de cenários futuros, dado o clamor do governo em expandir o gasto sem possuir receitas. Ainda não sabemos quando essa crise será resolvida, embora as medidas para sua solução sejam conhecidas.

Tivemos hiperinflação até a implementação do Plano Real de 1994, e o fortalecimento da estabilização dos preços com o RMI de 1999. O banco central deixou de ser uma fonte geradora de preços crescentes, se afastando de seu passado pouco honroso em relação a esse quesito. Falta implementar (e cumprir!) regras fiscais para que a administração das finanças públicas seja mais profissional e sustentável. Embora em outros países a concessão de maior discricionariedade na política possa funcionar, não sou otimista para esse arranjo em solo brasileiro. Ainda temos de vencer os fantasmas de populismos fiscais, de teorias de que o gasto se autofinancia, e de políticos se esforçando em expandir gastos com baixo retorno social. Em resumo, melhorar a compreensão de gasto público, impostos, eficiência e retorno social. Depois disso, podemos discutir discricionariedade. 



 



Nenhum comentário:

Postar um comentário