quinta-feira, 29 de julho de 2021

Resenha: A Economia dos Pobres (Abhijit Banerjee e Esther Duflo)

Livro derruba preconceitos e levanta teorias e políticas para combater a pobreza

banerjee e duflo


O livro A Economia dos Pobres foi lançado em 2011 com grande repercussão nos meios acadêmicos. O recebimento do prêmio Nobel pela dupla ainda estava distante, tal honraria ocorreria somente no ano de 2019. Neste ano, outro excelente livro seria publicado pelos dois economistas, com resenha disponível nesse blog, Boa Economia para Tempos Difíceis

Quem teve oportunidade de ler qualquer uma dessas obras sabe que elas criticam teorias difundidas, ou a sabedoria convencional, propõem novas formas de enxergar problemas e traçam respostas para mitiga-los. Dadas as especialidades dos autores, a investigação parte sempre da ótica microeconômica, com destaque para testes de controle com amostras. 

Logo no início é afirmado que políticas para melhorar a vida dos pobres precisam ser focalizadas (well-target). Não basta apenas despejar recursos, deve-se saber onde estes irão afluir e como. O programa brasileiro Bolsa Família é um exemplo de política focalizada: mirou e conseguiu beneficiar indivíduos carentes, impondo condicionalidades que possam melhorar o futuro econômico das famílias receptoras do recurso, como a obrigatoriedade de matricular crianças nas escolas e a frequência de grávidas em hospitais. Todavia, os exemplos de políticas desprovidas de focalização abundam. Nesse caso, são recursos pensados em beneficiar os pobres, mas que na prática não conseguem atingir o objetivo almejado. Para citar novamente a experiência brasileira , temos a meia-entrada, discussões para tornar serviços públicos gratuitos para todos e o BPC (benefício da prestação continuada).

A partir do entendimento de que políticas devem ser focalizadas e bem construídas, o próximo passo é eliminar preconceitos em relação aos pobres. Daí o nome da obra. Adjetivos como preguiçosos, acomodados e com baixa capacidade de planejamento são desqualificados ao longo do texto, uma vez que por trás desses diagnósticos repousa o que de fato gera e perpetua a pobreza. 

A estrutura responsável por esse quadro é chamada de armadilha da pobreza. Essa situação ocorre quando, por exemplo, um incremento no capital produtivo de um indivíduo seria capaz de elevar significativamente o rendimento de sua atividade, fazendo com que ela se torne muito lucrativa - fugindo, consequentemente, da armadilha da pobreza. Pessoas nessa situação precisam de um empurrão para que consigam fugir desse ciclo vicioso. 

Aqui entra o conceito de nudge. Nudge é um termo emprestado do livro de Thaler e Sunstein - com o devido reconhecimento por Banerjee e Duflo -, o qual nos ajuda a tomar a melhor decisão preservando nossa liberdade de opção. No caso da pobreza, poderia criar um nudge para que famílias nessa condição comprassem medicamentos que eliminassem vermes nas crianças. Como os pais dessas crianças possuem baixa instrução, estes não associam os ganhos que o consumo desse remédio acarretaria. O nudge seria subsidiar ou até mesmo fornecê-lo gratuitamente, por um período limitado de tempo, para que os pais percebessem as consequências de seu uso. Uma vez incorporado esse conhecimento, o nudge poderia ser retirado. Tais famílias teriam o hábito de adquiri-lo. 

Indivíduos pobres sofrem de falta de informação (como atestado no parágrafo anterior), crenças frágeis e procrastinação. No caso dessa última, todos estamos sujeitos a ela, entretanto, as consequências são mais agudas e desfavoráveis quando somos vulneráveis. Em parte porque a vida dos pobres envolve maiores riscos e incertezas do que a de famílias com renda maior. Enquanto algumas decisões são tomadas para nós, o mesmo não se observa para os pobres, como é o caso da água que recebemos em nossas moradias, já tratada pelo sistema de distribuição, ao passo que para os vulneráveis estes é que devem adicionar os compostos químicos para que esta possa ser ingerida. Problema patente na realidade brasileira, dada a fatia de famílias (10 milhões destas, ou 14% do total) sem acesso a rede de distribuição

Além dos maiores riscos enfrentados pelos pobres, o livro discute formas de melhorar sua alimentação, saúde, educação e empreendimentos. Toda a discussão é realizada com embasamento em trabalhos acadêmicos, tornando-a mais robusta. 

Se aproximando do final, discute-se como melhorar as políticas econômicas. O argumento do famoso livro de Acemoglu e Robinson, Por que as Nações Fracassam, é colocado em avaliação, o qual nos diz que para que tenhamos melhores políticas econômicas, deve-se reformar e melhorar as instituições (direitos de propriedade, participação da população, transparência, democracia). Nas palavras dos autores, "por mais vitais que sejam as instituições econômicas para determinar o grau de pobreza ou riqueza de dado país, a política e as instituições políticas é que ditam que instituições econômicas o país terá". 

Banerjee e Duflo, de forma muito cautelosa e sutil, considerando também que ambos são companheiros de departamento de Acemoglu, discordam da tese, dizendo que pode-se melhorar as políticas desde que mudanças marginais, pequenas, sejam implementadas. Entendendo os incentivos e a forma de atuar dos indivíduos, leves alterações (nudges) são capazes de grandes mudanças para melhor. O Brasil aparece no livro com o exemplo da utilização das urnas eletrônicas. No passado (anos 1980 e 1990), quando o voto era impresso, os inúmeros brasileiros analfabetos eram incapazes de distinguir entre os candidatos possíveis, todavia, com a urna, e com a foto do candidato na tela, estes passaram a saber em quem estão de fato votando. Lembrando que este livro foi escrito em 2011, portanto, uma década antes da atual discussão de regresso ao sistema de voto impresso. 

Também acredito que mudanças marginais sejam capazes de melhorar o presente, sem a necessidade de reformular completamente as instituições. Navegando na área macroeconômica, atualmente a política monetária do Banco Central tem maior transparência e objetivo conhecido pelos que acompanham o mercado financeiro, graças à implementação do Regime de Metas de Inflação (RMI) em 1999. A inflação deixou de ser um problema (pelo menos em comparação com o passado). 

A Economia dos Pobres é um livro muito bem escrito, desenvolvido e argumentado. Recomendo a sua leitura. 






 


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