sexta-feira, 7 de maio de 2021

Resenha: Por que o Brasil Cresce Pouco? (Marcos Mendes)

Ambiente de elevada desigualdade com democracia explicaria lentidão do crescimento



Após a leitura do excelente livro de Marcos Mendes, Por que é Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?, fiquei interessado em ler outro livro escrito pelo mesmo autor: Por que o Brasil cresce pouco? Na verdade, errei na ordem de leitura dos livros. Este livro diagnostica e propõe uma teoria para explicar nossa dificuldade de crescer, enquanto o outro apresenta soluções, as reformas. 

A tese é a de que a conjunção de um sistema político democrático com uma sociedade com elevada desigualdade de renda produz cenário propício para a estagnação da produção. O Estado, procurando atender demandas dos mais variados grupos sociais, termina por estender o gasto fiscal por meio de desonerações tributárias, subsídios e financiamentos vantajosos - sem deixar de mencionar a criação de leis e regulamentos concedendo benefícios específicos. O resultado é a formação do modelo de baixo crescimento com distribuição dissipativa

Vamos entender essa definição por partes. A primeira parte, "baixo crescimento", representa a perda de dinamismo produtivo em virtude das diversas distorções criadas pelo governo sobre a economia. A parte final, "distribuição dissipativa", concerne ao gasto fiscal realizado de forma pouco eficaz: crédito subsidiado do BNDES para grandes empresas, zona franca de Manaus e deduções no imposto de renda são exemplos de políticas que beneficiam as classes mais ricas, algo incompatível com uma sociedade altamente desigual, ao mesmo tempo dispendendo dinheiro público.

Políticas visadas a beneficiar os mais pobres e vulneráveis também faz parte dessa definição. Marcos Mendes mostra que o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a previdência social, juntos, auxiliam muito mais classes abastadas do que os propriamente destituídos de recursos. 

Uma forma de compreender a existência dessas distorções é o comportamento de rent-seeking - termo famoso usado pela literatura que explica o crescimento econômico pelas instituições (ver Acemoglu e Douglass North). Rent-seeking é a capacidade de grupos pequenos, mas bem organizados (empresários de um ramo específico, alta burocracia, juízes etc), extraírem renda sem a contrapartida de produzir, ou seja, conseguem influenciar criações de novas leis que os beneficiam diretamente em detrimento da população (exemplos abundam, como as elevadas tarifas aduaneiras protegendo a indústria nacional da competição externa: o resultado são produtos importados - e nacionais - mais caros pagos pelos brasileiros, ou a possibilidade de juízes receberem remunerações acima do teto constitucional: novamente, estes se beneficiam, enquanto todo o restante da população banca o fardo por meio do pagamento de impostos). 

A Constituição de 1988 é um exemplo do estabelecimento do rent-seeking de forma legal. Vários grupos conseguiram colocar privilégios na Carta Magna, como professores e juízes com aposentadorias especiais. Como afirmou de forma precisa Jorge Caldeira no ótimo livro História da Riqueza no Brasil, essa Constituição foi excessivamente detalhista em algumas oportunidades, brechas que legitimaram vantagens para alguns em detrimento da maioria. 

Ponto interessante defendido por Mendes é o de que fatores como a baixa poupança nacional, a infraestrutura debilitada e a incerteza jurídica, não obstante prejudiquem o crescimento econômico, não são a causa desse, mas sintomas do arranjo democrático com alta desigualdade: "Em vez de serem a causa do baixo crescimento, essas peças do quebra-cabeça são apenas sintomas ou causas imediatas. Uma causa mais profunda seria, justamente, a coexistência de desigualdade e crescimento". Hipótese que merece ser analisada e testada por meio de investigação empírica em maiores detalhes no futuro, como eu mesmo pretendo fazer.

No final do livro, Mendes arrisca sugestões para superar esse quadro, como o combate à desigualdade de renda com a ascensão de uma classe média mais numerosa, a qual reduziria a pressão por políticas sociais e exigiria melhores serviços públicos - as manifestações de 2013, durante a Copa das Confederações, poderiam simbolizar esse desejo. Essa classe média poderia reduzir o rent-seeking no país, embora esse resultado não seja certo. 

É nessa parte que o livro posterior, Por que é Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?, foi escrito, procurando mostrar soluções para o problema levantado no livro sob a presente resenha. Por isso que a ordem ideal de leitura é a recomendada no primeiro parágrafo. Reformas, o Brasil precisa, necessita, almeja por reformas, as quais poderiam eliminar o excesso de distorções e de comportamento oportunista por grupos. Ao mesmo tempo, temos de ser vigilantes para que, como advertido por Mendes no livro posterior, contrarreformas não ocorram, desfazendo progressos construídos (arduamente) ao longo do tempo - para citar uma contrarreforma, basta lembrar do desrespeito da administração de Dilma Rousseff pela Lei de Responsabilidade Fiscal criada em 2000, a qual tinha como principal função disciplinar o gasto público. A própria presidente confessou ter sido este um dos erros de sua administração). Essa contrarreforma explica tanto o impeachment sofrido em 2016 quanto a atual crise fiscal que enfrentamos.  

Dos livros de economia que propuseram explicar o baixo crescimento brasileiro, este é um dos melhores que já li. Argumentação construída por meio da discussão de trabalhos acadêmicos, amplo uso de dados respaldando afirmações e desenvolvimento inteligente da proposta são traços que colocam essa obra como leitura indispensável para compreender os problemas econômicos do Brasil.




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