segunda-feira, 26 de julho de 2021

Odebrecht e o capitalismo de compadres

Privatização resolveria a corrupção entre empresas e políticos?

odebrecht políticos


Na discussão de privatização, um dos principais argumentos levantados para defendê-la é o de que o nível de corrupção se reduziria, dado que estatais são facilmente preenchidas com cargos por indicação política, ignorando a contribuição que o recém empossado empregado dará à empresa. 

É verdade que temos esse problema no cenário nacional. Como temos um sistema político com mais de 30 partidos, torna-se muito difícil construir coalizões para aprovar reformas. O caminho seguido é o de fornecer benefícios ao "centrão", como empregos em estatais, emendas parlamentares e cargos em ministérios, em troca do apoio por meio de votos nas casas legislativas (Congresso e Senado). As estatais entram como moeda de troca nessa intermediação. Caso fossem privatizadas, deixariam de constar como ativo político, uma vez que a operacionalização passaria para o setor privado. 

Um problema desse raciocínio é o de considerar, de forma implícita, que a corrupção ocorre somente entre políticos e estatais. Exemplo significativo e marcante foi o da Odebrecht, irrompido durante a Operação Lava Jato. O grupo Odebrecht é privado, entretanto, se imiscuiu nas teias da ilegalidade em vários frontes no Brasil. O Departamento de Operações Estruturadas (DOE), eufemismo para o setor que distribuía propinas em troca de privilégios, conseguiu aprovar e dobrar inúmeras emendas, medidas provisórias, créditos do BNDES, editais, licitações e subsídios. Como não existe almoço grátis (principalmente no mundo político), o DOE era pródigo em pagar caixa dois e propinas. No final das contas, era um "investimento" muito vantajoso, uma vez que os benefícios que a Odebrecht obtinha atingiam bilhões de reais. 

Meu ponto é: se a Odebrecht é uma empresa privada, como se sustenta o argumento de que privatização é a panaceia para a corrupção? A verdade é que não o é. Seria injusto apontar apenas a Odebrecht como atuante nesse tipo de prática. Outras empreiteiras (para ficar no setor da Odebrecht) também praticavam a mesma ilegalidade, como Camargo Corrêa e Andrada Gutierrez. 

O relacionamento promíscuo entre Estado e setor privado é alvo de inúmeros estudos. Uma definição acertada é a utilizada pelo economista de Chicago, Luigi Zingales, de que não deveríamos confundir pautas pró-negócios com as pró-mercado. As primeiras são simplesmente empresários pleiteando privilégios (os tipos Odebrecht, ou FIESP, ou o movimento recentemente criado, Instituto Brasil 200) ao passo que pró-mercado são de fato propostas que transformariam a economia brasileira em uma economia de mercado, pela definição de livros de Ciência Econômica, isto é, com abertura comercial, respeitos aos preços de mercado, ausência de subsídios injustificados para empresas nacionais e incentivo à entrada de multinacionais. Por essa definição, percebe-se o baixo apelo que tais propostas representam para o empresariado. Qual empresário gostaria de ver maior concorrência em seu setor, reduzindo sua fatia de mercado e, por consequência, o seu lucro, com o aumento do risco de falência (em um cenário pessimista)? Adam Smith já percebeu essa questão e a discutiu no seu livro, A Riqueza das Nações. Em resumo, Smith afirmou que deveríamos estar atentos ao discurso de "ajudar o país", quando na verdade o protecionismo desejado seria voltado apenas para algumas poucas empresas. Poucos ganhariam enquanto a maioria arcaria com o custo da política. Consequência inevitável de qualquer tipo de privilégio injustificado. 

Vale apontar também que essa relação de políticos privilegiando poucas empresas não se restringe somente ao Brasil. Ocorre no mundo inteiro. Ela foi indicada, por exemplo, como um dos fatores para a eclosão da crise asiática de 1997. Naquele período, foi denominada de "capitalismo de compadres".  

Voltando ao argumento de privatização e corrupção. Penso que essa relação, se existir, não seja tão clara de ser assinalada. Em um país marcado pela concessão e troca de privilégios, não seria a troca do tipo de administração que reduziria significativamente essa prática. Prefiro o argumento de Acemoglu e Robinson, de que a melhora e evolução do quadro institucional (cumprimento das leis e contratos, punição para quem infringe as regras, cultura que condena comportamentos lesivos ao interesse coletivo etc) é caminho mais confiável para o combate à corrupção do tipo políticos/empresas. Privatizar estatais pode até ajudar, mas extirpar o conluio de políticos com empresas seria algo difícil de ocorrer, como mostrou a Odebrecht a poucos anos.  





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