quinta-feira, 18 de março de 2021

Resenha: Contas Públicas no Brasil (Felipe Salto e Josué Pellegrini)

Obra ajuda a entender a atual crise fiscal, mostrando, além disso, possíveis alternativas para superá-la

crise fiscal reformas previdência


O livro Contas Públicas no Brasil tem como objetivo esmiuçar os conceitos e as estatísticas das finanças do Estado brasileiro, ao mesmo tempo propondo reformas e indicando pontos que podem ser melhorados. Dada a atual crise fiscal que o país enfrenta, o livro chega em momento oportuno.

Um dos tópicos discutidos é o de que arrecadamos fatia do PIB comparável à dos países avançados, enquanto o retorno desse gasto para benefício da população é inadequado. Em outras palavras, enfrentamos uma elevada carga tributária. Dois fatores podem explicar esse crescimento dos impostos. O primeiro é que historicamente, em conjunturas de ajuste fiscal, optamos por elevar os impostos em detrimento de cortar os gastos. O segundo é a Constituição de 1988, que representou a expansão dos gastos para financiar políticas públicas e direitos individuais. 

Não seria um problema muito grave caso nós brasileiros tivéssemos retorno adequado dos impostos, todavia, como é mostrado e argumentado no livro, o gasto realizado pelo governo não conseguiu reverter problemas sociais como a pobreza e a desigualdade - sempre em comparação com os demais países. Embora em um dos capítulos seja mostrado que avançamos nas áreas da educação com a maior inserção de jovens nas escolas, bem como na saúde, com maior atendimento em comunidades de baixa renda, poderíamos ter feito mais com o total arrecadado. O Estado brasileiro sofre de baixa eficiência do gasto público, no sentido de elevar o bem estar de sua população. 

Essa informação nos remete à falta de avaliação e monitoramento de políticas públicas. O ideal seria que todo programa público mostrasse uma análise de custo e benefício, justificando a realização de determinado gasto. Caso tal análise mostrasse maior benefício, teríamos argumento para propor a continuação da política, ou talvez o seu prolongamento. Entretanto, temos essa omissão. Tome por exemplo o Simples Nacional, subsídio que pequenas e médias empresas recebem. Sem maiores detalhamentos dessa política, ela foi crescendo em escopo ao longo do tempo, e ainda hoje sofre pela falta de análises de custo e benefício (com a honrada exceção para o livro Causas e Consequências da Informalidade no Brasil, o qual realizou essa análise, mostrando que o custo-benefício é desfavorável tanto para os cofres públicos quanto para a economia no geral). 

Justificando o momento atual de crise fiscal, e tendo como principal proposta esclarecer esse tema aos leitores, o livro fornece abrangente análise dos fatores que nos colocaram nessa situação. Os principais pontos são: i) contabilidade criativa; ii) ausência de reformas fiscais  para controlar o crescimento do gasto obrigatório; iii) disfuncionalidade do sistema tributário. A contabilidade criativa foi mecanismo artificial, inadequado, ilegal e temerário  utilizado durante o governo de Dilma Rousseff (2011-2014) para mascarar a piora das contas públicas. Por meio dela, por exemplo, despesas que deveriam ser contabilizadas no presente foram postergadas para o ano seguinte, o que melhorava as contas do ano em questão, enquanto jogando o problema para o futuro (atualmente vivemos esse futuro).

A respeito do ponto ii), as duas principais despesas de gasto primário do governo são os benefícios previdenciários e o gasto com o funcionalismo público. Realizamos uma reforma previdenciária em 2019, a qual recebe um capítulo detalhando-a e avaliando-a. Por outro lado, estados ficaram de fora dessa reforma, o que pode comprometer ainda mais as contas estaduais. Não obstante essa ausência, essa reforma é bem avaliada pelo livro, a qual conseguirá desacelerar o crescimento do gasto previdenciário. 

Mas é insuficiente, pois o gasto com o funcionalismo e o desrespeito às regras fiscais continua ocorrendo em todo o país - como ilustra o não cumprimento por todos os estados do percentual máximo de 60% das receitas correntes líquidas destinadas ao funcionalismo. Não basta ter regras claras e objetivas, há o desafio de fiscalizar o seu cumprimento e coibir possíveis violações. 

Há um capítulo que propõe novas regras fiscais, como a criação de gatilhos que desacelerem o gasto público, reforma realizada nesse mês, e a criação de uma âncora para a dívida pública/PIB, a qual especificaria determinado percentual de endividamento para ser perseguido. É provável que essa reforma também ocorra ainda nesse ano. 

Outros tópicos de leitura interessante são a análise do Teto do gasto, do gasto mínimo especificado por lei para a saúde e para a educação e a perda de potência do gasto público em um cenário de crescente endividamento público. Bem fundamentados e argumentados por meio de gráficos e experiências internacionais, os autores se posicionam de forma favorável aos dois primeiros temas, e se colocam de forma contrária no terceiro, sinalizando para os riscos que gastos públicos adicionais podem representar em um ambiente de restrição fiscal. 

O livro é especialmente recomendável para leitores interessados em compreender de forma mais profunda os problemas fiscais do país. Além do aprendizado dos tópicos brevemente descritos anteriormente, terá maior noção da relação entre equilíbrio das contas públicas e crescimento econômico. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário